O Estado de São Paulo (2020-06-23)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-3:20200623:
O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 23 DE JUNHO DE 2020 NotaseInformações A


O


presidente Jair Bolsonaro enviou
três representantes graduados
para conversar com o ministro
do Supremo Tribunal Federal
Alexandre de Moraes na sexta-
feira passada. Consta que foi um
gesto político de Bolsonaro para tentar construir
um canal de diálogo com o Supremo, depois de
sucessivos reveses judiciais de bolsonaristas, do
próprio presidente e de seus familiares.
Bolsonaro parece, mais uma vez, confundir as
coisas. Talvez imagine que seus dissabores no Ju-
diciário tenham sido motivados por ressentimen-
to dos magistrados diante dos constantes reptos
que há tempos lança contra o Supremo – inspi-
rando inclusive seus seguidores e até um minis-
tro de Estado a defender explicitamente o fecha-
mento da Corte e a prisão de seus ministros.
Talvez não passe pela cabeça do presidente que
os problemas que ele e os bolsonaristas enfren-
tam na Justiça sejam na verdade fruto de consis-
tentes suspeitas de malfeitos diversos, que de-
vem ser devidamente investigadas. Bolsonaro pa-
rece julgar que um gesto seu de apaziguamento
seria suficiente para interromper esses processos,
que os bolsonaristas entendem ser “políticos”.


Nesse sentido, a escolha do ministro Alexan-
dre de Moraes para receber a visita dos emissá-
rios de Bolsonaro tinha o objetivo específico de
afagar aquele que hoje concentra alguns dos
mais espinhosos casos envolvendo bolsonaristas
no Supremo. Não se sabe se o mi-
nistro Alexandre de Moraes se
deixou comover pela atitude de
Bolsonaro, mas é improvável que
a embaixada bolsonarista tenha o
efeito desejado pelo presidente.
Tampouco há notícias de que o
ministro pretenda mudar o curso
dos processos que preside depois
que Bolsonaro, como suposta pro-
va de disposição ao diálogo, sacri-
ficou seu ministro mais bolsona-
rista, Abraham Weintraub, por-
que este havia ofendido os inte-
grantes do Supremo.
O Supremo já deixou claro, em diversas oportu-
nidades, que não se dobra nem às ameaças nem
às artimanhas de Bolsonaro. Há hoje na Corte cla-
ra disposição de seguir adiante com as investiga-
ções que podem comprometer os camisas par-
das bolsonaristas, alguns dos parlamentares

mais fiéis ao presidente e um punhado de empre-
sários acusados de financiar a máquina de des-
truição de reputações a serviço do bolsonarismo.
Um dos processos, inclusive, pode levar a ques-
tionamentos a respeito da lisura da campanha
que elegeu Bolsonaro em 2018.
A esta altura, é preciso ser mui-
to ingênuo para acreditar que o
presidente queira realmente dis-
tender sua relação com o Supre-
mo, especialmente depois de ter
dito, quase sempre aos gritos, que
era preciso impor “limites” àquela
Corte, que não cumpriria ordens
judiciais “absurdas” e que “está
chegando a hora de tudo ser colo-
cado no seu devido lugar”. E inge-
nuidade não parece ser um traço
encontradiço entre os ministros
do Supremo.
Bolsonaro não está, como nunca esteve, inte-
ressado em “harmonia” com os demais Poderes,
pois essa palavra não consta do léxico de um mo-
vimento que surgiu com o objetivo explícito de
desmoralizar as instituições democráticas que se
interpuserem em seu caminho. É o confronto

permanente que justifica e alimenta esse movi-
mento liberticida, razão pela qual todo recuo é
apenas tático, quando não simplesmente um em-
buste para enganar incautos.
O aceno do presidente ao Supremo é, assim, so-
mente uma encenação de maus atores, incapazes
sequer de fingir que aceitam a democracia. Um
presidente que espera que a mais alta Corte do
País se submeta a seus caprichos só porque man-
dou ministros para uma visita de cortesia ou por-
que demitiu um ministro inconveniente é um pre-
sidente que não entendeu nem seu papel institu-
cional nem a Constituição do País que governa.
Confiar na disposição de Bolsonaro para bus-
car uma “trégua” é o mesmo que crer em sua
capacidade de se tornar o estadista que ele ja-
mais foi. O único propósito do presidente é
atrair o Supremo para seu pantanoso territó-
rio, em que os interesses privados de sua en-
crencada família são confundidos com os mais
altos interesses públicos.
Espera-se que o Supremo resista a mais essa
tentativa do presidente de envolvê-lo em politica-
gem rasteira e, estritamente conforme a lei, deter-
mine diligentemente a punição dos que comete-
ram crimes, sejam eles quem forem.

C


olaboradores
próximos do presi-
dente dos EUA,
Donald Trump,
queixaram-se à
imprensa america-
na recentemente, sob a condi-
ção de anonimato, de que não
veem no atual mandatário o ím-
peto esperado de alguém que de-
seja sair vitorioso de uma cam-
panha pela reeleição, como se
Trump demonstrasse sinais de
desgaste. Em entrevista à rede
de TV Fox News na semana pas-
sada, o próprio presidente mos-
trou uma resignação que não se
coaduna com sua persona públi-
ca, sempre desafiadora. “Se eu
não ganhar, não ganhei. Irei
adiante, você sabe, farei outras
coisas”, disse Trump. O presi-
dente americano respondia a
um receio manifestado por seu
adversário, o democrata Joe Bi-
den, de que ele poderia “trapa-
cear” para permanecer na Casa
Branca.
É muito cedo para dizer se
Trump, de fato, está ou não dis-
posto a exercer mais um manda-
to presidencial. Além do mais,
até que ele mesmo verbalize
qual o seu estado de espírito, tu-
do não passa de especulação. Fa-
to é que, se Trump precisava de
um estímulo, a retomada de sua
campanha eleitoral no sábado
passado teve efeito diametral-
mente oposto. Pouco mais de 6
mil lugares foram ocupados no
estádio com capacidade para 19
mil na cidade de Tulsa, em Okla-
homa. A desoladora imensidão
de cadeiras vazias se sobrepôs
aos poucos milhares que assisti-
ram ao discurso de Trump, com-
pondo o cenário bem-acabado
de um presidente cercado ape-
nas por um nicho de apoiadores


mais sectários.
Diz-se que a ruína de uma noi-
te que prometia ser triunfante
para Trump deveu-se à ação
coordenada de milhões de ado-
lescentes usuários do TikTok,
um aplicativo para compartilha-
mento de vídeos curtos, e fãs de
música pop coreana, o chamado
K-Pop. Esses jovens se cadastra-
ram em massa no site do even-
to, obtiveram boa parte dos in-
gressos e, evidentemente, não
compareceram, deixando o pre-
sidente americano falando para
poucos. Em que pese o sucesso
da artimanha engendrada por
esses dois grupos de jovens
com fortíssima presença nas re-
des sociais, não é razoável atri-

buir exclusivamente a eles o es-
vaziamento do comício de Do-
nald Trump. Não se pode per-
der de vista que o presidente
americano está acossado por
múltiplas crises que desgastam
a sua popularidade.
Por mais que tente dar a pan-
demia de covid-19 por encerra-
da nos EUA – inclusive tentan-
do fazê-la desaparecer por ato
de vontade ao pedir a diminui-
ção do número de testes para
que os números de infectados e
mortos caiam proporcional-
mente –, a disseminação do no-
vo coronavírus segue alheia ao
desejo de Trump. Nas últimas
duas semanas, houve um au-
mento de 15% no número de ca-
sos em Estados do Sul, do Cen-
tro-Oeste e da Costa Oeste do
país. O número de novas conta-

minações por dia voltou ao pa-
tamar de abril, cerca de 30 mil,
e os EUA seguem como o país
com o maior número de mor-
tos em decorrência da covid-
(122,3 mil). Tanto esse avanço
da pandemia preocupa o gover-
no que o assessor comercial da
Casa Branca, Peter Navarro, ad-
mitiu que os EUA estão se pre-
parando para uma segunda on-
da de infecções.
Além da emergência sanitária
propriamente dita, para a qual
muitos americanos julgam
Trump despreparado para en-
frentar, há os efeitos econômi-
cos da pandemia, que corroem
ainda mais a base de sustenta-
ção do presidente americano.
No afã de reabrir a economia pa-
ra conter esse dano, muitos go-
vernadores republicanos veem
o número de casos de covid-
crescer em seus Estados – a ex-
ceção é a Califórnia, governada
pelo Partido Democrata. Este
círculo vicioso em nada ajuda
Trump em sua campanha pela
reeleição. Some-se ao quadro a
mais grave crise social desde o fi-
nal da década de 1960, desenca-
deada pelos recentes episódios
de violência policial contra ne-
gros. Durante os 90 minutos de
seu discurso no evento em Tul-
sa, Donald Trump não mencio-
nou o assassinato de George
Floyd nem uma vez sequer, co-
mo se essa onda de protestos pe-
lo país não lhe dissesse respeito.
Se a vitória em novembro era
dada como certa até alguns me-
ses atrás, a eclosão da pandemia
e das manifestações por igualda-
de racial nos EUA expôs fragili-
dades que Trump terá de supe-
rar rapidamente se quiser per-
manecer na Casa Branca por
mais quatro anos.

A


conduta de Jair
Bolsonaro na Pre-
sidência da Repú-
blica não vem pro-
vocando apenas
aumento da re-
provação a seu governo. Ela
tem suscitado significativa
quantidade de pedidos de im-
peachment. Segundo levanta-
mento realizado pelo Estado ,
desde o ano passado, foram
apresentados 48 pedidos de
abertura de processo de impea-
chment contra o presidente
Jair Bolsonaro. Desse total, a
imensa maioria (41 pedidos) foi
protocolada durante a pande-
mia do novo coronavírus.
Além de constituir um retrato
das inquietações que a conduta
presidencial gera em boa parte
da população, esse conjunto de
pedidos pode e deve ser ocasião
para uma pausada reflexão por
parte do Legislativo, do Executi-
vo e também do Judiciário. Em
14 pedidos, por exemplo, há a
acusação de prática de crime de
responsabilidade por suposta in-
terferência na Polícia Federal,
tal como relatado por Sérgio
Moro, ao pedir demissão do Mi-
nistério da Justiça e Segurança
Pública. A investigação em cur-
so no Supremo Tribunal Fede-
ral (STF) sobre essa matéria po-
de oferecer subsídios importan-
tes para uma análise objetiva de
tais pedidos pelo Congresso.
Outra matéria comum se refe-
re ao modo como Jair Bolsonaro
tem lidado com a pandemia do
novo coronavírus. Em 20 pedi-
dos, sustenta-se que o presiden-
te Bolsonaro cometeu crime de
responsabilidade ao estimular o
descumprimento da quarente-
na, tratando com descaso uma
doença que já matou mais de 50

mil brasileiros. Entre as condu-
tas denunciadas estão incenti-
vos a aglomerações, menospre-
zo às consequências da covid-
e omissões de dados sobre o no-
vo coronavírus.
O levantamento do Estado
também constatou que a argu-
mentação mais frequente nos 48
pedidos de impeachment refere-
se a crime de responsabilidade
envolvendo conduta contrária à
democracia. Nos últimos meses,
o presidente Bolsonaro partici-
pou de sete manifestações que
se opunham, em alguma medi-
da, ao Estado Democrático de Di-
reito. Trata-se de um tema fun-
damental, que merece especial
atenção. Logo após fixar as com-

petências privativas do presiden-
te da República, a Carta de 1988
estabelece, por exemplo, que
“são crimes de responsabilidade
os atos do presidente da Repúbli-
ca que atentem contra a Consti-
tuição Federal e, especialmente,
contra (...) o livre exercício do
Poder Legislativo, do Poder Judi-
ciário, do Ministério Público e
dos Poderes constitucionais das
unidades da Federação”.
Segundo a Lei 1.079/1950, que
regulamenta o processo de im-
peachment, “é permitido a qual-
quer cidadão denunciar o presi-
dente da República ou ministro
de Estado, por crime de respon-
sabilidade, perante a Câmara
dos Deputados”. De fato, há pe-
didos de impeachment contra
Jair Bolsonaro assinados por
uma única pessoa. Mas há tam-

bém petições coletivas, algumas
com a presença de vários parti-
dos e centenas de entidades e
movimentos sociais.
As muitas e graves conse-
quências da abertura de um pro-
cesso de impeachment contra
o presidente da República re-
querem especial prudência na
ponderação das condições ju-
rídicas e políticas desses pedi-
dos. Até aqui, só um pedido foi
arquivado. Todos os outros es-
tão sob análise do presidente
da Câmara, Rodrigo Maia, a
quem compete decidir o seu
destino imediato – arquivamen-
to da denúncia ou recebimento
para apreciação pela Casa.
Com razão, Rodrigo Maia
tem falado em cautela, para
não agravar a crise política e
criar mais conflitos. “Não pode-
mos pôr mais lenha na foguei-
ra”, disse recentemente. A ne-
cessária prudência não signifi-
ca, no entanto, passividade.
Sendo seu papel constitucional
fiscalizar o Poder Executivo, o
Legislativo não pode se omitir
na tarefa de confrontar as
ações do presidente da Repúbli-
ca com as condutas típicas que,
segundo a Constituição (art.
85) e a legislação específica (Lei
1.079/1050), constituem crime
de responsabilidade.
A quantidade de pedidos de
abertura de processo de impea-
chment apresentados revela
uma saudável vigilância pela po-
pulação, dentro dos procedi-
mentos dispostos pelo Direito,
sobre o exercício do poder presi-
dencial. Além disso, a fundamen-
tação da maioria dessas peti-
ções está longe de ser fantasio-
sa, merecendo cuidadosa análi-
se. Não cabe imprudência, e
tampouco omissão.

Confundindo as coisas


ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

É preciso prudência na
ponderação das
condições jurídicas e
políticas dos pedidos

Fórum dos Leitores O ESTADO RESERVA-SE O DIREITO DE SELECIONAR E RESUMIR AS CARTAS. CORRESPONDÊNCIA SEM IDENTIFICAÇÃO (NOME, RG, ENDEREÇO E TELEFONE) SERÁ DESCONSIDERADA / E-MAIL: [email protected]


Notas & Informações


As agruras de Trump


Se quiser vencer em
novembro, presidente
terá de rapidamente
superar suas fragilidades

Os pedidos de impeachment


l Pandemia
Lições

O editorial Lições de uma tragé-
dia
(21/6, A2) traz a sugestão pa-
ra termos um lugar melhor para
viver e uma forma de honrar as
50 mil mortes causadas pelo ví-
rus fatal: transformar o Brasil
num país menos desigual e mais
fraterno. Para isso, afirma, a so-
ciedade deve aumentar o grau
de exigência na escolha de seus
governantes. Isso seria exequí-
vel? Com as excelências de to-
dos os níveis se engalfinhando e
sem abdicar de mordomias, tra-
balhando
para seus interesses
escusos, e um povo só interessa-
do em levar a melhor ou propen-
so a uma farra – depoimento de
amigas, presas pela pandemia
no sertão da Bahia: o pessoal
está usando o auxílio para fazer
festa com bebida e churrasco –,
é de ter esperança?
APARECIDA DILEIDE GAZIOLLA
[email protected]
SÃO CAETANO DO SUL


Aprendizado
O exemplo vem de cima e, no
momento atual, no Brasil ele é
o pior possível, qualquer que
seja o objeto da ação. O edito-


rial clama para que aprendamos
Lições de uma tragédia (21/6, A3),
e isso acontecerá, mas pelo trau-
ma vivido, não pela esperança
que poderia ser a mensagem do
governo federal. Ainda não atin-
gimos o pico de mortes pela co-
vid-19, e o presidente Jair Bolso-
naro só se dedica a tentar justifi-
car falcatruas envolvendo seu
desgoverno. Difícil buscar um
país mais fraterno e menos desi-
gual nessas condições.
ADILSON ROBERTO GONÇALVES
[email protected]
CAMPINAS

Agosto
Mais de 1 milhão de casos de
covid-19 e 50 mil mortos são
uma tragédia, em junho. Mais
de 2 milhões de casos e 100 mil
mortos serão uma catástrofe,
em agosto. O País não conse-
gue encontrar o caminho para
o fim do horror.
LUIZ ROBERTO DA COSTA JR.
[email protected]
CAMPINAS

l Corrupção
Refilmagem ruim
Lulla dizia que não comprou o

triplex na praia, que o sítio em
Atibaia não era dele, que não
sabia de nada. Agora temos a
releitura da mesmo roteiro. O
advogado diz que não sabia on-
de estava o Queiroz, que o Quei-
roz não estava se escondendo,
que o presidente e o filho não
têm nada que ver com tudo is-
so. Pois é, passa ano, entra ano,
e o filme, pra lá de ruim, é sem-
pre o mesmo, à exceção de uma
coisa: os atores estão cada vez
mais canastrões. Pior para o
Brasil é que desavisados conti-
nuam a dar-lhes bilheteria.
A. FERNANDES
[email protected]
SÃO PAULO

l Desgoverno Bolsonaro
Projeto político
O projeto político do governo
Bolsonaro fica mais claro na
medida em que se escancara a
preocupação dos seus minis-
tros e do próprio presidente em
provocar a destruição das con-
quistas sociais do povo brasilei-
ro. Principalmente as conquis-
tas das minorias políticas, co-
mo negros, indígenas, mulheres
e pessoas com alguma deficiên-

cia física. É o que evidencia a
revogação da portaria de 2016
que tratou da inserção das co-
tas na Pós-Graduação. Um ato
de pura vingança feita aos 45 do
segundo tempo pelo, até então,
ministro da Educação Abraham
Weintraub. O governo não nos
surpreende mais. Racistas des-
mantelam a Fundação Palma-
res. Ignorantes desconstroem
políticas públicas inclusivas pa-
ra os historicamente excluídos
do ensino público superior. É
um governo de surpresas, tão
chocante como um gol contra
quando o juiz está correndo pa-
ra o centro do gramado no se-
gundo tempo. Quem perde não
é o time do Planalto. Somos
nós, brasileiros.
EDUARDO BARBOSA, sociólogo formado por
cota de aluno de escola pública
[email protected]
SÃO CARLOS

l Celso Lafer
‘Ódio’
Com o artigo Ódio (21/6, 2) o
professor Celso Lafer ratificou
sua brilhante e transparente
entrevista de 25/5 no Roda Viva.
Ao citar Bobbio e falar dos re-

quisitos exigidos pela democra-
cia, Lafer fala da confiança recí-
proca que deve haver entre os
cidadãos e da confiança dos ci-
dadãos nas instituições. Esses
fatores exigem pré-requisitos.
Para nós, brasileiros, este país
não é o nosso. Aqui a Justiça é
para poucos, o Legislativo cria
leis e mecanismos de autoprote-
ção e transparência não é o adje-
tivo preferido pelo Executivo.
JOÃO ISRAEL NEIVA
[email protected]
SÃO PAULO

l Resistência democrática
Copa 1970 na USP
Ao ler a coluna de Ugo Giorget-
ti no domingo, uma homena-
gem aos 50 anos da conquista
da Copa de 1970, veio-me uma
lembrança. Naquele ano, era
estudante da Geologia da USP.
Um colega meu, Ronaldo Quei-
roz, era presidente do DCE da
USP e tentava organizar atos e
manifestações contra a ditadu-
ra, sem sucesso. O movimento
estudantil se dividia em relação
à Copa: a liderança queria inci-
tar a luta contra o governo e
fazer de conta que não havia
jogos; mas boa parte da militân-

cia e a maioria dos estudantes
sentiam a simpatia pelo time
crescer. O jogo contra o Uru-
guai, que Ugo Giorgetti cita co-
mo uma data marcante para os
torcedores brasileiros, também
foi um marco na USP. Com
apoio de parte da direção do
DCE, um grupo de estudantes,
de que eu fazia parte, organizou
um grande evento no vão do
prédio da Geografia-História
para assistir ao jogo Brasil x
Uruguai. A divulgação, feita bo-
ca a boca e com cartazes, dizia
que teríamos 20 aparelhos de
TV, chope e cachaça à vontade.
Só conseguimos instalar duas
TVs, uns dez barris de chope e
algumas garrafas de batidas. O
local teve lotação inesperada,
acho que uns 500 ou mais estu-
dantes, funcionários e alguns
professores. A festa foi maravi-
lhosa e dali em diante ninguém
ficou com vergonha de cantar o
hino da Copa e de comemorar.
E, ao mesmo tempo, lutar con-
tra a ditadura. Foi o primeiro
grande evento pós AI-5 na USP.
Promovido pelo futebol.
JOÃO JERONIMO MONTICELLI
[email protected]
PARATY
Free download pdf