O Estado de São Paulo (2020-06-24)

(Antfer) #1

Hairton Ponciano


A médica Anelis de Souza Mar-
tins Freitas, de 30 anos, nunca
havia sentido necessidade de
ter um automóvel. Em seus des-
locamentos pela cidade de São
Paulo, para ir e voltar do traba-
lho, ela diz que sempre privile-
giou o transporte por aplicati-
vo, metrô e trem. Mas a pande-
mia causada pelo novo corona-
vírus mudou tudo. Como traba-
lha em uma atividade essencial,
Anelis não pôde deixar de sair
de casa. Por isso, decidiu que ha-
via chegado o momento de ter
um carro. “Com ele, diminuo
minha exposição ao risco, e tam-
bém protejo a população que
utiliza transporte público”, diz.
A médica, que utiliza o re-
cém-adquirido sedã Hyundai
HB20S nos trajetos entre a mo-
radia e os três hospitais em que
trabalha, é representante de
uma nova tendência mundial.
Pesquisa realizada com 11 mil
pessoas em 11 países pelo insti-
tuto Capgemini constatou que
35% dos entrevistados conside-
ram comprar um veículo ainda
neste ano. Na China, onde o no-
vo coronavírus surgiu, o índice
é ainda maior: 61%. Na Índia,
57% pretendem adquirir um au-
tomóvel e na Itália, 43%.


Reversão de tendência. Entre
os dados da pesquisa que mais
chamam a atenção está o alto
interesse dos jovens pelo veícu-
lo próprio. Dos entrevistados
com idade entre 18 e 24 anos
que manifestaram intenção em
comprar um automóvel, 85%
pretendem comprar um carro
pela primeira vez. Na faixa en-
tre 25 e 35 anos, 79% também
nunca tiveram carro.
De acordo com informações
da Capgemini, o resultado da
pesquisa aponta uma reversão
histórica, já que os mais jovens
vinham demonstrando total fal-
ta de interesse pelo veículo pró-
prio. Até recentemente, essa
parcela da população vinha pri-
vilegiando uso de transporte pú-
blico, por aplicativos e o com-
partilhamento de automóveis.
Todas essas modalidades pas-
saram a ser evitadas por causa
do maior risco de exposição ao
novo coronavírus. O instituto
constatou que 75% dos que pre-
tendem comprar carro este ano
tomaram a decisão para ter me-
lhor controle sobre a higiene.
O estudo não contempla o
Brasil, mas a nova tendência já
foi percebida pelo diretor do
Centro de Formação de Condu-
tores (CFC) Veja, localizado na
zona norte da capital, Fernan-
do Atorino. Embora o Detran-
SP ainda não tenha autorizado a
realização de aulas para candi-
datos a motorista no Estado de
São Paulo (o que segundo Atori-
no deve ocorrer a partir do dia
10 do mês que vem), ele afirma
que vem recebendo muitas con-
sulta de pais e mães de jovens.
“Eles não querem que os filhos
andem em transporte público.”
Atorino diz que a procura por
informações sobre a obtenção
de habilitação para motocicle-
tas também tem sido grande.
Vice-presidente de vendas da
Hyundai Motor Brasil, Angel


Martinez diz que o número de
compradores de carros da mar-
ca com menos de 35 anos cres-
ceu em abril e maio. Mas o exe-
cutivo pondera que ainda é ce-
do para saber se essa tendência
irá se consolidar.
Isso porque, de acordo com

ele, as concessionárias ficaram
fechadas por mais de dois me-
ses, o que fez aumentar as ven-
das por meios digitais (leia mais
abaixo). Como os jovens em ge-
ral têm mais afinidade com esse
tipo de ferramenta do que o con-
sumidor tradicional, isso pode

explicar a mudança percebida
no perfil dos compradores.
Martinez admite, porém, que
o consumidor mais jovem, que
costumava utilizar o transporte
por aplicativo, esteja buscando
maior proteção diante dos ris-
cos de contaminação e venha
optando pela compra do carro
próprio. O executivo da Hyun-
dai acrescenta que muitas pes-
soas com menos de 35 anos são
casais que já têm ou estão consi-
derando ter filhos. “Com a pers-
pectiva de vida em família, o car-
ro próprio torna-se muito mais
atrativo por oferecer proteção,
conforto e comodidade”, diz.

‘Celebração’. Além da decisão
de compra por quem pretende
evitar aglomerações, o diretor
de marketing da FCA, Frederi-
co Bataglia, acrescenta que
uma parte das vendas no perío-
do pós-pandemia poderá ser di-
recionada ao que ele chama de
“consumo celebrativo”. Isso
significa que, passada a fase de
dificuldade, a parcela mais pri-
vilegiada da população tende a
sair do isolamento social decidi-
da a comemorar, e isso pode se
manifestar na forma de consu-
mo que inclui, por exemplo,
comprar um “carro de sonho”.
Essa tendência foi percebida

pelo Google. “Há quem decidiu
comprar o carro que sempre so-
nhou, como se estivesse presen-
teando a si mesmo”, disse o lí-
der da área de mobilidade da
empresa, Gustavo Pena, em li-
ve promovida pela Anfavea.
A pandemia também deve tra-
zer novos compradores por ou-
tras razões, segundo Bataglia.
Ele afirma que tem havido au-
mento no número de separa-
ções de casais durante o perío-
do de isolamento. É possível
que cada um decida ter seu pró-
prio veículo (em vez de um úni-
co que servia para a família).

Home office. Outro fator que
pode levar à alta nas vendas é
aumento do número de pessoas
trabalhando de forma remota.
Segundo Bataglia, o isolamento
social deixou evidente que mui-

tas atividades podem ser exerci-
das sem que o funcionário este-
ja fisicamente na empresa. As-
sim, se antes a tendência era mo-
rar perto do trabalho para evi-
tar longos deslocamentos, mes-
mo que isso significasse com-
prometer a qualidade de vida,
agora muita gente deverá optar
por trocar os centros urbanos
por locais mais distantes, que
ofereçam mais conforto e uma
vida mais saudável. Nesse caso,
haveria aumento da necessida-
de do carro, mas não para o tra-
balho, e sim voltado ao lazer.
Com isso, diz o diretor da
FCA, a compra poderá ser mais
“aspiracional”, o que significa a
opção por automóveis mais ca-
ros. Isso reforça a tese de que os
SUVs sairão da crise com prestí-
gio inabalado, graças ao porte e
ao status atribuído a eles.
Martinez, da Hyundai, con-
corda. De acordo com o executi-
vo, em um primeiro momento
pode haver alta na procura por
carros básicos. Mas a preferên-
cia pelos SUVs não deverá dimi-
nuir, “pois trata-se de uma ten-
dência consolidada”.
Bataglia lembra que nada dis-
so vai se refletir em aumento do
tamanho do mercado. Pelo con-
trário. O diretor da FCA diz que
quem não tem opção continua-
rá dependente do transporte pú-
blico. A opinião é compartilha-
da pelo vice-presidente do insti-
tuto Capgemini no Brasil, Giu-
lio Salomone. Segundo ele, as-
sim como em outros países,
aqui a busca pelo transporte in-
dividual também vai crescer.
Bataglia diz que para o Brasil
retornar aos patamares de 2019
(cerca de 2,6 milhões de unida-
des entre automóveis e comer-
ciais leves), serão necessários
“de dois a três anos”.

Aos poucos, as concessionárias
vão reabrindo as portas em di-
versas cidades, como São Pau-
lo. Mas, por causa da pandemia
e do isolamento social, uma par-
cela dos clientes migrou para as
compras na internet e ao siste-
ma de entrega domiciliar. E isso
vale até para bens de valor eleva-
do, como automóveis. Por isso,
diversas fabricantes investiram
em processos de vendas online.
De acordo com dados da pes-
quisa feita pelo instituto Capge-
mini, 46% dos entrevistados
afirmaram que pretendem mini-
mizar a visita às lojas para com-


parar ofertas. Eles também dis-
seram que a intenção é usar
principalmente canais online
para pesquisa e compra.
Foi o que fez a médica Anelis
de Souza Martins Freitas. Ela
conta que realizou todos os trâ-
mites da aquisição de seu Hyun-
dai HB20S de forma remota.
Depois de fazer uma pesquisa
inicial na internet, ela entrou
em contato com a concessioná-
ria e passou a se comunicar com
o vendedor via WhatsApp. Ane-
lis diz que recebeu todas as in-
formações referentes a preços,
versões e equipamentos.

Ela recebeu o veículo escolhi-
do para test drive em casa e deci-
diu fechar o negócio. A assinatu-
ra do contrato também foi feita
de forma digital e, uma semana
após o início de todo o proces-
so, o carro novo foi entregue no
endereço escolhido por Anelis.
A nova modalidade de venda
acaba de ser lançada pela mar-
ca. Batizada de Hyundai Ex-
press, o canal digital é para nego-
ciação das linhas HB20 e Creta,
que engloba seis etapas do pro-
cesso de compra. Tudo começa
pela configuração do veículo no
site, passa pelo atendimento do
vendedor por aplicativo de men-
sagem com videochamadas,
agendamento de test drive em
domicílio, avaliação online do
usado que entrará na troca, si-
mulação de financiamento e en-
trega do carro em casa.
A Chevrolet informa que, na
comparação com o período an-
terior à pandemia, o interesse

de consumidores que atualmen-
te aceitam realizar todo o pro-
cesso de compra online tripli-
cou. A marca mantém uma loja
virtual no Mercado Livre.
Além de uma loja virtual no
mesmo site, a BMW lançou nes-
ta semana um canal de vendas

pelo Facebook, com a chegada
do BMW X5 M50i ao Brasil
(mais informações na próxima
página). Segundo o responsá-
vel pelo marketing da BMW do
Brasil, Jorge Junior, “estar pre-
sente em novas plataformas re-
presenta a evolução do compor-

tamento de consumo digital, já
que todos estão cada vez mais
conectados”. A marca tem adi-
cionalmente loja no Instagram.
A Mercedes-Benz estreou no
dia 8 deste mês sua loja no Insta-
gram. De acordo com o gerente
sênior de vendas de automó-
veis da empresa no Brasil, Dirlei
Dias, “as redes sociais têm sido
um espaço além da distração
neste momento, e estamos
prontos para atender a este no-
vo formato de mercado”.
Por ora, o novo canal de ven-
das da marca alemã oferece três
modelos: o sedã C 180 nas ver-
sões Avantgarde e Exclusive
(ambos a partir de R$ 169.900)
e o SUV GLA 200 Advance (a
partir de R$ 179.900). Para aces-
sar a loja virtual e conhecer os
produtos, basta visitar o perfil
da Mercedes-Benz no Insta-
gram @mercedesbenzbrasil e
navegar a partir da função “ver
loja”. / H.P.

lMedo de contágio

Jornal doCarro


HYUNDAI/DIVULGAÇÃO

HYUNDAI/DIVULGAÇÃO

●Para evitar risco de contágio, na China 61% dos entrevistados
manifestaram intenção de adquirir automóvel este ano

CRESCE INTERESSE NA COMPRA DE CARRO

Média

China
Índia

Itália
Espanha

Estados Unidos
França
Reino Unido

Noruega
Alemanha

Suécia
Holanda

EM PORCENTAGEM

FONTE: INSTITUTO CAPGEMINI INFOGRÁFICO/ESTADÃO

OBS.: LEVANTAMENTO FEITO EM 11 PAÍSES, ENTRE OS DIAS 4 E 8 DE ABRIL

35

61
57

43
36

34
32
27

25
25

21
18

85%
é a proporção de pessoas na
faixa entre 18 e 24 anos que
nunca tiveram automóvel, mas
que passaram a considerar a
a compra como forma de evitar
o transporte público e ter maior
controle sobre a higiene.

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Chave na mão.
A médica Anelis
Freitas decidiu
ter carro para
se preservar

Por causa da pandemia, pessoas que não pensavam em ter veículo próprio mudaram de ideia


%He1DrmesFileInfo:B-1:202 0062 4: QUARTA-FEIRA,24DEJUNHO DE 2020ANO38 -Nº1923 OESTADODES. PAULO

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