National Geographic - Portugal - Edição 230 (2020-05)

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Mas não se sente feliz por a sua filha ter en-
contrado um amor? “Não podemos chamar-lhe
amor”, diz, com firmeza. “Pode ser apoio, sensa-
ção de segurança, saber o que será o amanhã. Esse
é o desafio mais difícil nas pessoas autistas. Elas
querem uma situação regular.”
Não posso ter pretensões a ser objectiva. Embo-
ra compreenda todas as suas preocupações, a sua
atitude deu-me vontade de chorar. A pessoas au-
tistas querem e precisam de regularidade, mas há
algo errado em quererem também amor?

FRANK TRABALHA a massa num estabelecimento
de pizzas na Universidade de Rutgers. Tem um
espectro grave de autismo e é predominantemente
não-verbal. Quando Frank se tornou um dos pri-
meiros participantes no programa do Centro Rut-
gers para Serviços de Autismo para Adultos, exibia

A incapacidade para discernir as intenções das
pessoas, aliada ao facto de ser um jovem com os
interesses amorosos próprios da sua idade, levou
Brandon a meter-se em alguns problemas. Há cer-
ca de dois ou três anos, Cynthia achou que Bran-
don estava pronto para ter um cartão de débito.
Mais tarde apercebeu-se de que talvez se tivesse
precipitado um pouco, quando viu que ele gasta-
ra mais de mil dólares num clube de strip-tease,
valor este acrescido da taxa por ter excedido o sal-
do disponível. Um pouco mais tarde, trouxe para
casa uma prostituta que procurava um sítio onde
ficar durante algum tempo e a sua mãe concor-
dou. (“Achei que ia salvar mais uma alma. O que
hei-de eu dizer?”) Quando o dinheiro de Brandon
acabou e a mulher não quis mais nada com ele, ele
ficou traumatizado. Cynthia viu naquilo um lado
positivo. “Como já teve a experiência, agora já sabe
o que fazer. Ele só sabe o que é um preservativo
porque teve aquela experiência com a prostituta”,
afirma. “Algo de bom saiu daquilo. No entanto,
ela fica atrapalhada quando Brandon fala com os
amigos ao telefone sobre a experiência.” Cynthia
Drucker é uma mãe, no mínimo, optimista.
Brandon mostra-se desejoso de falar sobre Leah
e a vida que possam um dia partilhar. “Acho que
íamos tomar conta um do outro e, quando ela esti-
ver doente, por exemplo, eu dou-lhe os remédios”,
diz. Ele também promete cozinhar e tratar da rou-
pa. E isto abrange tudo? Talvez não, mas é um bom
começo. Brandon também diz que quer viver com
Leah e com Maria, outra namorada sua. Hum...
bem... Com ou sem autismo, Brandon não será o
primeiro homem a acalentar essas fantasias.
Quando converso com Leah sobre os seus so-
nhos relativos a uma relação amorosa, ela diz-me
ter esperança de que seja um passo rumo à inde-
pendência. Esta conversa deixa o pai desconfortá-
vel. Steven tem lutado para criar uma filha autista
e confessa que isso teve consequências gravosas
no seu casamento, conduzindo ao divórcio. Dificil-
mente me posso considerar ingénua, mas aquilo
que vejo em Leah e Brandon é aquilo que deses-
peradamente anseio para o meu filho. Tento con-
vencer Steven a preocupar-se apenas com aquilo
que tem: uma filha criativa, que tem um emprego,
que talvez precise de supervisão e que talvez não
esteja à altura de tomar conta de filhos, mas que
aparentemente tem boas possibilidades de ter um
relacionamento e uma vida independente.
Steven não vê a questão da mesma maneira. Ela
tem de facto um emprego, mas não é remunerado
e não compreende bem o valor do dinheiro.

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