National Geographic - Portugal - Edição 232 (2020-07)

(Antfer) #1

72 NATIONALGEOGRAPHIC


Nafaculdade,li o livro“TheSnowLeopard”,de
PeterMatthiessen,e fiqueiobcecadocoma ideia
deverumadestascriaturasesquivas.Talvezpor-
queoautornuncaconseguirafazê-lo.Em1973,
Matthiessene o lendáriobiólogoGeorgeSchaller
passaramdoismesesa caminharnoNepale viram
sinaisdosfelinos,masnuncaavistaramumani-
mal.Naquelaaltura,Schallertinhaa reputaçãode

O S
LEOPARDOS-
-FANTASMA
DOS
HIMALAIA

KIBBERÉOLOCALPERFEITO
PARAOBSERVAROSFELINOS
COMALGUMGRAUDE
PREVISIBILIDADE, MAS
AVIAGEMNÃOÉ PARA
GENTEDEÂNIMOFRACO.

serumdeapenasdoisocidentaisquetinhamvis-
toumleopardo-das-nevesselvagem.Em1970,ele
captouaquelaquesecrêsera primeirafotografia
deumleopardo-das-nevesnoseuhabitat.Duran-
temaisdeduasdécadas,foia únicaimagemco-
nhecidadesteanimalsolitárioe obscuro.
Por isso,eraprofundamente irónicoque,en-
quantoeuestavaprestesaveromeuprimeiro
leopardo-das-neves,o sommaispersistenteque
ouviaerao zumbidodeduasdezenasdemáqui-
nasfotográficas,captandocentenasdeimagens
dofelino.Alémdemime dePrasenjeet,haviano
penhascoturistasdetodoo mundo,a maioriados
quaisdebruçadossobreteleobjectivascaras.
Nos últimos anos, Kibber tornou-se o local per-
feito para observar os felinos com algum grau de
previsibilidade, mas a viagem não é para gente
de ânimo fraco. O único acesso à aldeia é uma es-
trada aos ziguezagues, com apenas uma faixa de
rodagem, rasgada nas montanhas íngremes. E é
preciso ir no Inverno, quando os leopardos-das-
-neves seguem as suas presas até altitudes mais
baixas, o que signifi ca que grandes extensões da
estrada estão cobertas de neve e gelo.
No dia anterior, enquanto eu e Prasenjeet fa-
zíamos a viagem de carro, dei por mim a agarrar
com força o puxador da porta enquanto ele fazia
curvas de 180 graus e ângulos mortos. De vez em
quando, víamos chuviscos de gravilha caindo so-
bre a estrada e ele parava o veículo para examinar
o penhasco. Passado algum tempo, prosseguía-
mos e eu agarrava o puxador com mais força.


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Ele explicou-me, sem rodeios, que todos os con-
dutores que viajam por aquela estrada contam
histórias sobre veículos que derraparam e caíram
a pique ou foram esmagados por rochas soltas.
A nossa própria viagem sofrera um atraso de dois
dias, pois a estrada fora bloqueada por um desli-
zamento. Foi utilizada dinamite para a limpar,
causando mais um deslizamento. “Não te preocu-
pes”, disse-me ele. “É 95% seguro.”
No entanto, as preocupações dis-
siparam-se enquanto observávamos
o leopardo-das-neves. Pouco depois,
começaram a ouvir-se murmúrios en-
tre os guias e os turistas. Três cabras da
Sibéria tinham aparecido no penhas-
co, a cerca de cem metros do leopardo.
Vimos o felino captar-lhes o cheiro, re-
tesar-se e levantar, devagar, a cabeça.
Com movimentos lentos, subiu a es-
carpa. Fazia pausas com frequência e
permanecia tão quieto que eu o perdia
de vista até ele voltar a mexer-se. “Quer subir para
um local acima das cabras para as perseguir até à
borda do penhasco”, sussurrou Prasenjeet.
Passados cerca de 20 minutos, o felino aproxi-
mara-se a 30 metros das cabras. O zumbido das
máquinas fotográfi cas parou e todos pareceram
suster a respiração. Foi então que um apito agudo
cortou o silêncio e as cabras se assustaram. “É o seu
grito de alerta”, disse Prasenjeet. “Uma delas deve
tê-lo cheirado.” Serenamente, o leopardo-das-ne-
ves desceu e desapareceu da nossa vista. Os turistas
gritaram, distribuindo cumprimentos de entusias-
mo e seguiram os seus guias de regresso a Kibber.

“Por favor, sente-se mais
perto do fogo”, pediu-me
Tanzin Thinley. O vento
sacudia uma fi leira de
bandeiras de oração
penduradas do lado de
fora da janela. Juntámo-
-nos em torno do fogão
a lenha da sala de estar.

A sua mulher, Kunzung, ciran-
dava à minha volta, trazendo-
-me chai, um cobertor de pêlo
de iaque e meias de lã tricotadas
à mão, com medo de que eu não estivesse sufi cien-
temente quente.
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