National Geographic - Portugal - Edição 230 (2020-05)

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As crias habitavam um recinto maior nas tra-
seiras da infra-estrutura, com alimento em abun-
dância, mas sem contacto com seres humanos. Os
seus tratadores até evitavam ser vistos para que os
animais, quando libertados, temessem os seres
humanos e não os associassem a alimento.
Vi uma capivara (um roedor nativo, grande
e carnudo) viva introduzida num recinto, mas
a fêmea adulta no interior não estava a prestar
atenção ou não tinha fome. Haveria de encontrar
a presa a seu tempo. Um grande jaguar macho co-
nhecido como Nahuel andava para trás e para a
frente junto de uma vedação, com os músculos a
ondular sob o seu pêlo macio às manchas.
Como é evidente, estes felinos são tão ferozes
como belos e podem matar gado em qualquer sí-
tio onde as vacas e as ovelhas tenham ocupado o
lugar das suas presas naturais. Agora não há vacas
nem ovelhas na ilha de San Alonso e a sua erva
serve de alimento a muitos cervos-do-pantanal
e a uma abundância quase cómica de capivaras
(em parte graças à longa ausência dos jaguares


“São animais instintivos. Não podem ser cria-
dos como animais de companhia. Com um ano, já
têm garras grandes e são perigosos”, disse.
Acontece frequentemente estes órfãos ficarem
abandonados quando a sua progenitora é morta
no decurso de um confronto com um caçador e
os seus cães. Por vezes, também conseguem ma-
tar um cão. Um urso-formigueiro-gigante adulto
é uma criatura magnífica e improvável com pêlo
malhado que lhe desce pelo lombo, patas bran-
cas, uma risca preta, uma enorme cauda peluda
que lhe serve de cobertor quando dorme, um fo-
cinho graciosamente curvo que funciona como
acessório de aspiração, uma língua com metade
do comprimento do corpo e garras. Havia oito
adultos em recintos maiores relativamente per-
to de Quisco. Quando Griselda chegou com o seu
jantar (uma papa à base de ração para gato e água,
pois os seus tratadores só conseguem recolher um
número limitado de formigas por dia), dois deles
apressaram-se a comer. Quando forem libertados
na natureza, o seu instinto levá-los-á a ingerir no-
vamente formigas e térmitas.

que as devoram), algumas delas com cerca de se-
tenta quilogramas. É por isso que San Alonso é o
sítio certo para começar. As primeiras libertações
poderão acontecer em breve. A reintrodução dos
jaguares numa área mais vasta de Iberá será mais
complicada, pois exigirá aceitação social e dispo-
nibilidade de animais selvagens como presas.
A Tompkins Conservation está a abordar essas
questões através de uma campanha de formação
e eventos, pensada para promover a valorização
dos jaguares enquanto parte do legado da provín-
cia de Corrientes. Na festa do primeiro aniversá-
rio das duas crias de jaguar, na vila de Concep-
ción, vi mais de cem pessoas, adultos e crianças,
festejando num pátio entre murais com desenhos
coloridos de animais, música de guitarras e acor-
deões, crianças pequenas a atirar serpentinas co-
loridas, bolachinhas em forma de patas de jaguar
distribuídas gratuitamente e um espectáculo
de marionetas. Os miúdos revezaram-se a posar
para fotografias diante de um enorme cartaz com
a imagem de um jaguar, rugindo como um. “Cor-
rientes Ruge”, dizia a legenda do cartaz.


O ESFORÇO DE REGRESSO ao estado selvagem tam-
bém envolve araras-de-asas-verdes, veados-campei-
ros, pecaris, lontras-gigantes e ursos-formi-
gueiros-gigantes. Algumas das medidas preparató-
rias relativas a estes animais têm lugar num recinto
de quarentena, situado ao fundo de uma estrada
secundária por detrás de uma dupla vedação, junto
da vila de Corrientes, a capital da província.
Uma mulher chamada Griselda “Guichi” Fer-
nández, outrora cozinheira e empregada de lim-
peza e funcionária da Tompkins Conservation há
mais de dez anos, é agora a especialista em cuida-
dos e mãe adoptiva dos pequenos ursos-formiguei-
ros aqui criados, cada um no seu próprio recinto.
Vimos Griselda dar um biberão a um deles, conhe-
cido como Quisco, que se agarrou a ela enquanto o
seu focinho comprido encontrava a tetina e a sua
língua semelhante a um fio de esparguete lhe saía
da boca para recolher o leite. Depois de comer, de-
liciou-se com os mimos de Griselda, que lhe fazia
cócegas na barriga. No entanto, aquela intimidade
descontraída não poderia durar para sempre.

“Fomos desprezados durante 4 ou 5 anos”,


diz Kris Tompkins. “Achavam que nós éramos uma seita.”

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