O Estado de São Paulo (2020-06-23)

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B4 Economia TERÇA-FEIRA, 23 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


PEDRO


FERNANDO NERY


A


cadeirinha no carro. O esta-
do de alerta perto de pisci-
nas. A vigilância com objetos
miúdos na boca. O medo da posição
errada no sono. Preocupações nor-
mais de pais de crianças pequenas.
Mas o leitor pode se surpreender ao
saber que no Brasil há uma causa de
morte prevenível muito mais co-
mum nas crianças de até 5 anos. Oi-
to vezes mais frequente que a sín-
drome de morte súbita, quatro ve-
zes mais que as mortes por afoga-
mento, o dobro das mortes no trân-
sito ou por aspiração de objetos. É a
morte por diarreia, que só em 2015
vitimou cerca de 2 mil crianças brasi-
leiras na primeira infância.
Uma das fotos mais tristes da
atual pandemia é a do fotógrafo Mi-
chael Dantas, mostrando um garoto
beneficiado por uma campanha de

distribuição de máscaras em um bairro
pobre de Manaus. A máscara amarela
se destaca: além dela o menino veste
apenas uma bermuda, cercado por uma
água imunda tomada pelo lixo. É de
uma ironia melancólica: a máscara para
protegê-lo do coronavírus, enquanto
segue exposto aos rotavírus, adenoví-
rus, enterovírus, norovírus, sapovírus,
astrovírus, calicivírus ou o da hepatite
A – além das bactérias e vermes da água
escura que cerca seu corpo.
Uma proposta em votação nesta se-
mana anseia mudar essa realidade – o
marco do saneamento.
Os dados que abrem esta coluna são
de estudo da professora Elisabeth
França e outros pesquisadores brasilei-
ros, publicado na Revista Brasileira de
Epidemiologia e financiado pela Funda-
ção Bill e Melinda Gates. Ele mostra
também que houve enorme progresso

quanto à morte de crianças por doen-
ças diarreicas desde 1988, apesar desta
ainda ser uma das dez principais cau-
sas de morte até os 5 anos. Para além do
índice de mortalidade, outros estudos
mostram o impacto devastador que a
falta de água limpa tem nessas vidas.
Como os primeiros anos de vida são
cruciais para o desenvolvimento do cé-
rebro, ele é prejudicado pelas doenças
da água suja, que afetam a absorção de
nutrientes. A ausência de saneamento
afetará no futuro desde a altura até as
capacidades cognitivas desse cidadão.
Pesquisadores chegam a estimar a per-
da de pontos no QI ou de anos de esco-
laridade em função das diarreias nos
primeiros anos de vida. Para piorar, al-
guns protozoários e bactérias de água
suja podem afetar o desenvolvimento
ainda que não causem diarreia. O total
do potencial humano perdido não se
estima.
No Brasil, quase metade da popula-
ção não tem serviços de coleta de es-
goto e cerca de 35 milhões vivem sem
acesso a água tratada. A situação é
pior para a população negra e no Nor-
te e Nordeste. A realidade também é
dramática nas escolas: 15% nem che-
ga sequer ter banheiro em suas depen-
dências.

Os adultos, evidentemente, tam-
bém são afetados. A OMS calcula que
cada real investido no saneamento eco-
nomiza quatro reais na saúde. Já o Insti-
tuto Trata Brasil projeta bilhões de
reais de ganhos no PIB com a universa-
lização do saneamento, decorrentes
de aumento da produtividade do traba-
lho, menos afastamentos, melhora no
aprendizado nas escolas – além dos ga-
nhos com valorização imobiliária e tu-
rismo. Mas para o instituto, no ritmo
atual de investimentos a universaliza-
ção pode demorar 120 anos.
O marco do saneamento, que passa
por idas e vindas desde 2018, pode ir à
votação final esta semana. Ele estabele-
ce a universalização até 2033 (ou em
determinadas condições até 2040),
com competição com o setor privado.
Parte da controvérsia sobre o proje-
to pode ser visualizada na manifesta-
ção de uma deputada que votou contra
ele: “Chega a ser um escárnio. Porque
o projeto propõe metas para as compa-
nhias públicas”. Metas de universaliza-
ção e quebras de monopólios mobili-
zam os interesses das corporações des-
sas companhias públicas, o que explica
parcela da dificuldade que a pauta teve
em avançar nos últimos anos. O espe-
cialista em infraestrutura Claudio Fris-

chtak mostra que de 2014 a 2017, 3
de cada 4 companhias estaduais
priorizaram gastos com folha em re-
lação aos investimentos.
Convidado por Bill Gates para
contribuir a resolver “o problema
do saneamento”, o engenheiro Pe-
ter Janicki, bem-sucedido dono de
uma empresa que fabrica compo-
nentes aeroespaciais, se surpreen-
deu: “Que problema do saneamen-
to?”. Para parte da sociedade, é di-
fícil conceber que as famílias mais
pobres vivam de forma tão diferen-
te da sua. Mesmo entre os ambienta-
listas parece haver interesse muito
maior por pautas mais “instagramá-
veis”, como a questão da Amazônia.
Se na pandemia debatemos temas
do século 21, como a renda básica
universal, ainda não superamos um
tema dos séculos passados: o sanea-
mento básico universal. Quando o
coronavírus passar, milhões de bra-
sileiros pobres continuarão convi-
vendo com doenças infecciosas na
rotina de suas famílias. Não há isola-
mento que resolva vírus que conta-
mina em casa.

]
DOUTOR EM ECONOMIA

A incerteza quanto ao futuro próximo é
uma das características mais presentes nos
países amplamente afetados pela pandemia
de Covid-19. Diante de suas particularidades
e condições únicas, cada local tem adotado
medidas específicas visando o retorno das
atividades econômicas ao mesmo tempo em que
dedicam esforços à área da Saúde como um todo.
Para enriquecer e aprofundar o debate com
foco no setor imobiliário, a FIABCI-BRASIL
promoveu, no último dia 19 de junho, um
Webinar Internacional, em parceria com as
FIABCI regionais de Orlando, Nova York e
Miami e Caribe.
Cada entidade expôs suas percepções do
impacto gerado pelo novo Coronavírus nas
economias nacionais e no mercado imobiliário
especificamente. De modo geral, guardadas as
devidas proporções, é possível verificar que as
incertezas do consumidor estão relacionadas
principalmente à duração da crise.
De acordo com pesquisa da
Câmara Brasileira da Indústria da
Construção (CBIC), o fato de não
saber quando a pandemia chegará
aofim é o fator que mais tem feito
o brasileiro recuar da decisão de
adquirir um imóvel. Cerca de 50% apontaram
este motivo como sendo o principal, à frente
das incertezas quanto à estabilidade do emprego
(24%) e à perda de renda (20%).
Assim como no Brasil, as entidades com
representação nos Estados Unidos entendem que
o consumidor, neste momento, prefere aguardar
os “próximos passos” da crise, de modo a
visualizar de forma mais precisa as melhores
oportunidades de investimento. Ainda que este
cenário traga desafios ao mercado imobiliário,
é a chance também de gerar resiliência nos
players do setor.
Representando a FIABCI-Orlando, Justine
Assal ressaltou no encontro virtual que a
pandemia promoveu a normalização do trabalho
remoto, incentivando, inclusive, o desejo
pela “fuga” de grandes cidades. O mercado

imobiliário de Orlando, no entanto, registra boas
expectativas para os próximos anos, já que a
cidade tem passado por relevantes mudanças em
sua estrutura populacional. Um em cada nove
residentes de Orlando mudou-se para a cidade
a partir de 2010, sendo que metade dos novos
moradores é de outros países.
De acordo com Vivianne Swietelsky, que
representou a FIABCI-Miami e Caribe, a
economia dos Estados Unidos deve
voltar a crescer nofinal deste ano,
ainda que de forma contida. Por
outro lado, ainda que Miami esteja
promovendo o desenvolvimento
de novas áreas imobiliárias, o
financiamento a investidores
estrangeiros registra dificuldades, o que pode
limitar a negociação de determinados ativos.
Em Nova York, as oportunidades de
negócios no mercado imobiliário também
registram potencial para os próximos anos,
segundo Eugenia Foxworth, da FIABCI local.
Novamente, entretanto, a incerteza quanto à
real duração da pandemia ainda funciona como
um freio para aqueles que, no início do ano,
demonstravam interesse em mudar-se para um
imóvel maior na cidade.
No Brasil, é preciso ressaltar que o setor de
construção adaptou-se às normas mais rígidas
de higiene e prevenção para seguir ativo durante
a pandemia. Nos últimos dias, em importantes
centros econômicos do país, os estandes de
vendas foram autorizados a reabrir, gerando
expectativas de bons negócios para o setor.

COLUNA FIABCI-BRASIL INFORME PUBLICITÁRIO

FIABCI promove
encontro com
lideranças para
analisar consequências
e expectativas

SÃO PAULO, 23/06/2020

Coluna publicada às terças-feiras sob responsabilidade da
FIABCI-BRASIL (Federação Internacional Imobiliária)
Rua Dr. Bacelar, 1.043 - CEP: 04026-002 - São Paulo/SP
Tel: (11) 5078-7778 - http://www.fiabci.com.br
Produção gráfica: Publicidade Archote

Webinar debate cenários pós-pandemia


para setor imobiliário no Brasil e EUA


Foto: Shutterstock

Décadas de vírus


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Fabrício de Castro / BRASÍLIA

O presidente do Banco Central,
Roberto Campos Neto, disse
ontem que o novo sistema de
pagamentos instantâneos
(PIX) que deve entrar em vigor
em novembro vai permitir servi-
ços de saques em redes varejis-
tas, como alternativa ao siste-
ma bancário. “As regras e os pri-
meiros detalhamentos desse
produto serão apresentados na
próxima reunião do Fórum de
Pagamentos Instantâneos, em
agosto”, disse ele.

Ainda segundo Campos Neto,
a possibilidade de saques em re-
des varejistas busca trazer “mais
eficiência, por meio da reutiliza-
ção do dinheiro no varejo e do
aproveitamento dessa rede,
acompanhando a evolução tec-
nológica e atendendo às necessi-
dades da indústria e dos cida-
dãos”.
Os pagamentos instantâneos
correspondem às transferên-
cias monetárias eletrônicas em
que a transmissão da ordem de

pagamento e a disponibilidade
de fundos para o usuário recebe-
dor ocorre em tempo real. Se-
gundo o BC, uma vez em opera-
ção o PIX não terá limite de ho-
rário para as transferências.
Conforme o BC, as transferên-
cias vão ocorrer diretamente da
conta do usuário pagador para a
conta do usuário recebedor, sem
a necessidade de intermediá-
rios, o que permite que os custos
de transação sejam menores.
Campos Neto afirmou que o
PIX será gratuito para as pes-
soas físicas. Com isso, segundo
ele, o PIX terá igualdade de con-
dições em relação a outros
meios de pagamentos. “Confio
que as instituições participan-
tes desenvolverão modelos de
negócio e estratégias interes-
santes e economicamente atra-
tivas, ofertando o PIX às empre-
sas, de modo a refletir o baixo
custo e agregar serviços que ge-
rem valor para os clientes.”
Ele disse ainda que o projeto
“não se encerra em novembro”.
“Temos uma agenda evolutiva
preparada para o PIX, e diver-
sos novos produtos e funciona-
lidades serão lançados nos
próximos anos.”

Vinicius Neder / RIO


Relator no Senado de projeto
que estabelece um novo mar-
co legal para o setor de sanea-
mento no País, o senador Tas-
so Jereissati (PSDB-CE) afir-
mou ontem que ainda existem
“poucos e diminutos pontos
de resistência” ao texto, que
deverá ser votado amanhã.


Ele ressaltou que seu objeti-
vo é fechar um acordo para que
o projeto seja aprovado sem al-
terações em relação ao texto vo-
tado, em dezembro passado, na
Câmara e encaminhado direta-
mente para a sanção do presi-
dente Jair Bolsonaro.
Caso haja emendas, pelo regi-
mento do Congresso Nacional,
o projeto terá de voltar para a

análise dos deputados.
Segundo Jereissati, ainda
“tem algum risco” de que “al-
gum destaque”, como são cha-
madas as emendas votadas em
separado do texto principal,
passe na votação de amanhã.
“Não dou como 100% certo,
porque existe ainda poucos e di-
minutos pontos de resistên-
cia”, afirmou Jereissati, em se-

minário online sobre saneamen-
to promovido pelo Banco Na-
cional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES).
O senador confirmou tam-
bém que está trabalhando num
acordo com o Ministério da Eco-
nomia para que o presidente
Bolsonaro vete “dois ou três
pontos” do novo marco regula-
tório em que ainda há resistên-
cia entre alguns senadores – “se
for necessário”.
Nesse caso, senadores des-
contentes com a forma final do
marco regulatório deixariam de
lado a votação em separado de
emendas em troca de ver os ajus-
tes no PL feitos pelos vetos.

Investimentos. O projeto pre-
tende aumentar a segurança ju-
rídica para atrair investimentos
privados na concessão dos servi-
ços de água e esgoto no País.
Um de seus pilares é a obrigato-
riedade de que os municípios –
titulares de serviços de sanea-
mento – abram licitações para
contratar as empresas prestado-
ras, privadas ou estatais. O no-
vo marco também atribui à
Agência Nacional de Águas (A-
NA) a competência para insti-
tuir normas de referência para a
área de saneamento e define
um prazo de universalização
dos serviços, até 2033.
Considerado o setor mais
atrasado da infraestrutura, o sa-
neamento precisa de algo em
torno de R$ 500 bilhões para uni-
versalizar os serviços de água e
esgoto, segundo a Associação
Brasileira de Infraestrutura e In-

dústrias de Base (Abdib).
O senador rebateu críticas,
como as que projetam aumen-
tos de tarifa. Segundo Jereissa-
ti, “ninguém é obrigado a priva-

tizar nada”, já que, pelo novo
marco regulatório, cada prefei-
to e cada governador poderá
adotar o projeto que “achar
mais conveniente” para os servi-
ços de água e esgoto.
Também presente no seminá-
rio, o presidente do BNDES,
Gustavo Montezano, disse que
o banco atuará tanto no finan-
ciamento direto quanto na es-
truturação de projetos de con-
cessão na área de saneamen-
to.“Não haverá falta de financia-
mento em reais de longo prazo
para o setor de saneamento”,
afirmou ele.

Tasso Jereissati cita ‘poucos e diminutos pontos de resistência’ a texto de novo marco legal para setor no País; votação acontece amanhã


l ‘Evolução’

Novo sistema vai


permitir saques em


lojas, anuncia BC


China veta carne de frango de frigorífico dos EUA. Pág. B6}


E-MAIL : [email protected]
ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS

BNDES

Projeto. Jereissati durante o seminário feito pelo BNDES

Relator tenta acordo sobre saneamento


l Investimentos

R$ 500 bi
é o valor em novos investimentos
estimado pela Associação Brasi-
leira de Infraestrutura e Indús-
trias de Base (Abdib) para
universalizar os serviços de
água e esgoto no País.

PIX, para pagamentos
instantâneos, entra em
operação em novembro
e não vai cobrar tarifa
de pessoas físicas

“Temos uma agenda
evolutiva preparada para o
PIX, com o lançamento de
novas funcionalidades.
Roberto Campos Neto
PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL
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