O Estado de São Paulo (2020-06-23)

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O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 23 DE JUNHO DE 2020 Metrópole A


Giovana Girardi


Pessoas que foram infecta-
das com o novo coronavírus,
mas ficaram assintomáticas,
podem ter uma resposta imu-
nológica mais fraca ao vírus.
É o que sugere um artigo pu-
blicado na semana passada
na revista científica
Nature
Medicine
que fez uma análise
detalhada, tanto clínica
quanto imunológica, de 37
pacientes chineses infecta-
dos que não apresentaram
sintomas.

Os autores, liderados por Ai-
Long Huang, compararam o
grupo de assintomáticos com
37 pacientes com sintomas le-
ves. Todos os 74 estavam inter-
nados em um hospital no distri-
to de Wanzhou, no sudoeste da


China, e tinham sido diagnosti-
cados com teste de PCR, que
identifica a presença do vírus
geneticamente. A China, onde
surgiu a pandemia, adotou
uma política de isolar os pa-
cientes diagnosticados para
controlar a disseminação da co-
vid-19.
As análises apontaram que
os anticorpos IgG produzidos
pelos assintomáticos eram sig-
nificativamente mais baixos
que os dos sintomáticos duran-
te a fase aguda da infecção. São
eles que apontam uma respos-
ta de longo prazo.
E de 8 a 12 semanas após a
alta hospitalar, observou-se
que os níveis de anticorpos
neutralizantes (aqueles que de
fato têm capacidade de neutra-
lizar o vírus) diminuíram em

81,1% nos pacientes assinto-
máticos, em comparação com
62,2% dos pacientes sintomáti-
cos.
O resultado, porém, não sig-
nifica necessariamente que as
pessoas possam voltar a ser in-
fectadas. Mesmo níveis baixos
dos anticorpos neutralizantes
podem atuar de modo proteti-
vo. O estudo não traz conclu-
sões nesse sentido e alerta para

a necessidade de pesquisas de
mais longo prazo para definir
quanto tempo dura a imuniza-
ção contra a doença em pacien-
tes já infectados.

Passaporte de imunidade?
Mas o trabalho levanta um aler-
ta ao indicar que pessoas assin-
tomáticas que só fossem testa-
das, por exemplo, depois de
dois ou três meses da infecção,
poderiam dar negativo em tes-
tes sorológicos.
São eles que estão sendo usa-
dos em estudos em vários lo-
cais do Brasil para tentar medir
a taxa de prevalência da doen-
ça na população.
Os autores de fato argumen-
tam que esse achado, junta-
mente com análises anteriores
de anticorpos neutralizantes
em pacientes em recuperação
da covid-19, levanta preocupa-
ções em relação à validade de
usar testes sorológicos para in-
dicar pessoas supostamente já
imunes à doença.
“Esses dados podem indicar
os riscos do uso de ‘passapor-
tes de imunidade’ da covid-19 e
apoiam o prolongamento de in-
tervenções de saúde pública,
incluindo distanciamento so-
cial, higiene, isolamento de gru-
pos de alto risco e testes gene-
ralizados”, escrevem os pesqui-
sadores.
“Novos estudos sorológicos
( que determinam a presença de
anticorpos ) longitudinais, anali-
sando mais indivíduos sinto-
máticos e assintomáticos, são

urgentemente necessários pa-
ra determinar a duração da imu-
nidade mediada por anticor-
pos. Além disso, baixos níveis
de IgG antiviral em pacientes
assintomáticos, com maior
probabilidade de se tornar so-
ronegativos, apoiam ainda
mais a necessidade de pesqui-
sas para estudar a verdadeira
taxa de infecção.”
Autoridades de saúde de al-
guns países, como a Alemanha,
estão debatendo a ética e a via-
bilidade de se permitir que pes-
soas que tiveram um exame de
anticorpos positivo circulem
com mais liberdade do que as
que não tiveram.

Sem desespero. Jin Dong-
Yan, professor de virologia da
Universidade de Hong Kong
que não participou do grupo de
pesquisa, disse que o estudo
não nega a possibilidade de ou-
tras partes do sistema imunoló-
gico poderem oferecer prote-
ção. Algumas células memori-
zam como lidar com um vírus
quando são infectadas pela pri-
meira vez e podem apresentar
uma proteção eficiente se hou-
ver uma segunda rodada de in-
fecção, disse.
Cientistas ainda investigam
se este mecanismo funciona pa-
ra o novo coronavírus. “A des-
coberta neste estudo não signi-
fica que o céu está desabando”,
disse Dong-Yan, observando
ainda que o número de pacien-
tes estudados foi pequeno. /
COM REUTERS

‘Não sabemos como


interpretar os


resultados de testes’


lPara o médico e pesquisador
Ricardo Schnekenberg, pós-dou-
torando da Universidade de Ox-
ford, que tem analisado há mais
de dois meses os resultados dos
testes rápidos sorológicos, que
proliferam no Brasil, a pesquisa
levanta muitas dúvidas sobre as
inferências feitas com base nes-
ses resultados. “Não sabemos
como interpretar adequadamen-
te os resultados dos testes de
anticorpos. E isso pode afetar a
confiança nos estudos epidemio-
lógicos que usam anticorpos pa-
ra medir a prevalência da doença
na população”, disse em entrevis-
ta ao Estadão.
Segundo ele, “chamou a aten-
ção que na 2ª fase da pesquisa
Epicovid19 ( conduzida pela Uni-
versidade Federal de Pelotas em
133 cidades brasileiras ), a cida-
de de Breves, no Pará, perdeu
metade de sua prevalência de
anticorpos em relação à primeira
fase da pesquisa”. “Será que po-
de ser por causa dessa redução
dos anticorpos em assintomáti-
cos?” No entanto, ele também é
cauteloso quanto às avaliações
de imunidade. “Talvez não preci-
semos ter grande quantidade de
anticorpos para conseguir neutra-
lizar o vírus.” / G.G.

l Cautela
“A descoberta neste
estudo ( com 37 pacientes )
não significa que o céu
está desabando.”
Jin Dong-Yan
PROFESSOR DE VIROLOGIA DA
UNIVERSIDADE DE HONG KONG

Assintomáticos


podem ter resposta


imune mais fraca


Alisson Castro
ESPECIAL PARA O ESTADO/ MANAUS


Estudo realizado por pesquisa-
dores da Universidade Federal
do Amazonas (Ufam) alerta pa-
ra o risco de um novo pico da
contaminação pela covid-
nos meses de julho ou agosto
por causa, principalmente, da
reabertura gradual do comér-
cio em Manaus. A equipe traba-
lha com elaboração de um estu-
do completo que deverá ser di-
vulgado nas próximas semanas.
De acordo com estimativa da
equipe, apenas a capital do Ama-
zonas pode alcançar o número
de 200 mil casos simultâneos
da doença, caso seja mantida a
reabertura. Ainda segundo os


pesquisadores, a cidade poderá
registrar mais 3 mil mortes cau-
sadas pela covid-19 com a redu-
ção do distanciamento social.
Professor do Departamento de
Matemática da Ufam e integran-
te da equipe de pesquisadores
que coordenou o estudo “Cur-
va de Contaminação Covid-19 –
Estado do Amazonas”, Wi-
lhelm Alexander Steinmetz,
alerta para a gravidade da situa-
ção. “Todo dia temos centenas
de novos casos. O número de
óbitos está bem acima do nor-
mal, com cerca de dez por dia.
Isto é preocupante. Dez óbitos
por dia causados por uma doen-
ça, em tempos normais, seria ra-

zão para grande alarme, mas as
pessoas naturalizaram esta si-
tuação”.
No domingo, o Amazonas re-
gistrou mais 508 casos de co-
vid-19, totalizando 63.410 rela-
tos confirmados do novo coro-
navírus no Estado, segundo bo-
letim epidemiológico da Funda-
ção de Vigilância em Saúde do
Amazonas (FVS-AM). O bole-
tim informa ainda que foram
confirmados mais sete óbitos
pela doença, dos quais três ocor-
ridos entre sábado e domingo,
todos de pacientes que estavam
internados em unidade de trata-
mento intensivo (UTI), e qua-
tro que tiveram confirmação
diagnóstica apenas no domin-

go, elevando para 2.657 o total
de mortes. Dos 63.410 casos con-
firmados no Amazonas até o do-
mingo, 25.103 são de Manaus
(39,59%) e 38.307 do interior do
estado (60,41%).

Governo. A Secretaria de Esta-
do da Saúde (Susam) informou,
por meio de nota, que o plano
de retomada gradual de ativida-
des econômicas em Manaus ini-
ciado em 1.º de junho foi defini-
do a partir da avaliação de indi-
cadores epidemiológicos e de
assistência, como ocupação de
leitos e óbitos por covid, que,
segundo a secretaria, apresen-
tam números decrescentes na
capital do Estado.

Resultado de pesquisa não significa necessariamente que pessoas


possam voltar a ser infectadas, mas cria um alerta sobre testagem


OMS faz um alerta para


subnotificação no Brasil


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


l Receita
Ainda de acordo com Steinmetz,
é importante a conscientização
das pessoas. “Quanto mais o dis-
tanciamento social retrocede,
aumentam as infecções e pode-
mos perder o controle de novo.”

ALEXANDRE BRUM / ESTADÃO- 24/04/

Guilherme Bianchini

A Organização Mundial da Saú-
de (OMS) mostrou preocupa-
ção, ontem, com a alta porcenta-
gem de resultados positivos
nos testes de covid-19 no Brasil


  • na casa dos 31%, de acordo
    com o boletim epidemiológico
    mais recente. Segundo a entida-
    de, o número elevado indica bai-
    xa testagem e uma provável sub-
    notificação de casos, uma vez
    que a taxa média de positivos,
    em outros países, costuma ser
    de 17%.
    “Precisamos entender como
    quase um terço dos testes dá po-
    sitivo. Provavelmente, há uma
    subestimação do número verda-
    deiro de casos. A taxa em países
    com testagem em massa chega
    até a 5%, e essa tendência não é
    um resultado de realizar vários
    testes”, esclareceu Michael


Ryan, diretor do programa de
emergências da OMS.
Na semana passada, Ryan afir-
mou que havia uma “estabiliza-
ção” da doença no País. Questio-
nado nesta segunda-feira sobre
a declaração, ele justificou que
os números de casos apresenta-
ram um padrão durante as se-
manas de junho. O diretor, po-
rém, chamou a atenção para os
dados divulgados pelo Ministé-
rio da Saúde na sexta-feira,
quando houve recorde absolu-
to na atualização oficial diária,
de 54.771 novos infectados — re-
sultado de uma subnotificação
anterior na plataforma.
A diretora técnica da OMS,
Maria Van Kerkhove, acrescen-
tou que é necessário reduzir a
análise das estatísticas ao me-
nor indicador possível. Segun-
do ela, é importante identificar
as variações no comportamen-
to do vírus em cada local, pois
ele não se dissemina de forma
equivalente ao redor de cada
país. “Pode haver diferenças
em intensidade e em transmis-
são na comparação entre Esta-
dos. É importante ir ainda mais
a fundo.”

MICHAEL DANTAS / AFP

'Naturalizaram a


situação', diz pesquisador,


que considera que capital


pode ter mais 200 mil


casos da doença


Estudo prevê risco de


novo pico da covid em


Manaus até agosto


Cemitério. Amazonas relatou anteontem mais 508 casos

UTI no Rio. Estudo
levanta dúvidas sobre
‘passaporte’ imunológico

Entidade cita alto
índice de resultados
positivos em testes na
comparação com
outros países
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