UMEXEMPLONOSUL 83
gentina, todas ligadas (mas sem soberania) para
formar um único e grande parque. Passadas duas
semanas, Kris, Sofía e Sergio estavam no gabinete
de Mauricio Macri, o novo presidente da Argenti-
na e o acordo foi celebrado. Kris Tompkins podia
ter-se vestido de preto, a cor da viuvez, para essa
reunião. Em vez disso, apareceu com uma cami-
sola branca, conseguindo mostrar um sorriso que
transmitia a mensagem implícita: já chega de jo-
gos políticos. A vida é curta. Vamos a isto.
Cinco anos passados, os antigos críticos reco-
nhecem agora o valor patrimonial do regresso ao
estado selvagem e os benefícios do turismo. “Ha-
via quem não gostasse do Doug por ele ser um ian-
que”, disse Sergio Flinta. “Agora agradecem-lhe.”
DE VOLTA AO Parque Nacional da Patagónia, no
Chile, subo o vale de Chacabuco na companhia de
um guia para avistar aves aquáticas, a partir de um
miradouro situado acima do lago dos Cisnes. Na
extremidade ocidental do lago, álamos (conhecidos
noutras paragens como choupos da Lombardia),
OS ESFORÇOS EM PROL DA RECUPERAÇÃO da
natureza nas propriedades dos Tompkins em Iberá,
para as juntar a terrenos públicos e criar um grande
parque que suporte um modelo económico baseado
no turismo comunitário nas zonas húmidas, têm sido
demorados e turbulentos. Sofía Heinonen, actual
directora executiva da Tompkins Conservation na
Argentina, que começou a gerir o projecto Iberá em
2005, disse-me que, a princípio, as pessoas se refe-
riam a Doug Tompkins como “o gringo que queria
roubar a água”. A frase tornou-se um slogan da opo-
sição: “Os gringos vêm atrás da água.” Para os argen-
tinos, tal como para os chilenos, na época de Huinay,
era difícil acreditar que dois americanos ricos qui-
sessem comprar terras para as doar. Alguns funcio-
nários públicos da província de Corrientes também
suspeitaram da ideia dos grandes parques, bem
como os latifundiários, presos ao velho modelo eco-
nómico de criação de gado, silvicultura e orizicultura.
O apoio dos funcionários públicos de Corrien-
tes era fundamental porque, além das proprieda-
des de Tompkins e das terras do governo nacio-
ensombram uma mesa e uma tabuleta que diz:
ÁREA DE PICNIC PICAFLOR Y ÁGUILA. Lolo e Bir-
die acamparam pela primeira vez no local em 1993,
a caminho da viagem de exploração à Argentina e
regressaram lá quase todos os anos até à sua morte.
Hoje, uma família chilena de uma vila vizinha,
na companhia de um visitante vindo de Santia-
go, partilham ali o almoço. Ponho-me à conversa
com a mulher, uma advogada chamada Andrea
Gómez Jaramillo. Conta que já visitara o local an-
teriormente para apreciar a vida selvagem e que
os guanacos são divertidos. Revela que há um
ano, até viu um puma. Mais: Renata, a filha, tam-
bém o viu. Foi uma experiência inesquecível.
Nessa noite, enquanto jantamos um prato de
massa cozinhado por Kris Tompkins, ela diz-nos
que vai voar na madrugada seguinte, com o seu
piloto, no Husky, para visitar um sítio interessan-
te nas encostas chilenas de Cerro San Lorenzo,
imediatamente a sul da fronteira com os Andes,
que talvez valha a pena comprar.
“Como terminará isto, Kris?”, pergunto-lhe.
“Não termina”, diz. “Só quando eu morrer.” j
nal, grande parte de Iberá pertencia à província.
“Batemos a todas as portas”, contou Sofía. Os fun-
cionários públicos de Corrientes resistiram. No
entanto, os autarcas das pequenas cidades locais,
as portas de acesso ao ecossistema, mostraram
mais interesse pelas potenciais receitas turísticas
geradas por um grande parque. E o governo na-
cional, em Buenos Aires, sobretudo o Ministério
do Turismo, também achou que Iberá era um
novo e promissor destino. Em 2013, pelo menos
um político de Corrientes, o senador Sergio Flin-
ta, percebeu que a província se posicionara do
lado errado deste combate e começou a enviar
propostas de regulamentação de áreas protegidas
ao Senado da província. No entanto, o impasse
manteve-se. Houve então um acontecimento que
desbloqueou o impasse: Doug Tompkins morreu.
No meio da dor da sua perda, Kris Tompkins
partiu imediatamente para a acção. Disse a Sofía
Heinonen para contactar Sergio Flinta e assinar o
acordo sobre os termos do compromisso, incluin-
do 168 mil hectares de terras dos Tompkins, terras
provinciais de Corrientes e terras nacionais da Ar-
Estancia San Alonso tornou-se o sítio lógico para iniciar o
acto mais dramático do projecto: a reintrodução de jaguares.