O Estado de São Paulo (2020-06-21)

(Antfer) #1

OESTADODES.PAULO DOMINGO, 21 DEJUNHODE 2020 Especial H7


NAWEB
Especial. Veja dicas para enfrentar
período de confinamento.
http://www.estadao.com.br/e/quarentena

efeitos da pandemia são bas-
tante variáveis, dependendo
da caixinha em que você está.
Há pessoas idosas que têm re-
cursos tecnológicos e sabem
usar as ferramentas, o que faz
com que elas estejam isoladas
sem estarem sozinhas. Ao mes-
mo tempo, existem idosos que
estão preocupados se vão ter o
que comer hoje.

lComoosidososcostumamli-
darcomsituaçõesadversas?
Em geral, eles costumam ter
bastante resiliência. Como o
idoso já passou por muitas e
boas, ele consegue ver que há
uma luz no final do túnel, en-
quanto uma pessoa jovem facil-
mente se desespera, entra em
ansiedade e fica com medo da
situação. O idosos olha para
trás e lembra que já viveu ou-
tras adversidades que passa-
ram. A resiliência é você dis-
por de reservas internas para
vencer as dificuldades, os trau-
mas e até as perdas que uma vi-
da mais longa pressupõe. En-
tretanto, apesar de idosos se-
rem mais resilientes, eles es-
tão sentindo hoje a perda dos

dias sem poder ver os netos,
os amigos e sem poder pas-
sear. E eles sabem que essa é
uma grande proporção da vida
que lhes resta.

lMuitosidososquesededica-
vamaatividadesforadecasa
tiveramumamudançaderotina
agoranapandemia,comoconfi-
namento.Queefeitoissopode
trazerparaeles?
Fazia parte
do dia a dia
de muitos ido-
sos frequen-
tar espaços
que promo-
viam ativida-
des lúdicas,
culturais e físi-
cas. Alguns frequentavam pro-
gramas de universidades para
terceira idade também, e passa-
vam a semana inteira esperan-
do a hora de ir para aula, para
aprender e conversar. Muitas
vezes frequentar essas ativida-
des significa encontrar pes-
soas: não é só ir fazer a ginásti-
ca, tem uma troca e você está
participando e mantendo as
suas relações. Muita gente de-

ve estar sentindo falta disso. É
uma geração que, mesmo que
tenha adquirido o básico em
questão de tecnologia, não
tem a mesma versatilidade e
também não acha tão fácil se-
guir uma aula de alongamento
pelo celular, por exemplo. Isso
tem um efeito físico, já que ido-
sos perdem massa muscular
mais rapidamente, e também
um impacto emocional, que
pode se tradu-
zir em um
sentimento
de solidão.

lQualéaim-
portânciada
sociabilidade
nestafase?
Existem alguns fatores que, se
acumulados, podem ajudar vo-
cê a envelhecer com qualidade
de vida e a se tornar um idoso
vivo e ativo. Primeiro, há os ca-
pitais de saúde: acho que todo
mundo concorda que se a saú-
de vai embora, a qualidade de
vida também vai. Há também
os capitais de conhecimento,
porque é importante aprender
constantemente para não se

tornar obsoleto. Um outro fa-
tor é justamente o capital so-
cial, mantendo amigos e rela-
cionamentos. A sociabilidade
é inclusive um fator de prote-
ção, como ter alguém que cui-
de de você caso surja alguma
doença. Por fim, há o capital fi-
nanceiro, que não resolve tu-
do, mas ajuda no envelheci-
mento. Contudo, esses capi-
tais sozinhos não são suficien-
tes: eles não adiantam se você
não tiver um propósito de vi-
da, se não souber por que acor-
dou e se vai levando a vida sen-
tindo que ela está vazia.

lÉcomumqueidosospercam
essepropósitonavelhice?
Isso acontece sobretudo com
os homens idosos, que ao lon-
go da vida se acostumaram a
depositar todas as fichas na
profissão. Quando eles se apo-
sentam de repente, ficam per-
didos. O trabalho voluntário é
uma boa opção para encontrar
propósito. Encontre uma cau-
sa e faça o bem para alguém.
Em um país com tanto proble-
ma social, tem muita gente pre-
cisando da sua ajuda.

lOsenhorachaqueépossível
manterasociabilidadedurantea
pandemia?
Temos depoimentos de pes-
soas que estão agradecendo
que existe chamada de vídeo
para poder falar com seus ne-
tos. A tecnologia, para quem
pode utilizá-la, está sendo
uma ferramenta salvadora.

lÉimportanteoidosomanter
desafiosemetas?
Estabelecer metas e desafios
é algo importante durante a vi-
da toda. A vida é um curso: vo-
cê não se transforma de repen-
te aos 70 anos. Quanto mais
cedo você começar a se prepa-
rar para a tal da velhice, tendo
metas e objetivos, melhor. Se
você não começou aos 20, co-
mece aos 30, ou então aos 50.
Você vai precisar de metas,
disciplina e determinação pa-
ra lidar com esse tempo
maior que surge com a velhi-
ce. A vida antigamente era
uma corrida de 100 metros,
mas hoje é uma maratona. É
importante a cada dia atingir
uma meta e fazer um pouco
mais para si a fim de chegar

bem no final maratona.

lQualconselhoosenhordaria
paraumidosoqueestásolitário
eangustiadoagoradurantea
pandemia?
É possível manter desafios ago-
ra, podem ser objetivos bem
triviais, como se propor per-
der alguns quilos se você esti-
ver precisando emagrecer. Po-
de ser uma meta também man-
ter os amigos e manter o espa-
ço de casa limpo. Faça com
que esse lar em que você está
confinado seja um ambiente
agradável, abra a janela para
arejar essa vida que está com
bolor. Abra também aquele ar-
mário que está entulhado de
coisas e separe o que precisa jo-
gar fora e o que pode doar. Es-
sa limpeza tem de ser no espa-
ço físico, mas também na alma
e no coração. A pandemia está
mostrando o quanto a vida é
frágil. Aproveite o confinamen-
to para pensar em pedir per-
dão, para resolver mágoas.
Tente fazer a vida mais leve,
com bom humor. Olhe para o
seu envelhecimento como
uma tremenda conquista.

‘APROVEITE O
ISOLAMENTO PARA
PENSAR EM PERDÃO,
RESOLVER MÁGOAS’

Maria Fernanda Rodrigues

Nãoéfácilser adolescente.Mui-
to menos um adolescente que
só está em contato com os ami-
gos pelas redes sociais e passou
de uma hora para a outra a fazer
aulas a distância, enquanto vê
nonoticiário oavanço dacovid-


  1. Mesmo assim, Rafael conti-
    nua com suas aulas de dança,
    driblandoopoucoespaçonasa-
    la de casa. Paolo, depois de ven-


cer o coronavírus, cuida do físi-
co e da cabeça. E Manuela tem
se revelado uma bela escritora.
Eles são alguns dos milhares
de adolescentes que precisa-
ram se adaptar a novas rotinas.
Etudoissosemobônusdascon-
versas no recreio, das festas ou
das tardes de videogame com
colegas. Mas eles vão encaran-
doessarealidadeereconhecen-
do em si o que gostam e o que
poderiamfazer diferente. Equi-
libram a angústia com encon-
tros virtuais, séries, livros e vá-
rias horas no TikTok.
“Os adolescentes estão sen-
tindo falta dos amigos, de se ver
não só pelos aplicativos. Todos
estamos dando conta de elabo-
rar essas faltas e achar substitu-

tos”, explica a psicanalista Lu-
cianaSaddi,da SociedadeBrasi-
leira de Psicanálise de São Pau-
lo.“Temosrecursospara isso.E
os adolescentes, também.”
Manuela Paulino, de 14 anos,
se arrepende de não ter se des-
pedido como gostaria dos ami-
gos no último dia de aula antes
daquarentena.Achava que ape-
nas fariam uma pausa de duas
semanas. A ficha foi caindo aos
poucos, com a divulgação da
programação de aulas.
A saudade dos amigos é o que
bate mais forte. “Depois de um
tempo, consegui criar um am-
biente para mim, filtrar as notí-
cias que chegam do mundo de
fora”, diz a aluna do 9.º ano, que
escreveu um texto sensível e
maduro sobre a quarentena pa-
ra um sarau online de sua esco-
la, em São Paulo.
Escrever, aliás, é algo que ela
fazsempreque sesenteinspira-
da. Esse texto da escola nasceu
dasobservaçõesque vaianotan-
do em seu diário, à mão, com a
letraredondinha.Para aplacara
faltadosamigos,temescritoso-
bre eles. E, como qualquer ado-
lescente, está passando muito
tempo conectada e no TikTok.

Busca pelo foco. Como Ma-
nuela, Maria Luiza Salvatori, de
17, vem tentando se proteger de
notícias pesadas. Conta que
tem seguido páginas mais posi-
tivasna internet.“Sintoumme-
do constante”, diz. “Eu sei que
se eu pegar, vou ficar bem e me
tratar, mas me preocupo com
meus avós, com meus pais, com
as pessoas do prédio. Sinto em-
patia, sabe?”
Malu está às vésperas do
Enem e tem sentido dificulda-
de de se concentrar.“Em casa, é
tudo mais flexível e me pego
procrastinando. Adoro ler, mas
não tenho conseguido focar em
nada”,dizaestudante,quequer
cursar ciências políticas.
De acordo com a psicóloga
Edna Oliveira, a família pode
ajudar a motivar os adolescen-
tes neste momento. “Claro que
não é fácil, mas é preciso abrir

um caminho do qual você, pai,
faça parte”, sugere. “Posso cha-
mar esse adolescente para uma
atividadeoupediraajudadele.”
Essa proximidade, com to-
dos ficando mais em casa, é
uma oportunidade para a famí-
lia se conhecer melhor. “Mui-
tos pais não sabem o que moti-
va os filhos”, diz Edna. “Esse é o
momento de perguntar.”

Apósocoronavírus. Paolo Car-
renho,de16anos,tambémacha-
va que seria fácil se tratar, caso
elepegasse o coronavírus. E sua
quarentena começou bem, na
euforia de poder ficar em casa,
na Vila Mariana, na zona sul de
São Paulo. Estudante e jogador
defutebol,ele continuoufazen-
do exercício e foi tocando a vi-
da. Viu o tédio se aproximando,
até que no dia 14 de maio os pri-
meiros sintomas da covid-19
apareceram.
“Sempre tive uma boa saúde
e achei que os efeitos não se-
riam tão absurdos se eu pegas-
se. Mas o coronavírus é muito
silencioso.”Paoloteveossinto-
mas intestinais e torceu para
não sofrer com a falta de ar.
Durante a doença, o garoto
viu séries e filmes. Ainda leu Fe-
licidade:ModosdeUsar ,deLean-
dro Karnal, Luiz Felipe Pondé e
Mario Sérgio Cortella. “Agora,
estou tentando manter o físico
e não atrofiar o cérebro.”
Irmão de Paolo, Rafael, de 14,
passouatemeracovid-19 quan-
do precisaram de se isolar. “Ti-
ve medo que ele piorasse e fos-
se internado. Agora, temo que
alguémmaispegueeeunão con-
siga me despedir”, diz Rafael.
A psicanalista Luciana expli-
caquemuitosjovens vêmfican-
doangustiadospor estaremsen-
do confrontados, pela primeira
vez, com a morte. “Muitos pais
não sabem falar disso com os
filhos”,afirma.“As pessoaspre-
cisam conversar mais sobre a
morte,sobreomedodemorrer.
Assim,aangústiapassaaserno-
meada e nos tranquilizamos.”
Rafael, por exemplo, ficou
maisempazquandosedeucon-
ta de que o medo não era só de-
le.Naquarentena,ogarotocon-
tinuou fazendo de casa suas au-
lasde dança.Também seaproxi-
mou da cozinha. “Descobri que
sei fazer algumas coisas.”
Mesmo com as dificuldades,
a psicanalista Luciana acredita
que, de modo geral, os adoles-
centes estão se saindo bem du-
rantea quarentena.Muitoscon-
seguem ser criativos, estudar e
ocupar o tempo, na opinião de-
la.Apsicanalistasugereumare-
lação mais equilibrada entre
pais e filhos, sem pressão de-
mais ou proteção exagerada.
É necessário, no entanto, fi-
car atento para casos mais sé-
rios,quandoomedoacabapara-
lisandoojovem.“Então, épreci-
so procurar ajuda.” /COLABOROU
ROBERTAPICININ

Motivar um jovem não é
fácil, mas especialistas
recomendam abrir
diálogo e chamá-los para
participar de decisões

Inspiração.
Manuela
mantém o
ânimo
escrevendo
e pensando
em ver os
amigos

FOTOSARQUIVOPESSOAL

Desafio.
Alexandre
Martinez faz
prova de
150 km em
10 dias:
motivação
amil

FELIPE RAU / ESTADÃO

Irmãos. Paolo pegou covid-19 e precisou se isolar de Rafael

ADOLESCENTES


DRIBLAM TÉDIO E


ROTINA RESTRITA


ILUSTRAÇÃO: MARCOS MÜLLER
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