National Geographic - Portugal - Edição 230 (2020-05)

(Antfer) #1
NATIONALGEOGRAPHIC

A


ATRÁS DE AMPLAS JANELAS DE VIDRO, vários vultos
circulam em longos corredores brancos, como numa
coreografia não ensaiada mas surpreendentemente
harmoniosa. Num cenário de ficção científica, ilumi-
nados pelas luzes amarelas e azuis que a complexa
maquinaria emite, os investigadores do Laboratório
Internacional Ibérico de Nanotecnologia (INL), em
Braga, criam um dos mais revolucionários materiais
da actualidade: o grafeno.
Embora o nome pouco diga ao cidadão comum, é
provável que já o esteja a utilizar no seu quotidiano.
Na verdade, é a forma cristalina, bidimensional, do
carbono (mais tradicionalmente visto na forma de
grafite, o material do humilde lápis). Consiste numa
camada microscópica de átomos de carbono, com
propriedades que o tornam imensamente versátil em
múltiplas indústrias tecnológicas: dos aviões aos saté-
lites, passando por instrumentos médicos, telemóveis
e até na roupa. As suas aplicações parecem não conhe-
cer limites. Na forma mais pura (em monocamada,
com a espessura de apenas um átomo), o seu valor
pode atingir cem mil euros por grama.
O grafeno foi descoberto recentemente, em 2004,
por Andre Geim e Konstantin Novoselov, da Univer-
sidade de Manchester, que no final da década recebe-
ram o Prémio Nobel da Física por esse trabalho. Em


2013, a União Europeia criou uma das mais ambicio-
sas empreitadas científicas de sempre, The Graphene
Flagship, atribuindo mil milhões de euros a um con-
junto de grandes indústrias e laboratórios académicos,
com o objectivo de dar vida ao grafeno e de o aplicar
no quotidiano de milhões de pessoas.
Como se obtém este supermaterial? A produção de
grafeno monocamada exige pessoal altamente espe-
cializado, além de infra-estruturas e equipamentos
muito específicos e dispendiosos, algo apenas possí-
vel numa unidade como o INL de Braga, que conta
com uma equipa de trezentos técnicos e um investi-
mento inicial de cem milhões de euros, compartici-
pado pelos governos de Portugal e Espanha.
A sala limpa do INL, a mais avançada do país, man-
tém a temperatura constante e efectua uma filtragem
de ar extremamente eficiente. “O Single Layer Gra-
phene é o Fórmula 1 do grafeno”, resume, com humor,
o físico Pedro Alpuim. Com a necessária paciência
que anos de docência na Universidade do Minho lhe
conferem, procura explicar o conceito em termos
inteligíveis: “A matéria-prima é um gás, o metano, a
partir do qual, com recurso à tecnologia de Deposição
Química de Vapor [Chemical Vapor Deposition], o gra-
feno é criado, usando como ‘sementes’ pequenos
defeitos no cobre de alta pureza, o catalisador do pro-
cesso. O cobre, cuja superfície é parcialmente oxidada,
é aquecido a 1030°C, ligeiramente abaixo da sua tem-
peratura de fusão. É criada apenas uma monocamada
de grafeno sobre o cobre, em cristais que podem che-
gar a ter mais de dois milímetros de diâmetro.”
Mostrando um disco dourado nas mãos, seme-
lhante a um enorme CD, continua, compenetrado: “É
necessário libertar o grafeno da placa de cobre, apli-
cando um polímero, que fixa o grafeno no momento
da dissolução do cobre. O polímero é posteriormente
removido, já assente numa superfície de óxido de
silício, e os dispositivos são então impressos no gra-
feno, à escala da bolacha de silício, um suporte comum
na electrónica, completando-se assim o processo.“

BEM LONGE DO HORIZONTE DE CRUZES E TORRES SINEIRAS
que torna Braga inconfundível, após uma curva aper-
tada da estrada sinuosa que sobe a serra, destacam-se
à distância grandes silos cilíndricos. O dia sombrio e
a chuva intensa camuflam a paisagem e emprestam-
-lhe um ambiente pós-industrial.

GRANDE ANGULAR | GRAFENO


TEXTO E FOTOGRAFIAS DE ANTÓNIO LUÍS CAMPOS
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