Virei-me para a encosta, assumindo a posição
de alguém que vai descer por um escadote e enfiei
a ponta do meu piolet na neve, rija como rocha.
Olhando para baixo, entre as pernas, apercebi-me
do vazio vertiginoso existente entre mim e o gla-
ciar, lá no fundo. Várias centenas de metros abaixo
de mim ficava o terraço de neve onde Mallory fora
encontrado. Eu estava agora quase directamente
acima do local onde ele morrera. Consultei de novo
o meu GPS. A seta da bússola apontava para no-
roeste. Mais quinze metros.
Depois de descer alguns metros, fiz uma pausa
num bloco estilhaçado de calcário castanho pá-
lido. A ravina tinha cerca de 2,5 metros de altura
e era tão íngreme como um escorrega. Não teria
muita importância noutro sítio qualquer, mas
aqui em cima, no meu estado esgotado, sozinho e
sem uma corda, senti-me assustado. A prudência
mandava-me voltar para trás, mas a curiosidade
era mais forte. Com a picareta ainda cravada na
neve, desci para a rocha. Os grampos das botas es-
corregaram, fazendo um ruído semelhante ao de
unhas a arranharem um quadro de ardósia.
Chegado ao fundo da ravina, respirei profun-
damente. Três metros à minha direita estava uma
pequena reentrância envolvida por uma parede ro-
chosa. A meio da parede havia uma risca de rocha
castanho-escura com uma fenda estreita. O GPS
dizia que eu chegara. Foi então que me apercebi: a
rocha escura era a “fenda” que eu vira com o drone.
Aparentemente, era uma ilusão de óptica. A fenda
ao centro tinha 23 centímetros de largura. Era de-
masiado estreita para uma pessoa poder rastejar
para o interior. E estava vazia. Ele não está aqui.
A vertente era demasiado íngreme para eu me
sentar, por isso fixei o pé direito de lado num
pedaço de neve e encostei o joelho esquerdo à
montanha. Debruçado sobre o meu piolet, com o
queixo encostado ao peito, inalei profundamen-
te o oxigénio da minha máscara, tentando dis-
sipar a neblina da minha mente. Quando olhei
novamente para cima, pestanejando sob o sol do
meio-dia, a fenda continuava vazia. Lá no alto, o
cume reluzia contra um céu azul pálido, imutável
e indiferente, como sempre, àqueles que procu-
ravam desvendar os seus segredos.
Tínhamos seguido todas as pistas e vasculha-
do as encostas da montanha com drones e eu
arriscara a vida para resolver um dos maiores
mistérios do Evereste. E tal como acontecera a
todos os outros que o tentaram, chegámos ao
fim com mais perguntas do que respostas. O que
acontecera a Irvine naquele dia? Onde se encon-
traria o local do seu repouso final? Teria alguém
retirado o seu corpo da encosta, ou a corrente de
jacto, ou uma avalancha, haviam-no arrebatado
para o esquecimento?
Eu não tinha resposta para nenhuma destas
perguntas. No entanto, aprendera algo sobre a
atracção exercida pelo Evereste, que leva as pes-
soas a esforçarem-se tan-
to: se não tivesse seguido
os passos de Sandy Irvine,
nunca o teria feito sozinho.
Só posso afirmar, com total
certeza, que o mistério de
Mallory e Irvine continua-
rá a subsistir, talvez para
sempre. E não há qualquer
problema nisso. j
Inalando profundamente
o oxigénio das suas
máscaras na atmosfera
rarefeita da Zona
da Morte, Irving
(à esquerda) e Synnott
seguiram uma corda
fixada na aresta
nordeste, a cerca
de 8.300 metros
de altitude. Só há
cinco montanhas
mais altas no mundo.
O
GRANDE
MISTÉRIO
DO
EVERESTE
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