O Estado de São Paulo (2020-06-23)

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B10 Economia TERÇA-FEIRA, 23 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


DEMI


GETSCHKO


Negócios


Q


uem não gostaria de sanear
a internet, ambiente em que
nos movimentamos e vive-
mos hoje? Remover de lá o que seja
maliciosamente enganador, estupi-
damente virulento ou viciosamente
racista e excludente?
Todos anseiam por um ar leve e
puro. Que apenas informações fun-
damentadas e edificantes cheguem
até nós, e que possamos confiar inte-
gralmente no próximo. Essa utopia,
entretanto, além de não ter guarida
no que conhecemos por “gênero hu-
mano”, estará sempre longe, no ho-

rizonte, como algo a ser incansavel-
mente buscado, porém inatingível. O
perigo é escolhermos caminhos escor-
regadios e falhos para avançar mesmo
um pouco na direção da ansiada meta.
O perigo é a emenda sair pior que o
soneto. Oscar Wilde, numa famosa e
sábia tirada, nos preveniu: “quando os
deuses querem punir alguém, eles
atendem os seus pedidos”.
Visando a atender a esses desejos há
vários projetos em trâmite nas casas
legislativas federais, que se propõem
como eficiente bálsamo para aliviar a
praga das notícias falsas na internet.

Afinal quem não aplaudiria um leniti-
vo para isso? Mas há consequências nu-
ma legislação que inclui a necessidade
de identificação positiva dos usuários
de rede e o rastreamento das mensa-
gens que são repassadas.
Além de eventuais dificuldades in-
transponíveis para sua implantação na
rede global, os projetos trarão grandes
riscos à nossa privacidade e ao exercí-
cio da liberdade de expressão na Inter-
net. Muitas vezes eivados de impreci-
sões técnicas graves e que sugerem
pouca familiaridade com aspectos téc-
nicos do funcionamento da internet,
eles oneram essencialmente os que es-
tão à mão, os inocentes.
Projetos feitos sem extenso debate
prévio com a comunidade, podem le-
var a leis que se comportem como teias
de aranha: apanham os pequenos inse-
tos, enquanto os maiores as rasgam e
escapam. E perde-se o objetivo de se
construir um ambiente jurídico coeren-
te e seguro. Hoje, quando celebramos a

existência da Lei Geral de Proteção de
Dados (LGPD), é irônico ver outras
propostas indo em direção a crescente
vigilantismo, com riscos, até, de defor-
mar o Marco Civil da Internet.
O risco dos pedidos apressados lem-
bra A Mão do Macaco , um curto e som-
brio conto de W.W.Jacobs, escrito em


  1. Resumidamente, um casal idoso
    e seu filho jovem recebem uma visita


de um major, antigo amigo, e na conver-
sa fala-se sobre magia. O major alerta
que isso é algo perigoso, que se deve
evitar. Mostra uma mão mumificada
de macaco, que teria poderes para aten-
der três desejos, e sugere que ela seja
jogada ao fogo, pelos riscos que repre-
senta. A família inicialmente ri-se do
caso mas, ao final, decide ficar com o

tal objeto, ao invés de destruí-lo.
Não resistindo à ideia de testar os
poderes do amuleto resolvem pe-
dir-lhe que seja saldada a dívida re-
manescente da compra da casa: 200
libras. No dia seguinte, após o filho
seguir ao seu emprego, recebem
uma nova visita: é o representante
da empresa onde o filho trabalha,
trazendo uma notícia funesta: o jo-
vem teria sido atingido pela máqui-
na que operava e falecera. E a empre-
sa, contristada, envia aos pais a quan-
tia de 200 libras como maneira de
aliviar a dor... O conto segue – ainda
há dois desejos disponíveis – porém,
já fica claro que podemos nos arre-
pender amargamente quando for-
mulamos pedidos mal engendra-
dos. O pedido foi atendido: as 200
libras chegaram, mas perdeu-se um
bem muito maior! A pressa na cons-
trução de um remédio pode sair
mais grave que o mal que se preten-
dia combater.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Joaquim Levy é


contratado pelo


Banco Safra


Vinicius Neder
Cleide Silva


Às vésperas de retomar a pro-
dução nesta quarta-feira,
após quase três meses de pa-
ralisação, a Nissan anunciou
ontem 398 demissões na
fábrica de Resende (RJ), em
meio à crise provocada pela
pandemia de covid-19. O nú-
mero equivale a 16% da mão
de obra da empresa na unida-
de, onde são feitos os mode-
los March, Versa e Kicks.

A Nissan é a primeira monta-
dora a anunciar demissões no
período da pandemia. O setor,
contudo, pode ter novos cortes
ao longo dos próximos meses
diante da previsão de queda de
40% nas vendas em relação ao
ano passado.
A montadora informou que
vai voltar às operações com ape-
nas um turno de trabalho. An-
tes da parada operava em dois
turnos, com um total de 2,5 mil
funcionários. A empresa alega
que está adequando suas opera-
ções à nova situação do merca-
do automotivo em decorrência
da crise atual e precisou adotar
a medida “para garantir a sus-
tentabilidade do seu negócio
no País e a travessia deste mo-
mento de adversidade”.


Segundo a Nissan, os cortes
levam em conta as projeções de
queda do mercado automotivo
para este ano. A Associação Na-
cional dos Fabricantes de Veícu-
los Automotores (Anfavea) pro-
jetava em janeiro vendas de 3 mi-
lhões de veículos no País, previ-
são revista no início deste mês
para 1,67 milhão de unidades.
O vice-presidente do Sindica-
to dos Metalúrgicos do Sul Flu-
minense, Renato Soares, disse
que não houve negociação com
a entidade e afirmou temer no-
vos cortes. A Nissan negou no-
vas demissões no momento.

Medidas emergenciais. Desde
março, 63 fábricas de veículos
tiveram as atividades suspensas
e recorreram a medidas emer-
genciais criadas pelo governo fe-
deral por meio da MP 936, como
suspensão dos contratos de tra-
balho e redução de jornada e sa-

lários. A MP vence no fim do
mês, mas o governo avalia pror-
rogar até o fim do ano.
Como a suspensão dos con-
tratos tinha validade por dois

meses e prevê mais dois meses
de estabilidade aos trabalhado-
res, a Nissan vai pagar aos demi-
tidos os salários equivalentes a
esse período. Além dos valores

da rescisão, informou que vai
manter o plano de saúde por
três meses e o vale alimentação
por seis meses.
Soares informou ainda que

ontem mesmo dirigentes do sin-
dicato teriam uma reunião com
a direção da Nissan. “O objetivo
é reverter as demissões”, que fo-
ram comunicadas aos trabalha-
dores em suas casas.
Todo o setor vem retomando
a produção gradualmente com
níveis de atividade bem abaixo
do que tinha antes da pandemia.
A GM, por exemplo, concluiu
a retomadas das atividades em
suas cinco fábricas no País na
semana passada com apenas
50% dos cerca de 15 mil funcio-
nários e avalia o que fazer nos
próximos meses com a alta ocio-
sidade das fábricas. As monta-
doras empregam atualmente
125,1 mil trabalhadores, quase 5
mil a menos do que há um ano.
Ontem foram retomadas ati-
vidades na Ford em Camaçari
(BA) e nas unidades da Toyota
em Indaiatuba, Porto Feliz e
São Bernardo do Campo (SP).
A fábrica de Sorocaba volta a
operar no dia 26, assim como
parte da planta da Hyundai em
Piracicaba. A PSA, em Porto
Real (RJ), e a unidade da Ford
que produz motores em Tauba-
té religam as máquinas hoje, en-
quanto a Honda terá o retorno
das plantas de Sumaré e Itirapi-
na no dia 13 de julho – todas elas
no Estado de São Paulo.

Fernanda Guimarães


O fenômeno do juro real zero
no Brasil e crescimento do mer-
cado de capitais no País motiva-
ram o BTG Pactual a colocar o
pé no acelerador em sua plata-
forma digital, lançada há quase
quatro anos. Para dar gás ao
crescimento da unidade, o BTG
vai levantar R$ 2,5 bilhões por
meio de uma oferta de ações em
bolsa, dinheiro com destino ca-
rimbado para o varejo digital,
unidade comandada desde o
ano passado por Amos Genish.
A operação mostra que o ban-
co enxerga oportunidades de


crescimento de sua plataforma,
em um momento em que o nú-
mero de pessoas físicas na Bol-
sa não para de bater recordes –
em maio, eram 2,5 milhões de
CPFs na B3. Com o juro real ze-
ro por aqui, a projeção é de que
um volume grande de dinheiro
precisará buscar rentabilidade.
A oferta de ações, conforme
fontes, foi pensada para aprovei-
tar o momento de mercado, de
alta liquidez global. Em fato re-

levante, o BTG destacou que
pretende utilizar os recursos
líquidos da oferta “para acele-
rar iniciativas estratégicas e o
crescimento da sua plataforma
de varejo digital”.
Por enquanto, o BTG ainda
não abriu ao mercado os núme-
ros de sua plataforma digital ou
número de clientes, mas o cres-
cimento vem sendo robusto.
Conforme fonte de mercado, o
BTG Pactual Digital teria mais
de 300 agentes autônomos em
cerca de 70 assessorias de inves-
timentos.
A XP, líder no mercado, tem 2
milhões de clientes e quase 6
mil agentes em 620 assessorias
de investimentos, conforme da-
dos que constaram em seus do-
cumentos na época em que
abriu capital. Os agentes autô-
nomos são um dos temas na me-
sa da Comissão de Valores Mo-
biliários (CVM), que caminha

para acabar com a exclusivi-
dade desses profissionais.
Para dimensionar o tama-
nho que pode atingir esse ne-
gócio do BTG, investidores
têm olhado a performance
da XP, cujo crescimento tem
sido estrondoso. Listada na
bolsa norte-americana Nas-
daq desde dezembro de
2019, a XP, auxiliada também
pela taxa de câmbio, já supe-
rou um valor de mercado de
R$ 130 bilhões – mais do que
o dobro do que o do BTG na
B3, apesar de seu resultado
ser bem inferior ao do rival.
O BTG pretende lançar
ainda em 2020 seu banco
transacional, que oferecerá
aos clientes cartão de crédito
e a possibilidade de pagamen-
to de contas. A XP planeja o
mesmo tipo de lançamento
também para este ano.
O BTG é coordenador lí-
der da oferta, que será bastan-
te rápida e com sua precifica-
ção marcada para daqui uma
semana, no próximo dia 29.
Também trabalham na ope-
ração o Bradesco BBI, Itaú
BBA e Santander.

Aline Bronzati

O ex-ministro Joaquim Levy
vai integrar o time do banco Sa-
fra, no cargo de diretor de estra-
tégia econômica e relações com
mercados.
Doutor em economia pela
Universidade de Chicago, Levy,
de 59 anos, foi ministro da Fa-
zenda no segundo mandato da
presidente Dilma Rousseff e te-
ve rápida passagem pelo coman-
do do Banco Nacional de Desen-
volvimento Econômico e So-
cial (BNDES), durante o gover-
no Jair Bolsonaro. Mais recente-
mente, Levy desenvolvia pes-
quisas sobre tecnologias susten-
táveis e transição de economias
para emissões zero de carbono
na Universidade de Stanford,
nos EUA.
O executivo desembarca no
Safra em uma nova fase do ban-
co, focada em diversificação de

receitas e mais voltada ao varejo.
Com patrimônio líquido de R$
12 bilhões ao fim de março últi-
mo, a instituição soma cerca de
R$ 250 bilhões em ativos e cartei-
ra de crédito de R$ 110 bilhões. O
banco integra o Grupo J. Safra,
presente em 25 países, com R$ 1
trilhão em ativos sob gestão.
O cargo que Levy irá ocupar
não existia: foi criado sob medi-
da para ele. Ao recrutá-lo, o Sa-
fra segue a estratégia de outros
competidores que buscam no-
mes de peso no mercado, princi-
palmente com atuação no setor
público, para ganhar holofotes.
Procurado, o Safra disse que se
limitaria às informações ofi-
ciais divulgadas sobre a nova
contratação.
Escolhido pelo ministro da
Economia, Paulo Guedes, Levy
deixou o BNDES há um ano,
após desentendimentos com
Bolsonaro. O engenheiro naval
foi diretor-geral e financeiro do
Banco Mundial e teve passa-
gens também pelos governos
FHC e Lula. Ocupou ainda ca-
deira no Bradesco, como res-
ponsável pela gestora de recur-
sos, a Bram.

Atendendo a desejos...


Prestes a retomar produção, Nissan


demite quase 400 na fábrica de Resende


l Recuo

MARCOS DE PAULA/ESTADÃO - 26/1/2015

E-MAIL:ESCREVE [email protected] QUINZENALMENTE

Projetos sem extenso debate
podem levar a leis que se
comportam como teia de aranha

l Potencial de expansão

2,5 milhões
era o total de pessoas físicas in-
vestindo na Bolsa em maio

300
é o total de agentes autônomos
associados ao BTG Digital

Mudança. Montadora afirmou que voltará às operações com apenas um turno de trabalho

Número equivale a 16% da mão de obra na unidade, onde são feitos os modelos March, Versa e Kicks; primeira montadora a anunciar


demissões durante a pandemia, companhia afirma que corte leva em conta as projeções de queda do mercado automotivo para este ano


Banco vai levantar


R$ 2,5 bi por meio de


uma oferta de ações em


bolsa para investir no


varejo digital


De olho em juro zero, BTG


acelera plataforma digital


40%
é a queda nas vendas
esperada pelo setor automotivo
para este ano na comparação
com o desempenho do ano
passado
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