O Estado de São Paulo (2020-06-23)

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A10 Política TERÇA-FEIRA, 23 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ELIANE


CANTANHÊDE


N


esse oceano de pessoas e fa-
tos inacreditáveis, desta-
cam-se as barbeiragens da fa-
mília Bolsonaro ao tratar do amigão
Fabrício Queiroz e de todas as ques-
tões nebulosas, e sob investigação
do Ministério Público, que envol-
vem o agora senador Flávio Bolsona-
ro e resvalam perigosamente para o
próprio presidente Jair Bolsonaro.
Tudo começa com a rachadinha
operada por Queiroz no gabinete de
Flávio na Assembleia Legislativa do
Rio, chega a funcionários fantasmas
ali e também no gabinete de Jair na
Câmara em Brasília, evolui para sus-

peita de lavagem de dinheiro e traz à
tona as ligações de Jair, Flávio e Quei-
roz com um líder da milícia fluminen-
se, o capitão Adriano, morto pela polí-
cia. Engrossa esse novelo Frederick
Wassef, falastrão, exibicionista e lon-
ge de ser um criminalista com dimen-
são para representar um senador,
quanto mais o presidente.
Não bastasse a barbeiragem de abrir
as portas dos palácios da Alvorada e do
Planalto a Wassef, que tal permitir (ou
pedir?) que ele escondesse Queiroz na
sua casa de Atibaia? Não foi Queiroz
que se meteu lá. Logo, meteram o Quei-
roz justamente na casa do advogado

do presidente da República e do seu
filho senador. Equivale a jogar Quei-
roz definitivamente no colo de Bolso-
naro e Flávio. Coisa de gênio.
A barbeiragem seguinte vem com as
reações de ambos. Numa live para ten-
tar dizer que não tem nada com Quei-
roz, Jair põe-se a defendê-lo. A prisão
foi “espetaculosa”, o amigo não estava
foragido e não havia mandado de pri-
são contra ele, mas “pareciam estar
prendendo o maior bandido do mun-
do”. Bolsonaro está solidário com o

amigo que quebrava os maiores galhos
do filho? Ou não pode atirá-lo às feras
porque Queiroz tem muito revelar?
Segundo depoimentos, Queiroz che-
gou chorando e muito abalado à prisão
no Rio, o que é uma péssima notícia pa-
ra Jair e Flávio Bolsonaro. Nada pior do

que um potencial homem bomba impre-
visível e desestruturado emocional-
mente, inclusive porque sua mulher,
Márcia, fugiu e pode entrar para a lista
de procurados da Interpol. Aliás, ela pró-
pria tem muito o que contar, se contar.
Outra barbeiragem é o advogado de
Queiroz. Nada contra ele, mas contra a
simbologia. Paulo Emílio Catta Preta
era advogado do miliciano Adriano.
Aprofundar os elos entre Queiroz,
Adriano, Flávio e Jair Bolsonaro? De-
pois de Flávio condecorar o líder da
milícia, Jair elogiá-lo publicamente e a
família empregar a mãe e a mulher dele
em seus gabinetes?
A primeira família tem de se preocu-
par também com Wassef, que está em
evidência – e adorando. Se usufruía da
intimidade dos Bolsonaro a ponto de
abrigar Queiroz em casa, ele sabe de
muita coisa. E não tem cara de guardar
segredos, nem de dar a vida por al-
guém. Daí porque enxotaram Wassef
dos casos de Flávio, mas o senador fez
rasgados elogios ao enxotado em redes

sociais: “A lealdade e competência
do advogado Frederick Wassef são
ímpares e insubstituíveis”. A cobran-
ça de “lealdade” e o adjetivo “insubs-
tituível” para quem está sendo subs-
tituído têm um sinônimo: medo.
E aí vem a última barbeiragem - até
agora. O substituto do insubstituível
Wassef é respeitável, mas foi advoga-
do de Sérgio Cabral e de militares acu-
sados de “excessos” na ditadura. Ca-
bral é um dos maiores símbolos de
corrupção. E a sensação de que gene-
rais sugeriram advogado para o caso
Flávio-Queiroz vai na contramão do
desejável: que eles fiquem (ficas-
sem) a léguas dessa lambança toda.
É hora de todos desconfiarem de
todos e de todos quererem se livrar
de todos – presidente, Flávio, milita-
res, Queiroz, Márcia, Wassef, advo-
gados, a mãe e a mulher de Adriano
-, mas quanto mais barbeiragens
vão fazendo, mais eles se embolam
perigosamente. O clima é de medo.
E isso tudo ainda vai muito longe.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @ECANTANHEDE
ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E
SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

De erro em erro, Bolsonaros
embolam Queiroz, Adriano,
Wassef e demonstram medo

Novo advogado de Flávio Bol-
sonaro, filho do presidente
Jair Bolsonaro, Rodrigo Henri-
que Roca Pires tem mais de 20
anos de carreira e já atuou pa-
ra militares acusados de tortu-
ra e assassinatos na ditadura.
Até 2018, ele defendeu o ex-go-
vernador do Rio Sérgio Cabral
(MDB), condenado a mais de
280 anos de prisão na Opera-
ção Lava Jato.
Roca assume o posto no lu-
gar de Frederick Wassef, que
deixou a defesa do parlamen-
tar no caso que apura suposto
esquema de “rachadinha” na
Assembleia Legislativa do Rio
(Alerj). A troca ocorre após a
prisão do ex-assessor de Flá-
vio, Fabrício Queiroz, na casa
de Wassef em Atibaia (SP). Se-
gundo a assessoria de Flávio,
Roca passará a defender o fi-
lho do presidente com a advo-
gada Luciana Pires, que já re-
presentava o parlamentar.
Nascido em Niterói há 49
anos, Roca foi advogado de Ca-
bral até o momento em que o
ex-governador decidiu fazer
delação premiada, contrarian-
do sua estratégia de defesa. O
ex-governador está desde 2016
no Complexo Penitenciário de
Gericinó, em Bangu.
Roca também atuou em ca-
sos de militares acusados por
crimes durante a ditadura mili-
tar. Ele defendeu o general re-
formado José Antônio Noguei-
ra Belham, os coronéis refor-
mados Rubens Paim Sampaio
e Raymundo Ronaldo Campos,
e os ex-sargentos Jurandyr e


Jacy Ochsendorf, todos denun-
ciados pelo Ministério Público
Federal (MPF) por participa-
ção no homicídio ex-deputado
Rubens Paiva.
Roca também atuou como
advogado dos acusados de pla-
nejar o frustrado atentado ao
Riocentro, em maio de 1981,
entre eles o coronel reforma-
do Wilson Machado, sobrevi-

vente da explosão acidental no
carro que levava as bombas.
O advogado também defen-
deu o ex-soldado da PM do Rio
Paulo Roberto Alvarenga, prin-
cipal denunciado pela chacina
de Vigário Geral, matança de
21 moradores ocorrida em
agosto de 1993. A defesa conse-
guiu, no Supremo Tribunal Fe-
deral (STF), anular o julgamen-
to e reduzir a pena inicial, de
449 anos de prisão.

Lula. Em entrevista ao jornalis-
ta Luiz Maklouf Carvalho pu-
blicada pelo Estadão em 2017,
o advogado confirma que vo-
tou no ex-presidente Luiz Iná-
cio Lula da Silva nas eleições
de 1989. “Me arrependi mui-
to”, disse à época, omitindo
suas preferências nas eleições
posteriores e se definindo co-
mo “um democrata de centro,
contra qualquer ditadura e con-
tra a tortura.” Formado pela
Universidade Cândido Men-
des em 1996, Roca é leitor de
Aristóteles a Olavo de Carva-
lho, o guru do bolsonarismo.
Na entrevista a Maklouf se dis-
se afeito a línguas clássicas e
afirmou estudar alemão, grego
e latim – com um padre.

PERFIL


Defensor de


Queiroz atua


para ex de Wassef


Medo e barbeiragem


INVESTIGAÇÃO NO RIO


lDefensor do senador Flávio
Bolsonaro (Republicanos-RJ) até
anteontem, o advogado Frede-
rick Wassef alegou “questão hu-
manitária” para abrigar o ex-as-
sessor parlamentar Fabrício
Queiroz em um imóvel seu. Em
entrevista ao SBT, Wassef afir-
mou não ter escondido Queiroz.
“Ele estar lá não é nenhum cri-
me, não é obstrução de Justiça",
afirmou. “Também foi uma ques-
tão humanitária. Porque uma pes-
soa que está abandonada, uma
pessoa sem recursos financei-
ros, com problemas de saúde."

Contas de Flávio Bolsonaro

●O que dizem Promotoria do Rio e juiz Flávio Itabaiana sobre o ex-assessor Fabrício Queiroz,
preso em Atibaia (SP) na quinta-feira, e o entorno do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj

SOB SUSPEITA

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

Investigação cita pelo
menos 116 boletos de plano
de saúde e mensalidades
escolares das filhas de
Flávio pagos por Queiroz,
em dinheiro em espécie

Márcia Aguiar
Anotações em caderneta e
recibos indicam, segundo o
MP do Rio, que a mulher de
Queiroz recebeu ao menos
R$ 174 mil em espécie, de
origem desconhecida, e quitou
despesas do hospital Albert
Einstein em dinheiro

‘Anjo’
Juiz cita evidências de
“complexa rotina de ocultação
do paradeiro” de Queiroz, sendo
a mesma articulada por uma
pessoa com notório poder de
mando, sob o codinome ‘Anjo’”.
“Anjo”, ainda segundo Itabaiana,
“manifestou a intenção de
esconder toda a família de
Queiroz” após julgamento no
Supremo sobre o Coaf

'Organização criminosa'
Para o MP, mensagem de
Queiroz a mulher de miliciano
empregada no gabinete de
Flávio indica “que a intenção da
organização criminosa seria
manter Danielle Mendonça
como ‘funcionária fantasma’ no
ano de 2019”

Funcionária fantasma
Ao rastrear os passos de
Luiza Souza Paes por meio de seu
celular, MP diz que, em 792 dias,
assessora de Flávio Bolsonaro
apareceu apenas três vezes na
Alerj para assinar ponto

Milícias

Milícias 2

O juiz Flávio Itabaiana destaca o
suposto envolvimento de
Fabrício Queiroz com milicianos
do Rio, incluindo o capitão
Adriano da Nóbrega, morto em
fevereiro e apontado como líder
do Escritório do Crime

Em mensagens trocadas com a
mulher, Márcia Aguiar, Queiroz se
compromete a “interceder
pessoalmente” junto a milicianos
em favor de um homem que pede
sua ajuda após receber ameaças
de paramilitares no Itanhangá, na
zona oeste carioca

Luiza Souza Paes

Fabrício Queiroz com milicianos

Márcia Aguiar,

R$ 174 mil em espécie,

codinome ‘Anjo’”.

Danielle Mendonça

pagos por Queiroz,

Advogado de Flávio


já defendeu Cabral


e réus por tortura


Breno Pires
Patrik Camporez / BRASÍLIA


O novo advogado de Fabrício
Queiroz, Paulo Emílio Catta
Preta, também presta serviços
à ex-mulher de Frederick Was-
sef. Atualmente, ele consta co-
mo advogado de Maria Cristina
Boner Leo em uma ação cível,
além de ter defendido a empre-
sária entre 2012 e 2018 no caso
em que ela é acusada de pagar


propina a integrantes do gover-
no do Distrito Federal em troca
de contratos, o chamado mensa-
lão do DEM.
Ex-assessor do senador Flá-
vio Bolsonaro, filho mais velho
do presidente Jair Bolsonaro,
Queiroz foi preso na semana
passada em Atibaia, no interior
de São Paulo, num imóvel de
Wassef, que até ontem defen-
dia o senador Flávio Bolsonaro
(Republicanos-RJ). A localiza-
ção do ex-assessor na casa do
advogado do parlamentar levan-
tou suspeitas de autoridades so-
bre uma possível tentativa de
obstrução de Justiça.
Wassef se afastou do caso
após a repercussão negativa da

descoberta de que abrigava
Queiroz em seu imóvel.
Embora Wassef e Cristina es-
tejam separados, segundo o pró-
prio advogado, os dois mantêm
boa relação. No dia da prisão de
Queiroz, por exemplo, Wassef
estava em uma casa em Brasília
que pertence à ex-mulher.
A reportagem questionou
Catta Preta sobre um potencial
conflito de interesse nos casos.
“Se em algum momento se iden-
tificar potencial conflito, terei
que avaliar”, respondeu o advo-
gado ao Estadão. Segundo ele,
embora ainda conste na Justiça
como representante de Cristi-
na na ação cível, ele deixou de
atuar no processo.

Abrigo a ex-PM por


‘questão humanitária’


FABIO MOTTA/ESTADÃO-10/11/

Advogado. Roca assume defesa após saída de Wassef

Roca, que assumiu a


defesa do senador no


caso das ‘rachadinhas’,


foi advogado de militares


acusados de assassinato


Rodrigo Henrique Roca Pires, novo advogado de Flávio Bolsonaro

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