O Estado de São Paulo (2020-06-21)

(Antfer) #1

Roberta Picinin


Estudar, trabalhar e buscar
aprendizado constante sempre
fizeram parte da rotina do advo-
gado Maurício Maluf Barella, de
42 anos. Especializado na área
de imóveis, ele também está ter-
minando a faculdade de psicolo-
gia. E ainda se inscreve em cur-
sos paralelos, lê livros, escreve
resenhas para o blog que man-
tém, se exercita. Além de dar
atenção à família, claro. De on-
de vem tanta empolgação, que
faz o dia de pessoas como ele
parecer ter 48 horas? E como es-
ses supermotivados estão nes-
te período de pandemia?
Para especialistas, a princi-
pal chave para esse ânimo redo-
brado é desenvolver o autoco-
nhecimento para descobrir ati-
vidades que tragam felicidade.
Força de vontade, proatividade
e otimismo também ajudam.
“Meus irmãos são como eu.
É incentivo, criação, questio-
nar, buscar respostas e enten-
der as coisas”, diz Barella. Ele
fala que não consegue dormir
enquanto não tem a resposta
para suas dúvidas.
O advogado conta ainda que
acha importante desenvolver
o autoconhecimento para man-
ter a motivação. “É achar uma
atividade que seja prazerosa,
estimulante. E parar um tem-
po do dia para fazer”, sugere.
Outra meta para ele é ser útil e
ajudar outras pessoas.
O depoimento de Barella re-
vela vários tipos de motivações.
Sim, no plural, como explicam
especialistas. Cesar Bullara, di-
retor e professor do departa-


mento de gestão de pessoas e
professor de ética nos negócios
no ISE Business School, cita
três tipos: intrínsecas, extrínse-
cas e transcendentes.
“Os estímulos nos chegam e
provocam impactos de formas
diferentes. Falar de motivação
é falar de aspectos muito pro-
fundos do ser humano”, afirma
Bullara. “Algo que vem de fora é
a motivação extrínseca, que es-
timula a fazer algo pelo qual vo-
cê está sendo cobrado, exigido,
que é necessário. Um exemplo
disso é o trabalho, que traz um
benefício econômico.”
Já a motivação intrínseca, se-
gundo ele, tem a ver com o auto-
conhecimento. “Vem de dentro
da pessoa. Se você gosta do que
faz, o trabalho é uma razão de
motivação”, exemplifica. A
transcendente, por sua vez, es-
tá ligada ao impacto positivo
que você pode ter nos outros.
“Ocorre quando a pessoa sente
que aquilo que faz tem um pro-
pósito, indo além de si mesma.”
A psicóloga Priscila Yara Had-
dad, que trabalha com mapea-
mento e desenvolvimento hu-
mano, acrescenta que o tipo de
motivação intrínseca é fácil de
identificar. “Há uma adminis-
tração de emoções. E a pessoa
não perde o objetivo”, explica.

“Existe a vontade de fazer e de
ser o seu melhor. A proativida-
de e o otimismo estão ligados à
motivação, isso está relaciona-
do à inteligência emocional.”

Vontade de ajudar. Professor
de educação física, Renan Car-
dozo, de 33 anos, é outro desses
supermotivados. E também ti-
ra parte desse ânimo da vonta-
de que sente de ajudar.
Ele é casado com a personal
trainer Mônica Luiz, de 31 anos,
igualmente motivada e dedica-
da a várias atividades, como o
projeto social que ambos que-
rem tocar na zona norte de São
Paulo. “O Tênis na Rua tem por
base o projeto de um amigo em
Paraisópolis ( na zona sul )”, diz
o professor. “Nossos projetos
não giram só em torno de nós
mesmos, mas também de ou-
tras pessoas.”
Os dois iniciariam o projeto
social em março, promovendo
aulas de tênis um domingo por
mês. Mas a covid-19 chegou e,
com a doença, a impossibilida-
de de desenvolver esse trabalho
presencialmente. O adiamento
não desanimou o casal. “Aca-
bando a pandemia, queremos
dar andamento. Essa parada
nos deu a oportunidade de sen-
tar e centralizar nossas ideias”,

diz Cardozo, que, junto com a
mulher, aproveita para tocar vá-
rios outros projetos, pessoais e
coletivos.

Contágio positivo. Segundo os
especialistas ouvidos pelo Esta-
dão , uma pessoa motivada po-
de, sim, “contaminar” o parcei-
ro, como ocorre com o casal
Mônica e Cardozo. O mesmo va-
le para grupos da escola ou do
trabalho.
“Somos seres sociais. Viver
com uma pessoa que motiva te
dá uma referência”, explica Mo-
nica Heymann, especialista em
desenvolvimento humano. “É
possível incentivar o outro para
que ele encontre sua motivação
interna. Isso é contagiante. Mas
há também a parte de cada um,
do indivíduo. Só se leva a pes-
soa até determinado ponto, o
restante depende dela.”
A psicóloga Priscila concor-
da, mas acrescenta que o efeito
oposto também pode ocorrer.
“Todas as emoções, positivas
ou negativas, são contagian-
tes”, diz. “Se alguém segura mi-
nha onda quando não estou
bem, pode me ajudar e me con-
tagiar positivamente, ressigni-
ficando as coisas e fazendo a
diferença. Assim como ter pes-
soas desmotivadas à sua volta

pode provocar um impacto no
seu desempenho.”

Pela arte. Pai e avô, o profes-
sor de música Denne Oliveira,
de 53 anos, não se cansa. Ele dá
aulas em escolas de música,
tem uma banda de maracatu,
promove congressos educacio-
nais, participa de um projeto pa-
ra orientação de vestibulandos,
estuda filosofia e faz pinturas
no tempo livre. Fora da quaren-
tena, ainda toca em bares.
“Eu me satisfaço em ver as
pessoas pensando e aprenden-
do. Um sorriso para mim já é
uma realização”, afirma o músi-
co, que pretende oferecer um
projeto cultural com aulas de
teatro, música e dança após a
pandemia. “Moro próximo de
uma comunidade e vejo muitas
crianças se perdendo. Quero
ver o mundo diferente.”
A mulher dele volta e meia pe-
de uma pausa para que consi-
gam ficar um tempo juntos,
mas todos na família se orgu-
lham da sua dedicação e apoiam
seu jeito de viver intensamente.
Especialistas explicam que a
motivação é muito positiva,
mas dizem que os superanima-
dos também precisam redo-
brar a atenção para manter o
equilíbrio. “Se o que eu estou

fazendo com finalidade exter-
na tiver ganchos emocio-
nais com a minha motiva-
ção intrínseca, é o melhor
dos dois mundos”, diz a psi-
cóloga Priscila. “Tem ade-
rência com o que eu sinto, é
prazeroso, é algo que liga a men-
te e a emoção.”
Monica, que além de especia-
lista em desenvolvimento hu-
mano faz coach de carreira e pa-
ra executivos, lembra que é sem-
pre preciso dosar. “Se eu tenho
uma mente proativa e muita mo-
tivação, o que isso me traz? De
onde isso vem? É bom desde
que não atrapalhe a rotina,
quando há equilíbrio”, afirma.

No início. Ainda no começo da
carreira, Felipe Moreira, de 21
anos, já tem uma rotina cheia de
responsabilidades. O estudan-
te de publicidade e propaganda
trabalha com edição de vídeos e
documentários e produz clipes.
Também faz freelas fotográfi-
cos e de filmagens.
O jovem diz que estar sem-
pre construindo algo novo dá
uma sensação de realização.
“Também tem algo de identida-
de. Sou uma pessoa que vem da
periferia. Quando a gente vem
desses lugares, precisa fazer
mais para chegar a outros luga-
res, alcançar nossos objeti-
vos”, afirma o universitário. “É
uma das coisas que me moti-
vam a ir além.”

NA


Caderno 2


Liam Gallagher lança ‘Acústico MTV’ PÁG. H10


Como manter o pique


em tempos estranhos


como o atual


MOTIVAÇÃO


COMO ANDA A SUA?


Motivação nos esportes e
entre jovens e idosos

QUARENTENA


RAFAEL ARBEX/ESTADÃO

PÁGS. H6 e H7

ILUSTRAÇÃO: MARCOS MÜLLER

%HermesFileInfo:H-1:20200621:H1 DOMINGO, 21 DE JUNHO DE 2020 (^) O ESTADO DE S. PAULO

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