O Estado de São Paulo (2020-06-21)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-6:20200621:
A6 Política DOMINGO, 21 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ELIANE


CANTANHÊDE


A


fuga do inacreditável Abra-
ham Weintraub para Miami
e a chegada do também ina-
creditável Mário Frias à Secretaria
de Cultura trazem ao governo uma
sensação de fim de festa, ou de fim
do mundo, com o presidente Jair
Bolsonaro catatônico, os generais
aturdidos, o trio jurídico tentando
um “respiro” do Supremo e o pau
comendo na Justiça e na pandemia.
Com um milhão de contaminados e
50 mil mortos, o foco do presidente
está em outros números: 01, 02 e 03.
Situação dramática. Os militares
finalmente se dão conta, o mundo

jurídico age e o político se preserva. To-
dos conversam com todos procurando
uma luz no fim do túnel: ex-presiden-
tes (menos Lula), atuais e ex-ministros
do Supremo, da Defesa e da Justiça, po-
líticos de diferentes cores, juristas inde-
pendentes, militares da ativa e da reser-
va. Os bolsonaristas veem “abuso” e
“perseguição” contra Bolsonaro, o STF
e os demais lembram que os ataques e
ameaças partiram dele. Mas há uma
saudável operação de guerra para de-
fender o País – apesar do presidente.
Alexandre de Moraes, Gilmar Men-
des e Dias Toffoli, pelo menos, têm
conversado com o ministro da Defesa,

general Fernando Azevedo e Silva, e
Gilmar foi ao comandante do Exérci-
to, general Edson Pujol (que tem sido
exemplar). Também têm canal com o
ministro da Justiça, o secretário-geral
da Presidência e o advogado-geral da
União, além de influentes generais da
reserva. Bolsonaro, que deveria liderar
esse processo, está alienado. Na sua
dimensão, almoça com gatos pingados
do Centrão, faz live patética com Wein-
traub, defende o preso Fabrício Quei-
roz e desdenha de um milhão de brasi-

leiros com o vírus (“Quase 90% não
sentem quase nada”).
Os militares fecharam os olhos para
atos golpistas, uso da marca das FA,
obsessão contra o isolamento social e
a favor da cloroquina e até para a derru-
bada de portarias sobre controle de ar-

mas. Agora, como Sérgio Moro, che-
gam ao seu limite. Meia volta, volver.
Defender Queiroz, Flávio Bolsonaro,
ligações com milícia? Weintraub no
Banco Mundial? Aparelhamento das
PMs? Manipulação das FA pelo capi-
tão insubordinado? Aliás, Bolsonaro
faz questão de um general da ativa à
disposição. Será que o secretário de Go-
verno, Luiz Eduardo Ramos, vai mes-
mo para a reserva?
Certo domingo, Bolsonaro convi-
dou o ministro da Defesa para uma vol-
ta inocente de helicóptero. Eis que – na
versão do general – ele se viu num ato
contra o STF e o Congresso e pela volta
dos militares. É mole? E ele já ratificou
a nota do general Augusto Heleno
ameaçando o STF com “consequên-
cias imprevisíveis” e a de Bolsonaro di-
zendo que as FA não vão cumprir “or-
dens absurdas” e “julgamentos políti-
cos”. Na primeira, houve recuo. Na ou-
tra, explicação de bastidores: Bolsona-
ro queria os comandantes de Exército,
Marinha e Aeronáutica na nota. O mi-

nistro da Defesa assumiu o ônus.
Na quinta e na sexta, com a prisão
de Queiroz, Bolsonaro chamou o ge-
neral Fernando e o ministros da Jus-
tiça, deixando no ar a tentativa de
envolvê-los (com a PF junto) num
problema que não é de governo,
mas dele e dos filhos. E as Forças
Armadas com isso? Os comandan-
tes bem fazem continuando mudos,
cegos e surdos, enquanto o ministro
da Defesa deveria ir tirar fotos nas
ações militares na pandemia, bem
longe de Brasília.
As FA, porém, não podem se des-
cuidar da população civil armada, do
aparelhamento das polícias, das sus-
peitas de promiscuidade com milí-
cias. Já imaginaram a PM cruzando
os braços numa invasão do STF?
Típico caso de Garantia da Lei e da
Ordem (GLO), com Exército na rua.
E aí? Forças Armadas contra polícia?
Em nome do que? Dos Bolsonaro? É
melhor prevenir esse risco do que
remediar depois. O Brasil agradece.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @ECANTANHEDE
ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E
SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Militares recuam. Weintraub
fugindo e Mário Frias na Cultura
completam clima de fim de festa

Vinícius Valfré / BRASÍLIA


Uma crise toda semana. Foi
com esse argumento que uma
economista, uma dona de ca-
sa e um servidor público pro-
tocolaram na Câmara dos De-
putados, no dia 19 de março,
um pedido de impeachment
do presidente Jair Bolsonaro.
Nas 39 páginas da petição são
apresentadas notícias e decla-
rações que, para os autores
do documento, significam
ameaças à democracia e à li-
berdade de imprensa, abuso
de poder e até quebra de deco-
ro do chefe do Executivo.

A petição é assinada pela econo-
mista Neide Rabelo de Souza, a
mãe dela e o irmão. Neide e sua
família integram a lista dos 48 pe-
didos de impeachment registra-
dos contra Bolsonaro, nos últi-
mos meses, à espera de um despa-
cho do presidente da Câmara, Ro-
drigo Maia (DEM-RJ). Desse to-
tal, 24 se referem à participação
do presidente em manifestações
antidemocráticas, ou à defesa fei-
ta por ele do golpe de 1964, como
atitude passível de enquadramen-
to em crime de responsabilidade.
O Supremo Tribunal Federal
(STF) abriu inquérito para in-
vestigar quem financia esses
protestos, que pregam interven-
ção militar e fechamento do
Congresso e da Corte. O presi-
dente, porém, embora tenha
participado de sete manifesta-
ções, não é alvo.
Além das 24 solicitações de
afastamento que têm como al-
vo o envolvimento de Bolsona-
ro em atos contrários aos alicer-
ces da democracia, outras 20
sustentam que ele cometeu cri-
me de responsabilidade por pre-
gar o descumprimento da qua-
rentena na pandemia do corona-


vírus, tratando com descaso a
doença que já matou quase 50
mil pessoas no País. O número
de pedidos de impeachment dis-
parou com o início da pande-
mia. Até fevereiro deste ano fo-
ram sete. Depois disso, quando
começam as manifestações e a
crise na saúde, outros 41 foram
protocolados, o que dá um pedi-
do a cada dois dias e meio de
março até hoje.
“O mandato do presidente
Bolsonaro está sendo atípico. É
notável que em sua gestão ocor-
rem percalços significantes e
crises no âmbito nacional e in-
ternacional, toda semana, seja
pela forma como o presidente e
sua equipe se relacionam entre
si (como) com integrantes dos
poderes Legislativo e Judiciário
e a sociedade”, diz a peça subs-
crita pela economista Neide.
Nos escaninhos da Câmara,
chama a atenção, ainda, um pe-
dido de impeachment escrito a
mão por um detento de São Pau-
lo. Em quatro páginas, João Pe-
dro Bória Caiado de Castro diz
que o comportamento do presi-
dente no tocante à pandemia,
deixou de ser tão somente “hilá-
rio”, mas passou a ser “crimino-
so e ofensivo” à vida de milha-
res de cidadãos. “As ‘piadinhas’
infames e omissões, bem como
comportamentos absurdos e
criminosos, precisam de respos-
ta”, insistiu.

Freud. Nem mesmo Sigmund

Freud, o pai da psicanálise, foi
esquecido nas petições para
afastar Bolsonaro. Em uma de-
núncia também protocolada
em março, quatro advogados li-
derados por Bruno Espiñeira –
um criminalista da Bahia – argu-
mentam que a circulação do pre-
sidente por Brasília, na condi-
ção de caso suspeito de infec-
ção pelo coronavírus, é uma
“ameaça à segurança do Brasil”,
algo também previsto na lei de
crimes de responsabilidade.
“Em rasa leitura de Freud, co-
mo parece não ter resolvido
suas fases oral e anal, se apresen-
ta carregado de pulsões de mor-
te. Adora e incentiva o confron-
to e o conflito, jamais trazendo
um minuto de paz que seja à so-
ciedade, permanentemente ten-
sa com a nova asneira do dia se-
guinte”, descreve a petição.
Até agora, o pedido de impea-
chment mais robusto foi apre-
sentado no fim de maio por par-
tidos de oposição. Assinam a pe-
ça líderes do PT, PC do B, PSOL,
PCB, PCO, PSTU e UP, além de
representantes de mais de 400
entidades e movimentos so-
ciais críticos a Bolsonaro, como
o Movimento dos Trabalhado-
res Sem Teto (MTST). Mesmo
assim, nos bastidores, adversá-
rios do presidente avaliam que
somente após o fim da pande-
mia um processo dessa enverga-
dura poderá sair do papel.
Rodrigo Maia tem dito, por
sua vez, que é preciso cautela
para não agravar a crise política
e criar mais conflitos. “Não po-
demos por mais lenha na foguei-
ra”, afirmou ele, recentemente.
Na prática, o número de pedi-
dos de impeachment contra Bol-
sonaro teve aumento expressi-
vo a partir de março, quando a
Câmara adotou o atendimento

virtual, por causa da covid-19.
Das 48 petições pela deposição
do presidente, 85% foram proto-
coladas pela internet.
Com 998 páginas, um docu-
mento do Grupo de Advogados
pela Diversidade Sexual e de Gê-
nero exibiu um compêndio do
que classifica como atuação

contra a honra e o decoro. “A
conduta de Jair Messias Bolso-
naro na condição de presidente
da República despreza limites
vitais do exercício de seu cargo,
mediante sua verborragia inju-
riosa sem filtro”, diz o texto.
Até hoje, um único pedido de
impeachment contra Bolsona-

ro – o primeiro de todos, em fe-
vereiro de 2019 – foi arquivado.
Escrito a mão pelo autônomo
Antonio Jocelio, acusava o pre-
sidente de manter o País “re-
fém da dívida pública”. Deta-
lhe: Jocelio estendia o pedido
de afastamento aos chefes dos
outros Poderes. Por “omissão”.

Fim de festa


NA WEB
Impeachment.
Todos os pedidos
contra Bolsonaro

estadao.com.br/e/bolsonaropedidos
6

Das 48 ações apresentadas até agora, a maioria aponta possível crime
de responsabilidade

Temas mais frequentes apontados nos pedidos:

●Apresentação dos pedidos de impeachment contabilizados pela Câmara*

RITMO

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

*ENTRE OS 48 PEDIDOS, ALGUNS SÃO ADITAMENTOS OU REPETIÇÕES DE AÇÕES. MAS A CÂMARA CONTABILIZA CADA
UM DELES. A MAIOR PARTE DAS DENÚNCIAS APRESENTA PELO MENOS DOIS CRIMES PRINCIPAIS. UM MESMO PEDIDO
PODE APRESENTAR VÁRIAS DENÚNCIAS

2019

Apontam como crimes
os incentivos a
manifestações com
pautas inconstitucionais,
contra Congresso e STF,
e alusões ao golpe
militar

●Petições dizem que
condutas violam
Constituição e lei de
crimes de
responsabilidade como
atentar contra o "livre
exercício do Poder
Legislativo, do Poder
Judiciário e dos poderes
constitucionais dos
Estados”, “tentar
dissolver o Congresso” e
“opor-se diretamente e
por fatos ao livre
exercício do Poder
Judiciário”

48 pedidos


5

2020
JAN

1

FEV

1

MAR

14

ABR

13

MAI

10

JUN

4

64 denúncias


24 20
Citam condutas
inadequadas no
combate à pandemia,
como incentivos a
aglomerações,
menosprezo às
consequências da
doença e omissões
de dados sobre o
novo coronavírus

●Petições apontam
violação das leis que
apontam como
crimes: atentar
"contra a segurança
interna", "praticar ou
concorrer para que
se perpetre qualquer
dos crimes contra a
segurança interna" e
"proceder de modo
incompatível com a
dignidade, a honra e
o decoro do cargo".
Todos são passíveis
de impeachment

Têm como base a
interferência na PF
apontada pelo
ex-ministro da Justiça
Sérgio Moro e as
supostas tentativas de
intromissão do
presidente no caso
Marielle, quando ele
foi citado em
depoimento

●Crimes cometidos,
segundo as denúncias:
falsidade ideológica,
coação, obstrução à
Justiça, advocacia
administrativa, entre
outros

Têm temas diversos,
como quebra de
decoro no "caso
golden shower",
xenofobia contra
médicos cubanos, má
gestão do Fundo
Amazônia e apoio aos
EUA no ataque contra
general iraniano

14 6


Por que eles querem


cassar o mandato de


Jair Bolsonaro?


Ao todo, 48 pedidos de impeachment foram apresentados; maioria


é por participação do presidente em atos antidemocráticos


ADRIANO MACHADO/REUTERS - 13/6/

Planalto.
Opositor em
ato contra
Bolsonaro
perto do
Congresso
Free download pdf