JornalValor--- Página 17 da edição"23/06/2020 1a CAD A" ---- Impressapor ccassiano às 22/06/2020@20:18:
Terça-feira,23dejunhode 2020 | Valor|A
As Grandes Incertezas
Pandemiaexpôsvulnerabilidadedecadeiasconcentradasdealimentos.PorRanaForoohar
“O homemdo
campotinha
medode receber
alguémdo Ibama
e do ICMBio. Isso
praticamente não
existe mais”.
DopresidenteBolsonaro, para
quemo Brasilé o país quemais
preserva a natureza e quesua
imagemé ruim por‘desinformação’
ArmandoCastelar
Pinheiro
Como presidente
perdendopopularidade,
quãodisposto estarápara
reduzirdespesas públicas
e aumentarimpostos?
E
mumasemana,osegun-
do trimestre de 2020
chegará ao fim,encer-
randoa“recessão do co-
ronavírus”. De fato, o piormo-
mento da recessãojá ficoupara
trás, com aatividadeeconômica
tendomelhorado em maioeju-
nho.Aprevisãoéque esse pro-
cessoganheforçadaqui paraa
frente,com umaforterecupera-
ção no período julho-setembro,
seguidade altas maismodestas
nostrimestresseguintes.
Qualitativamente, há bastante
concordância sobre essecenário,
ainda que com divergênciasquan-
titativas. A estimativa mediana de
mercado, computadapelo Bole-
tim Focus do BancoCentral, éque
o PIBtenha contraído12,2% no se-
gundotrimestre,emtermosdessa-
zonalizados, na comparação com
o períodojaneiro-março, eque no
terceirotrimestreoPIBcresça6,5%,
com altasmais modestas nos tri-
mestresseguintes.
Pessoalmente, acredito em
umaquedamaismoderadano
segundo trimestre,na faixade
10%, e umarecuperaçãomais
contida no restoano, com o PIB
fechando 2020com retraçãode
5,5%,melhorque os 6,5% de que-
da que projetaoanalistamedia-
no do mercado.Concordocom
este,porém,em que provavel-
menteapenas em 2024,ou de-
pois, veremoso PIB brasileiro
voltaraonívelde2014.
Há, todavia, analistas mais oti-
mistas, que acreditam em uma
normalizaçãomaisrápidadaativi-
dade,uma retomadaem “V”, con-
forme se “re liga” a economia. Tam-
bém há quemacredite que o cres-
cimento do PIB pode acelerar a re-
boquedos fortes estímulos,fiscais
e monetários, adotados desde
março pelos governosde diversos
países.Defato,oambienteexterno
é favorável, com a alta liquidez re-
sultante da emissão de trilhões de
dólares pelosbancoscentrais au-
mentandoo apetitepelo risco e
permitindo alguma recuperação
do preçode ativos em mercados
emergentes. Em maio,isso ajudou
oBrasilaregistrar umsaldopositi-
vo de US$ 3,1 bilhões no câmbio
contratado, depois de acumular
um déficit de US$ 60,3 bilhõesnos
12mesesanteriores.
Há grandeconcordância,tam-
bém,em que a elevadíssimaincer-
teza econômica que se observa ho-
je no Brasilserá um trava à retoma-
dadocrescimento,aodesencorajar
o investimento e, em menorescala,
oconsumodasfamílias.Paradoxal-
mente, porém, toda essa incerteza
não tem motivadouma discussão
maisintensade cenáriosalternati-
vosparaospróximosanos.
Em momentos comoestes éin-
teressante lembrar das lições da
EconomiaComportamental,que
mostramque oser humano tende
a subestimar aincerteza, em linha
com os argumentos de Nassim Ta-
leb, que deve estar feliz comoren-
dimentode 3.612%obtidos em
marçopassadopelofundoUniver-
sa Investments, do qual é consul-
tor, apostando em riscos extremos
Nesse sentido, tenho me per-
guntadose ocenário que traça-
mosparaopaís érealista. Não
porque ele seja inconsistente com
ateoriaeconômica ou que haja
erro nas planilhas de Excel. Mas
em relaçãoa se conseguimos se-
guiressa trajetória sem “combi-
nar antes com os russos”.A meu
ver, há pelomenos dois riscos
fundamentais, o social e o fiscal,
que são interligados pela política.
Com aquedado PIB,oemprego
tambémcaiu e vai cair mais, e com
força.Inclusive por acrise ter afeta-
dodesproporcionalmenteosservi-
çoseaconstrução,que,excluindoa
administração pública, responde-
ram em 2019por 61% das ocupa-
ções no Brasil. A crisetambém im-
pactou maisas micro, pequenas e
médias empresas,que empregam
maisetêmmaisdificuldadeemso-
breviver,pela faltade reservase
acesso ao crédito. Nessequadro, as
projeções apontampara uma taxa
de desocupaçãono final do ano na
faixade 18% a 20%. Ou seja, 5 a 6
pontospercentuais(pp) acima do
recordede13,7%registradonopri-
meirotrimestrede2017.Adesocu-
paçãosubiriacom rapidez, mas a
quedaseria lenta,ao ritmode 1 pp
aoano,oumenos.
Seráissoviável?Serásustentável
tantagenteficarsemtrabalharpor
tantotempo?Omais provável, na
minhavisão,éq ue não, que haja
umaexplosãono númerode tra-
balhadores informais, em ativida-
des legais, ou não. Issolevará aum
esgarçamento do tecido social, di-
ficultará o controleda pandemiae
pressionará o governoamanter
A
s“Big Food” cami-
nham rapidamente
para superar as “Big
Tech” comoas empre-
sas maispolitizadas do mundo.
Pouca coisaémais essencialpara
avida do que aprodução agríco-
la. Mas a segurançados alimen-
tos éum termoque até recente-
mente era usadoapenasem paí-
sesemdesenvolvimento.
Agora, a pandemia do corona-
vírus expôs a vulnerabilidade das
cadeias de fornecimento de ali-
mentos altamente concentradas.
Nos Estados Unidos, isso vem le-
vando apedidos de ações anti-
truste.Um juiz federaldisparou
umgrandetirodealertanasema-
napassada,emitindoaoex-presi-
dente executivo da BumbleBee
Foodumararasentençadeprisão
por sua participação numa cons-
piração antitruste para estabele-
cerospreçosdoatumenlatado.
ODepartamentodeJustiçatam-
bém está investigando a Tyson Fo-
ods, Cargill, National Beef e JBS. A
indústria da carne,um focona
propagaçãodacovid-19,nãosente
umapertodessesdesdequeUpton
Sinclairescreveu“TheJungle”.
Os alimentostambémse tor-
naram um ponto central nas
preocupaçõescom a desvincula-
ção EUA-Chinaeadesglobaliza-
ção maisampladas cadeiasde
fornecimento. Recentemente a
Chinaameaçouboicotaro sal-
mão importadodepoisde alega-
çõesdequeelepoderiaestarliga-
doanovoscasosdacovid-19.
Países europeus comoaItália e
Françaestão duplicando as pro-
teções aos produtores locais. Nos
EUA,háapelosdeapoioàagricul-
tura localeaos pequenosprodu-
tores rurais, não só por razões de
saúde e segurança nacional, mas
tambémporrazõeseconômicas.
Isso reflete umamudançade
focomotivadapela crise, da efi-
ciência paraa resiliência. A agri-
culturatornou-se incrivelmente
eficiente. Os produtores rurais
americanos quase triplicaram
sua produção por hectare nos úl-
timos 70 anos.Mas isso aconte-
ceu com umatremendaconsoli-
dação na maior parte das áreas
do setor, de modo que um pu-
nhadodeempresasagoracontro-
latudoquevaidoprocessamento
decarneàproduçãodegrãos.
Há também duas cadeias de for-
necimento totalmente separadas
—uma apoiandoos supermerca-
dos eaoutra, restauranteseinsti-
tuições comoescolas e hospitais.
Quando ademanda na segunda
cadeiadefornecimentoentrouem
colapso graças aos fechamentos
relacionadosà pandemia, os pre-
vários dos programas“temporá-
rios”adotadoseste ano,comoo
Benefício Emergencial de Manu-
tençãodo Emprego eda Rendae,
especialmente, o Auxílio Financei-
roEmergencial.
Dadoesse quadro, é difícil acre-
ditar na projeção do mercado de
que odéficit público primário, de-
poisdeatingir10%doPIBesteano,
caia para2,3%do PIB em 2021 e
1,5%doPIBem2022.Mesmonesse
cenário,otimista, ameu ver, adívi-
da pública bruta,depois de supe-
rar90% do PIB este ano, continua-
ria asubir nos anosseguintes. Até
que valor dessadívida os investi-
dores estarão dispostos a conti-
nuar financiando ogoverno? Com
opresidente perdendopopulari-
dade, quão disposto ele estará pa-
ra reduzir as despesaspúblicas e
aumentaratributação?
ComodisseGrouchoMarx,é
difícil fazerprevisões,especial-
mente sobre o futuro.Porém,
coma incerteza tão alta,como
mostramnossosindicadores,é
horade considerar seriamentea
possibilidadede diferentes futu-
ros à nossafrente.E mobilizar
energiasparaevitarospiores.
ArmandoCastelarPinheiroé
Coordenadorde EconomiaAplicadado
Ibre/FGV, professorda Direito-Rio/FGV e
do IE/UFRJ e escreve quinzenalmente
neste espaço.Twitter: @Acastelar.
ços dos produtos de supermerca-
do na primeira cadeia de forneci-
mentoaumentaramem razãoda
demandamaior, mesmocom pro-
dutoresrurais destruindosafras
que não puderamser facilmente
canalizadas dos restaurantes para
os pontos de vendano varejo. Esse
é o lado negativo da eficiência e da
especialização.
A eficiênciatambémé respon-
sável pela “iceberglettuce”(alfa-
ce redonda,maisconhecidaco-
mo alfaceamericana),umadas
maisonipresentes(e insossas)
verdurasjá criadas.Não consigo
acreditar que alguém queira
realmentecomerisso,excetopa-
ra cavoucarqueijoazul em uma
saladaem que ela servede base.
Maselatemsidoumagrandecul-
turacomercialna América na
maiorparte dos últimos50 anos
porque suportabem o transpor-
te esobrevivepor mesesem ca-
deiasde fornecimento longas.
Mesmoassimaalfaceamericana
é em sua maiorparte,água,pos-
suindopoucosnutrientes.
Isso realçaofatode que embora
a produtividadetenhaaumenta-
do, os produtores rurais america-
nos são encorajados acultivar os
produtos agrícolas de base (com-
modity crops) em vez das frutase
vegetaisnecessários paraopaíster
uma dieta saudável —do tipo que
proporciona uma imunidade
maiorcontra doenças como a co-
vid-19. Em vez disso, os america-
nos desperdiçam combustível
transportandoitens como aalface
redondaportodoopaís.
É por causadessetipo de agri-
cultura industrial sem sentido que
aUnião Europeiavem promoven-
do uma “estratégiada fazenda ao
garfo” que buscatornar a agricul-
tura maissustentável eproteger
um grupodiversificado de produ-
tores. Antes da pandemia, os De-
mocratas nos EUAcomeçaram a
reclamar das “Big Food”, em parte
comouma maneira para atrair vo-
tos nosestados indecisosdo Cen-
tro-Oeste, ondemuitos pequenos
produtores rurais quebraram.
Mas, diante da covid-19, a resiliên-
ciaealocalizaçãodaagriculturase
tornaumaquestãobipartidária.
A questão écomo torná-la
acessível.Os produtores meno-
res, que fornecemprodutosde
primeira aos restaurantes chi-
quesdas grandes cidades,sofre-
ram um grande golpecom o fe-
chamento da economia.Eles são
tambémemgrandepartepeque-
nasempresas,comosabemtodas
as pessoasque já compraram
uma conchade alfaceamericana
comqueijoem um passeiode
fimdesemananointerior.
A maiorparte das frutas evege-
tais da América vem de lugares co-
mo a Califórnia e a Flórida, ondeé
muito maisfácilcultivá-las o ano
todo. Aincapacidade do resto do
país de atender ademanda no in-
verno é um grande motivo de as
importações de alimentos terem
crescido muito nos últimos anos.
Basicamente, precisamos encon-
trar um meio-termoentre aagri-
culturadoséculoXIXeaagricultu-
ra industrial moderna —entre a
eficiênciaearesiliência.
É aí que um novogrupode
startups agrícolas high-tech po-
derá ajudar. Conversei recente-
mente com umadelas, chamada
Plenty, fundadapela terceira ge-
raçãodeumagricultordeIllinois,
comrecursosdoSoftBank,naque
poderá ser uma das melhores
apostasdogrupojaponês.Acom-
panhia constrói fazendasinter-
nasem“desertosdealimentos”.
As fazendascultivamfrutase
vegetais em paredes gigantes
que podemser colocadas em
qualquerlugar,desdequeaágua
e a eletricidadesejamcontrola-
das pela tecnologia. Isso permite
que famíliasde zonasurbanas
comoComptonou Oakland,na
Califórnia, tenhamacessoa pro-
dutosfrescos.Ao contrárioda
maioriados trabalhadores agrí-
colas,os funcionáriosda Plenty
são principalmentetécnicosca-
pacitados.
Segundoseu presidenteexe-
cutivo, MattBarnard,a compa-
nhiausa 99% menosterrae 99%
menoságuaparacultivarcultu-
ras livresde pesticidase não mo-
dificadasgeneticamente.Os re-
sultadossão parecidoscom o
quedemelhorumconsumidor
podeencontrarem mercadosde
produtoreslocais.“Nossas ven-
das triplicaram desde aco-
vid-19”, disse-meele. “A pande-
mia realmentemudouadiscus-
sãosobreondeecomoaspessoas
conseguemseusalimentos”.
Alimentosmelhores,empre-
gos maisbem pagos,menoscon-
centração—este éotipo de pro-
vincianismode que precisamos.
(Traduçãode MarioZamarian)
RanaForooharé editora especialdo
FinancialTimes em Nova York.
Cartasde
Leitores
O problema com as “Big Food”
Frase do dia
Weintraub
OBancoMundialrealizaativida-
desdeassistênciaadiversospaí-
ses,nocombateàcorrupção,de-
senvolvimentodeinstituiçõesju-
rídicas,projetosindustriais,trans-
portes,urbanização,energia,de-
senvolvimentorural,educação,
saúde,entreoutros.Osmembros
doconselhodobanco,bemcomo
seusadvogadosconhecemopas-
sadorecentedoeconomista
AbrahamBragançadeVasconcel-
losWeintraubnogovernodopre-
sidenteBolsonaro.
É de conhecimento público
que a exoneraçãode Weintraub
só foi publicada no DiárioOfi-
cial apósa sua saídado Brasil.A
imprensa divulgouamplamente
a fraseque o ex-ministrodisse
na reuniãode 22 de abril:“Bota-
va essesvagabundosna cadeia,
começandono STF”. É difícil
acreditarque Weintraubserá
bem recebidonessasériainsti-
tuiçãoe ocupealgumcargoque
tenhacomorequisitosa digni-
dade, a honradez,a lisurae a
respeitabilidade.
JoséCarlosSaraiva daCosta
●
LiqueoministrodaEducação,
AbrahamWeintraubviajoupara
osEUAusandoseupassaportedi-
plomático.Defato,essepassapor-
teabreportas,masnãoésobreis-
soquequerofalar,esimsobreum
governoqueprometeufazerdife-
rentedetudoquevivemosnesses
últimos20anos.Infelizmente,sua
atitudeémaisdomesmo.Saída
peloaeroporto. Pobredequem
nãotemessasmesmasbenessese
aindatemdepagaraconta.Quan-
dovamosmudaressepaís?
IzabelAvallone
●
SeaindicaçãodoinútilAbraham
Weintraubparaumadiretoriado
BancoMundial,jáéumavergo-
nhaparaoBrasil,oquedizeren-
tãodatramaardilosapromovida
porJairBolsonaro,sóparaprote-
gerdeumapossívelprisãoseu
ex-ministrodaEducação?
Ora,tudobemestudadopor-
quecomoministro,eaindacom
aimunidadequeocargolhe
confere,pôdeviajar,semuma
possívelordemdeprisão,oude
passaporteapreendido.Talqual,
aDilma,arquitetouparalivraro
ex-presidenteLuladeumapossí-
velprisão,eparalhedarimuni-
dade,onomeoucomoministro
deseugoverno.Quedecadência
adeBolsonaro,quandosegueos
passosdoPT.
PauloPanossian
Queiroz
Aimpressionantesucessãode
comportamentosinadequados
doatualgovernofederal,emple-
nomomentodessapandemiada
covid-19,éassustadora.Adesco-
bertadoesconderijodafigura
dopersonagemQueiroz,preso
emumimóveldoadvogadoda
famíliapresidencial,podeacele-
rardecisõesjudiciais,quedeter-
minarãoofuturodagestãopú-
blicaentrenós.
JosédeAnchietaNobre deAlmeida
Paíseseuropeus comoa
ItáliaeFrançaestão
duplicandoas proteções
aos produtores locais.
Nos EUA, há apelosde
apoioà agricultura local
e aos pequenos
produtores rurais, não
só por razõesde saúdee
segurançanacional,
mastambémpor razões
econômicas
Opinião