O Estado de São Paulo (2020-06-21)

(Antfer) #1

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A8 Política DOMINGO, 21 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


VERA


MAGALHÃES


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?

N


uma semana pródiga em es-
cândalos até para os aberran-
tes padrões bolsonaristas, pe-
ço licença para não falar de Sara Giro-
mini, Fabrício Queiroz ou Abraham
Weintraub, que já foi tarde.
Figura bem menos exótica, o ex-se-
cretário do Tesouro Nacional Man-
sueto Almeida, economista e pesqui-

sador do Ipea, virou pivô de um debate
sobre em que medida, diante dos arrega-
nhos autoritários do presidente e de
suas investidas diárias contra a demo-
cracia, aqueles que permanecem em
cargos de confiança em sua gestão são
cúmplices de seus atos.
A discussão sobre Mansueto foi envie-
sada e serviu de pretexto para fazerem
aflorar velhas antipatias contra o econo-
mista, um dos idealizadores do teto de
gastos. Mas se um assessor do segundo
escalão – que, afinal, pediu demissão –
gerou tamanha celeuma, isso é sinal de
que existe, sim, uma discussão impor-
tante a ser feita sobre quem fica neste
governo apesar de tudo.

O título desta coluna procura direcio-
nar a discussão a quem de direito. No
caso, ao ex-chefe de Mansueto, o minis-
tro da Economia, Paulo Guedes.
O decano dos liberais em atividade
no Brasil, filho da escola de Chicago e
até 2018 um outsider no debate de políti-
ca econômica no Brasil, foi o Cavalo de
Troia que Bolsonaro – um corporativis-
ta praticante de rachadinha e filhotis-
mo político sem a menor noção de
quem tenha sido Adam Smith – usou
para se apresentar como liberal.
Era um dos disfarces que lhe faltava.
Já tinha a fantasia do combatente da cor-
rupção, que também nunca foi, e do re-
novador das práticas políticas, que
Queiroz et caterva mostram que era
mais um delírio coletivo.
No primeiro ano de mandato, Gue-
des viveu a ilusão de que ser liberal bas-
taria, tomando emprestado, depois dos
versões de Drummond, a reflexão de
Gil. A aprovação da reforma da Previ-
dência ajudou a embalar este sonho.
Mas veio a pandemia e, tal qual o José
do poema, Paulo “está sem discurso, es-

tá sem carinho”, porque “a noite es-
friou, o dia não veio, o bonde não veio, o
riso não veio, não veio a utopia, e tudo
acabou, e tudo fugiu, e tudo mofou”.
A utopia do Bolsonaro liberal ruiu na
reunião ministerial, à qual Guedes não
só assistiu calado como para qual contri-
buiu com alguns maus momentos.
O mofo que cobre tudo é o do golpis-

mo barato e da nostalgia da ditadura,
reforçado todos os dias pelo clamor dos
aliados ao uso indevido das Forças Ar-
madas para se contrapor ao Judiciário e
ao fechamento das instituições.
A permanência de Guedes ajuda a legi-
timar um governo que desmorona sem
ministro da Saúde na pandemia, sem
titular da Educação quando alunos es-
tão perdidos em casa, povoado de indi-
cados do Centrão para evitar o impeach-
ment e frequentando cada vez mais as

páginas policiais – não por uma “ra-
chadinha inocente”, como dizem os
passadores de pano compulsivos,
mas por um engenhoso esquema de
lavagem de dinheiro público de gabi-
netes legislativos e ligação comercial
e financeira com a milícia do Rio.
O governo Bolsonaro é a negação
absoluta da “sociedade aberta” de
Karl Popper, o mantra que Guedes se-
gue entoando, alheio ao fato de que
sua agenda foi tragada pela pandemia
e pelo populismo e que, neste momen-
to, quem faz a cabeça do presidente
não é mais o Posto Ipiranga, mas os
ideólogos do golpe.
Para ele e os demais ministros “téc-
nicos” ficar é, sim, chancelar. Está cla-
ro que não virão “notáveis” para fazer
parte dessa gestão que arrasa tudo
que toca. O nível daqui para a frente
será de Mário Frias para baixo.
“Sozinho no escuro, qual bicho do
mato, sem teogonia, sem parede nua
para se encostar, sem cavalo preto
que fuja a galope, você marcha”, Pau-
lo. Paulo, para onde?

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @VERAMAGALHAES
POLITICA.ESTADAO.COM.BR/COLUNAS/VERA-MAGALHAES/

E agora, Paulo?


ENTREVISTA


Breno Pires / BRASÍLIA


O professor David Nemer, da
Universidade de Virgínia, nos
Estados Unidos, tem dedicado
seus estudos ao funcionamen-
to da rede bolsonarista no
WhatsApp. Diferentemente do
Twitter e do Facebook, o apli-
cativo foge do controle social
e virou uma arma do presiden-
te para manter o patamar de
30% nas pesquisas de opinião.
Doutor em antropologia da tec-
nologia, Nemer acompanha,
agora, um processo de “desi-
dratação” e “radicalização” do
grupo de seguidores que está
na mira de um inquérito do Su-
premo Tribunal Federal
(STF). Em entrevista ao Esta-
dão
, ele avalia que essa rede di-
minui e torna-se cada vez mais
radical desde a saída de Sérgio
Moro do governo, a aliança do
Palácio do Planalto com o Cen-
trão e as divergências de movi-
mentos de direita. Ao mesmo
tempo, influencia a agenda
hostil do presidente ao Estado
Democrático. “Hoje o bolsona-
rismo é maior do que a figura
do Bolsonaro”, afirma.


lComo surgiram os grupos pró-
Bolsonaro nas redes?
Eram grupos conservadores


que já existiam e que se uni-
ram em torno de Bolsonaro pe-
lo antipetismo. Bolsonaro no
início não era uma unanimida-
de entre eles, havia dúvidas,
até por ser um nome velho da
política. Se você olhar para o
bolsonarismo, tem pilares anta-
gônicos. Há o liberal, represen-
tado pelo ministro da Econo-
mia, Paulo Guedes, e o militar,
que é nacionalista. São ideias
que se confrontam. Evangéli-
cos querem ter presença forte
e os liberais são contra a pre-
sença da religião no governo.

lO que ocorreu com esses gru-
pos do período pré-eleitoral ao
primeiro ano do governo?
Os grupos implodiram. Com
Bolsonaro eleito, o PT já não é
mais a mesma ameaça. As pes-
soas voltam a priorizar os pila-
res do bolsonarismo que mais
lhe agradam, liberais, milita-
res. Então, os grandes grupos
deram lugar aos temáticos. Há
o armamentista, há o liberal,
há o evangélico. E, depois,
com a saída de pessoas impor-
tantes da campanha, como Joi-
ce Hasselmann, Janaina Pas-
choal e Sérgio Moro, muitas
pessoas deixaram o barco bol-
sonarista. As que ficaram es-
tão firmes com Bolsonaro. An-
tes tinha mais pessoas. Agora
tem menos pessoas indo para
as ruas, mas estas são mais ra-
dicais. O número é menor,
sem diálogo e barulhento.

lComo define o bolsonarismo?
É um movimento sociopolíti-

co sustentado por diversas cor-
rentes de pensamento que não
são necessariamente comple-
mentares e às vezes antagôni-
cos, como o liberalismo econô-
mico, o militarismo, o cristia-
nismo conservador e os pensa-
mentos de Olavo de Carvalho.
O presidente se utiliza dessas
correntes para justificar a mili-
tância para o patriotismo, os
bons costumes, os valores fa-
miliares, a lei e a ordem e a ca-
çada à esquerda. Uma estraté-
gia do bolsonarismo é a cria-
ção do inimigo, onde qualquer
pessoa ou entidade que se opo-
nha a ele é julgada como anti-
nação, anticristão e comunis-
ta. O bolsonarismo também
tem uma agenda hostil ao Esta-
do Democrático.

lA presença do presidente em
atos antidemocráticos é uma in-
fluência desses grupos radicais?

Sim. O Frankenstein cresceu e
agora volta para assombrar.
Hoje o bolsonarismo é maior
do que a figura do Bolsonaro.
O presidente é refém do mons-
tro que criou, que é o bolsona-
rismo. Outro dia, Olavo de Car-
valho disse que, se ele quiser,
derruba o presidente. Isso tam-
bém é fruto do bolsonarismo.
O presidente não controla
mais a ala radical dele que se
alimentou das falas e do pensa-
mento dele.

lEsses apoiadores mostram
obediência ao presidente?
Até que ponto a obediência ce-
ga é ao Bolsonaro ou ao bolso-
narismo? Nos primeiros atos,
por volta de 15 de março, de-
pois de muita crítica, ele pediu
para as pessoas não irem mais
para as ruas (por causa da pan-
demia). Não adiantou, as pes-
soas saíram. Ele viu que não ti-
nha controle. Então, com me-
do de essas pessoas virarem
oposição, o presidente se junta
a um potencial inimigo. Esse é
um exemplo de que o bolsona-
rismo está maior que ele.

lQuando o presidente foi maior
que o Bolsonarismo?
Talvez na aproximação ao Cen-
trão. Talvez na saída do Moro.

Foi interessante porque a saí-
da dele foi rápida, ninguém es-
tava esperando. Foi um baque
forte, mas logo os influenciado-
res superaram. Mas não dá pra
enganar: Bolsonaro continua
sendo a cara do bolsonarismo.

lComo se diferenciam os gru-
pos bolsonaristas do WhatsApp
e do Twitter?
No WhatsApp, você tem a par-
ticipação orgânica e coletiva
de pessoas reais. No Twitter,
por existir forte presença de
contas inautênticas, fica difícil
ter a sensação real da adesão
daquela mensagem. É mais uni-
lateral, e a informação vem de
certos hubs, como (o bloguei-
ro) Allan dos Santos, Leandro
Ruschel e a deputada Carla
Zambelli (PSL-SP).

lO presidente diz que o inquéri-
to das fake news é inconstitucio-
nal. O senhor concorda?
De jeito nenhum. O que esse
inquérito está vendo é o finan-
ciamento ilegal das contas.
Eles estão verificando sobre a
questão das fake news. Se fos-
sem realmente atrás de todo
mundo, a lista seria muito
maior. Por exemplo, ainda não
se vê como alvos integrantes
do chamado “gabinete do

ódio”. Acredito que os moti-
vos que levam à investigação
são concretos. É lógico que
tem de esperar a conclusão e o
julgamento. Mas isso não é
censura. As leis do País ainda
se aplicam na internet. Essa
ideia de que internet é terra de
ninguém, por mais que possa
parecer, não é verdade. Algu-
ma hora a gente tem esse cho-
que de realidade.

lOs grupos bolsonaristas estão
diminuindo?
A diminuição dos grupos de
WhatsApp ocorre de acordo
com as pesquisas de opinião.
Quando se fala que sobraram
25% a 30% de aprovação, é o
mesmo porcentual lá do início
do governo. Não vai dar para
mudar opinião desses eleito-
res. As mudanças para aconte-
cerem nesse grupo devem ser
de longo prazo. O bolsonaris-
mo vai permanecer por muito
tempo além da figura do Bolso-
naro, mesmo que, nas próxi-
mas eleições, algum candidato
de esquerda ou de centro ga-
nhe. Haverá reações radicais.
Estudar e compreender o bol-
sonarismo não é coisa de mo-
mento, é algo que já vem sen-
do construído por um tempo e
que vai ficar por muito tempo.

lÉ possível fazer um paralelo
entre apoiadores de Bolsonaro e
de Donald Trump nas redes?
Há uma espécie de ciclo da di-
reita avançando nesse aspecto
da desinformação por meio
das redes sociais. Com o aque-
cer das eleições dos EUA, es-
tou fazendo pesquisa principal-
mente em grupos de Tele-
gram. Ainda está muito no iní-
cio para eu ter algum tipo de
achado forte, mas é bem pare-
cido com o que aconteceu no
Brasil em 2018 no WhatsApp,
que por sua vez se baseou mui-
to no que foi o Trump de 2016
no Facebook. De certa forma,
a direita amplifica o que foi fei-
to no outro país no passado re-
cente. WhatsApp e Telegram
nunca foram populares nos
EUA, mas estão ficando agora.
A expectativa é que fiquem ain-
da mais durante as eleições,
pois as campanhas já entende-
ram o poder da persuasão que
esses aplicativos promovem,
principalmente, no que tange
à distribuição de fake news.

Saída de Mansuetto abre
debate sobre legitimar
governo Bolsonaro

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l Refém

DAN ADDISON/UNIVERSIDADE DA VIRGÍNIA - 3/9/

“O Frankenstein cresceu e
agora volta para assombrar.
Hoje o bolsonarismo é
maior do que a figura do
Bolsonaro. O presidente é
refém do monstro que
criou, o bolsonarismo.”

STF. Para pesquisador, inquérito sobre fake news não pode ser confundido com censura

‘Bolsonaro


não controla


apoiadores


mais radicais’


Professor vê presidente


como ‘refém do monstro’


que ele próprio criou: o
bolsonarismo, que junta


até correntes antagônicas


David Nemer, professor da Universidade de Virgínia

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