O Estado de São Paulo (2020-06-22)

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A8 SEGUNDA-FEIRA, 22 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Renata Cafardo


Previsões do governo de São
Paulo indicam que as três uni-
versidades públicas paulis-
tas perderão pelo menos R$
1,2 bilhão este ano por causa
da pandemia de coronavírus,
o que representa 11% a me-
nos no orçamento. Já no mês
passado, os recursos recebi-
dos do Estado pelas Universi-
dade de São Paulo (USP), Uni-
versidade Estadual de Cam-
pinas (Unicamp) e Universi-
dade Estadual Paulista (U-
nesp) não foram suficientes
nem sequer para pagar seus
professores e funcionários.
Elas passaram a usar seus
parcos fundos de reserva.

As instituições são financia-
das por 9,57% do ICMS no Esta-
do. Como as pessoas estão
comprando pouco, a arrecada-
ção diminuiu e as universida-
des temem entrar em mais
uma grave crise financeira –
justamente quando tinham
acabado de equilibrar as con-
tas. Os reitores de USP, Unesp
e Unicamp pedem mais recur-
sos ao governo de João Doria,
mas o Estadão apurou que ain-
da não há previsão de qualquer
ajuda às universidades.
As três juntas têm 180 mil alu-
nos e estão entre as mais impor-
tantes universidades do País. Du-
rante a pandemia, conseguiram
manter 90% das aulas teóricas
online e deram incentivo aos pes-
quisadores para abrir seus labo-
ratórios para trabalhos relacio-
nados à covid-19. Foram cientis-
tas da USP que sequenciaram o
genoma dos dois primeiros ca-
sos de coronavírus no Brasil em
tempo recorde, por exemplo.
Com seus orçamentos ainda
sustentam hospitais universitá-
rios, que têm atendido pacien-
tes de coronavírus. O caso da
Unicamp é o mais preocupante
porque ela mantém cinco hospi-
tais, um deles de referência, que
atende 6,5 milhões de pessoas
na região de Campinas. Os re-
cursos do SUS representam só
30% dos custos, segundo a reito-
ria. Assim como no Hospital
Universitário da USP (HU), os
funcionários estão na folha de
pagamento da instituição, além
de materiais, infraestrutura.
“A situação está muito crítica,
as contas não fecham”, diz o rei-
tor da Unicamp, Marcelo Kno-
bel. O Estado pediu que as uni-
versidades enxugassem suas
despesas durante a pandemia e,
assim, foram suspensos concur-
sos para contratação – até os
que já estavam em andamento.
A Unesp, que não contratava
profissionais desde 2014 por-
que enfrentou uma grave crise
financeira nos últimos anos, ti-
nha finalmente previsto recur-
sos este ano para chamar 100
novos professores e 70 funcio-
nários técnico-administrati-
vos. Eles iriam para cursos de
Educação Física, Odontologia e


Microbiologia, entre outros. Tu-
do foi suspenso.
“Isso afeta muito. O governo
do Estado está falando muito
em valorização da ciência, seria
interessante manter o reconhe-
cimento às universidades”, diz
o reitor da Unesp, Sandro Valen-
tini, sobre a possibilidade de re-
cursos extras. As universidades
pedem ao Estado uma fatia dos
R$ 6 bilhões que foram destina-
dos pelo governo federal para o
enfrentamento ao coronavírus
e que podem ser usados para
compensar perdas. Outro R$ 1
bilhão precisa ir para ações de
saúde e assistência social.

Além das contratações, foram
suspensos pagamentos de vale-
transporte e adiados os recolhi-
mentos de FGTS e investimen-
tos em obras civis. As institui-
ções fizeram ainda reestrutura-
ção de contratos de serviços ter-
ceirizados e economia em limpe-
za e eletricidade. As três univer-
sidades juntas conseguiram re-
duzir cerca de R$ 300 milhões.
Para se ter uma ideia da situa-
ção atual, em maio, o repasse do
governo para a USP foi de R$
328 milhões, mas a folha de pa-
gamento é de cerca de R$ 400
milhões. São 5 mil docentes e 13
mil funcionários. Isso significa

um comprometimento de 122%
do orçamento com pessoal. Na
Unicamp, foi de 125% e na
Unesp, de 118%.
Elas precisaram usar seus fun-
dos de reserva, que hoje têm R$
220 milhões (Unesp), R$ 400
milhões (Unicamp) e R$ 700
milhões (USP). Mas, pela despe-
sa que as universidades têm
com salários, esses valores não
duram mais que dois meses.

Pesquisas. As três instituições
enfrentaram a maior crise finan-
ceira da história há cerca de três
anos. A USP fez um inédito pla-
no de demissão voluntária, algo

impensável há pouco tempo. A
Unesp deixou até de pagar o 13.º
dos professores. Depois de di-
versos planos de redução de cus-
tos, elas conseguiram se reer-
guer e puderam voltar a inves-
tir. Em janeiro deste ano, o com-
prometimento do orçamento
com folha de pagamento estava
em 75%, considerado muito po-
sitivo. E aí veio a pandemia.
“A nossa área administrativa
está a todo tempo estudando ce-
nários, que mudam muito. Nos-
sa preocupação é que vamos vi-
ver uma crise econômica e não
estamos conseguindo lidar
com ela como País”, diz o reitor

da USP, Vahan Agopyan.
Além das despesas com pes-
soal e manutenção da universi-
dade, ele se preocupa com a
queda do investimento em pes-
quisas, que vem da indústria e
de agências de fomento, e na
USP chega a R$ 1,5 bilhão. “Já
temos visto agências interna-
cionais reduzirem investimen-
to por precaução. Os valores
podem diminuir drasticamen-
te”, diz. “Aí a universidade dei-
xa de fazer a sua função funda-
mental, que é pesquisa, o que
forma profissionais que pos-
sam vencer desafios.” /
COLABOROU BRUNO RIBEIRO

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lO governo do Estado de São
Paulo informou, por meio de
nota, que “acompanha o com-
portamento da arrecadação pú-
blica com extremo rigor para
avaliação das demandas seto-
riais de acordo com a capacida-
de orçamentária futura.” O orça-
mento que estava previsto para
as universidades antes da pan-
demia era de R$ 10 bilhões. A
previsão agora é que a USP per-
ca R$ 632 milhões, a Unesp, R$
296 milhões e a Unicamp, R$
277 milhões.
Os reitores das universidades
estaduais paulistas têm tido reu-
niões com representantes do go-
verno, entre eles o vice-governa-
dor, Rodrigo Garcia, e a secretá-

ria de Desenvolvimento Econômi-
co, Patricia Ellen.
No fim de maio, o governador
João Doria (PSDB) criou uma no-
va secretaria, a de Orçamento,
Gestão e Projetos do Estado,
com Mauro Ricardo Costa como
titular, que agora também entrou
nas conversas com as universida-
des. Costa esteva recentemente
na Prefeitura, já foi do governo
de José Serra e ainda de Beto
Richa, no Paraná, onde fez um
polêmico ajuste fiscal.
O Estadão apurou com técni-
cos do governo que não há pla-
nos traçados para repasses ex-
tras para as universidades diante
da falta de recurso. A previsão de
perda de arrecadação este ano
está estimada em cerca de R$ 20
bilhões. A ajuda do governo fede-
ral para enfrentamento ao coro-
navírus para São Paulo será de
R$ 7,69 bilhões, repassados em
quatro parcelas. / R.C. e B.R

Pandemia faz USP, Unesp e Unicamp


perderem ao menos R$ 1,2 bilhão


Em maio, recursos já foram insuficientes para pagar salários de professores e funcionários, e as instituições tiveram de usar fundo de


reserva. Universidades estão na linha de frente do coronavírus: seus hospitais atendem doentes e seus cientistas pesquisam o vírus


A pandemia de coronavírus fez
a Universidade Harvard, uma
das mais prestigiadas do mun-
do, projetar uma redução de re-
ceita de US$ 750 milhões para o
próximo ano letivo. Nos Esta-
dos Unidos, ele começa no se-
gundo semestre.
A instituição já iniciou uma
série de medidas para economi-
zar dinheiro, como congela-


mento de salários e contrata-
ções, cancelamento de projetos
e possibilidade de demissões e
licenças.
Além disso, a instituição en-
frenta uma polêmica com rela-
ção ao uso de seu endowment,
um fundo perpétuo alimentado
por doações em que apenas os
rendimentos auferidos são re-
vertidos para projetos. Estudan-

tes têm feito campanhas para
que o dinheiro – estima-se que
haja US$ 40 bilhões no fundo –
seja usado para ajudar funcioná-
rios em má condições financei-
ras e que não podem trabalhar
por causa da pandemia.
Em resposta à campanha “
Billion for What” (US$ 40 bi-
lhões para quê, em português),
a universidade afirmou que o

rendimento do fundo tem caí-
do “substancialmente” por cau-
sa da crise e a instabilidade da
bolsa de valores. E que há di-
nheiro cujos doadores determi-
naram um uso específico, como
bolsas para alunos ou professo-
res e programas de pesquisa.
A campanha também pede
que estudantes que não tenham
o plano de saúde de Harvard se-

jam incluídos sem ter que pagar
nenhuma multa. O presidente
da universidade, Lawrence Ba-
cow, chegou a escrever uma car-
ta dizendo que cada geração de-
ve fazer sacrifícios para garantir
que o endowment possa ajudar
futuros alunos, professores e
funcionários.
Outras universidades tam-
bém têm sido questionadas so-

bre o uso de seus fundos de en-
dowment durante a crise, como
Princeton, que tem US$ 26 bi-
lhões, e Michigan, com US$ 12,
bilhões. Para muitos, as univer-
sidades mais ricas dos EUA de-
veriam usar pelo menos pelo
parte de suas reservas para aju-
dar estudantes e funcionários.
“As pessoas entendem erronea-
mente que o endowment é um
fundo para ‘dias de chuva’ ou
tempos difíceis”, argumentou o
presidente de Princeton, Chris-
topher Eisgruber. / R.C

Escolas e pais criam estratégias para manter crianças focadas. Pág. A09 }


Governo diz que


avalia demandas


de diversos setores


% USADO PARA PAGAR SALÁRIOS

74,5% 88,4%82,5%

97,8%118,3%
75,1% 94,0% 90,7%

104,4%

125,7%

75,5% 85,7% 84,6%

98,8%

122,3%

● Quantidade de dinheiro que governo repassa às instituições caiu, aumentando
comprometimento da folha de pagamento

COMO O CORONAVÍRUS AFETOU AS UNIVERSIDADES

FONTE: CRUESP INFOGRÁFICO/ESTADÃO

UNESP UNICAMP USP

EM MILHÕES DE REAIS

JAN FEV MAR ABR MAI

Repasses do governo

100

200

300

400

500

600

153,

JAN FEV MAR ABR MAI

100

200

300

400

500

600

143,

JAN FEV MAR ABR MAI

100

200

300

400

500

600

328,

TABA BENEDICTO/ESTADÃO–11/3/

Desafios. Para superar a crise financeira dos últimos anos, a USP fez um plano inédito de demissão voluntária; agora, enfrenta queda no valor do repasse

Metrópole


Harvard deve ter redução de US$ 750 milhões em receita

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