Há quase um século, enquanto descia esta
cumeada, Irvine e o seu parceiro de escalada,
George Mallory, desapareceram. Desde então, o
mundo interroga-se se um, ou ambos, poderão
ter alcançado o cume nesse dia, 29 anos antes de
Edmund Hillary e Tenzing Norgay serem reco-
nhecidos como os primeiros a chegar ao cume do
Evereste. Pensa-se que Irvine transportava uma
máquina fotográfica Vest Pocket Kodak. Se fosse
encontrada e tivesse fotografias do cume, a histó-
ria do pico mais alto do mundo seria reescrita.
Examinei o terreno em redor. Havia uma série
de escarpas, pequenas e íngremes, ensanduicha-
das entre plataformas cobertas de neve e detri-
tos numa zona de rocha de tom claro, conhecida
como Faixa Amarela (Yellow Band). Quatro mil
metros abaixo, a planície árida do planalto do Ti-
bete reluzia como uma miragem.
Eu mal dormira nas últimas 48 horas e sentia-
-me fraco e enjoado devido à altitude extrema.
Desde que saíra do Acampamento-Base Avança-
do, a 6.400 metros, três dias antes, só conseguira
engolir alguns pedaços de caril liofilizado, um
punhado de cajus e uma única dentada de um
chocolate no cume do Evereste – que vomitei em
seguida. Estava muito cansado e o meu cérebro
privado de oxigénio implorava-me que me deitas-
se e fechasse os olhos. Contudo, um resquício de
lucidez e o bom senso diziam-me que, se o fizesse,
poderia nunca mais acordar.
Algumas rochas pequenas mexeram-se lá em
cima. Olhei e vi o fotógrafo Renan Ozturk a descer
a cumeada na nossa direcção. Tinha o braço enro-
lado na finíssima corda roxa fixa que funcionava
como o nosso cordão umbilical até ao cume, onde
estivéramos várias horas antes. Ozturk deslizou
até parar e caiu no chão ao meu lado. Virei-me
para ele. “O que achas?”
Ofegante, com o peito a arfar pesadamente,
não me respondeu logo. Quando finalmente recu-
perou o fôlego, ouvi a sua voz abafada através da
máscara de oxigénio: “Devias ir.”
Acedi com a cabeça, soltei-me da corda e dei
os primeiros passos he-
sitantes, descendo a sa-
liência rochosa inclinada.
Assim que larguei a cor-
da, Lhakpa Sherpa gritou,
“Não, não, não!”
Acenei-lhe com a mão.
“Só preciso de fazer uma
confirmação. Não vou afas-
tar-me muito.”
Esta imagem, colorida à
mão, mostra um Irvine
sorridente (ao fundo, à
esquerda) ao lado de
Mallory, que tem a bota
pousada em E.O.
Shebbeare, o responsá-
vel pelo transporte.
Com alpinistas experien-
tes, a equipa de 1924
empreendeu a terceira
tentativa britânica de
escalar o Evereste num
período de quatro anos.
O
GRANDE
MISTÉRIO
DO
EVERESTE
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APOIO
Esta edição contou
com a revisão técnica
da Federação Portu-
guesa de Montanhismo
e Escalada.