Adega - Edição 177 (2020-07)

(Antfer) #1

Edição 177 >> ADEGA 73


A força do blend


alsaciano

Como Marcel Deiss se tornou uma das principais
referênciasemvinhosbiodinâmicose umíconedaAlsácia

N


o minúsculo vilarejo de Bergheim,
Alsácia, a família Deiss cultiva
uvas desde 1744. Mas foi Marcel,
jovem de carreira militar que de-
cidiu voltar à sua terra natal após a
II Guerra Mundial e criar o Domaine que levaria
seu nome. Ele e seu filho André, aos poucos, fo-
ram aumentando a propriedade, que chega aos 27
hectares atualmente.
No entanto, a grande revolução veio com Jean-
-Michel Deiss, neto do fundador, na década de
1980, quando a vinícola passou a chamar a aten-
ção do mundo. No começo, contudo, chamou a
atenção dos vizinhos, sendo que muitos não gos-
taram da forma como Jean-Michel gerenciava as
vinhas e tampouco gostavam de suas propostas
pouco ortodoxas. Ele acreditava que, por sua his-
tória, o terroir da região se expressava melhor com
blends e não com varietais, dominantes na época.
Devido a esse pensamento, por muito tempo
seus vinhos “sofreram”, pois, mesmo produzidos
em alguns dos principais terroirs da Alsácia, não
podiam ostentar as denominações Grand Cru al-
sacianas, por não serem varietais. Somente a partir
de 2005 o Instituto de Denominações de Origem
da França, o INAO, permitiu que os Grand Cru
alsacianos pudessem ser feitos de blends de castas.
Mas os entreveros de Jean-Michel não se resu-
miram a isso. Ele é um fervoroso defensor da agri-
cultura biodinâmica (seus vinhedos foram converti-


dos em 1997) e, mais que isso, de vinificações sem
absolutamente nenhuma intervenção. Ele nunca
chaptaliza, acidifica ou desacidifica, só usa leve-
duras indígenas, não filtra etc., têm um método de
produção extremamente focado em tentar mostrar
o que existe no terroir.
“Comecei minha carreira seguindo receitas culi-
nárias. E este vinho não me fez feliz. A ideia de fazer
infinitamente a mesma coisa que meu vizinho era
insuportável para mim”, afirma Jean-Michel Deiss.

Várias variedades
Ao defender os blends, Deiss costuma dizer que
está dando “à videira todas as letras do alfabeto
para lhe dar a ambição de escrever seus sonhos”.
O terroir é um ser vivo que exige se expressar em
múltiplas interpretações. “O vinho moderno é
feito de caos. A boca e o nariz são dissociados.
Eu preciso de um condutor para juntar tudo e o
terroir é o meu condutor”, afirma.
Segundo o que ele acredita, a “complantação”
(a arte de misturar variedades de uvas em uma
região) é a forma mais antiga de viticultura na
Europa. “Isso nos permitiu ter uma regularidade
das colheitas, como observa Olivier de Serres em
sua obra ‘Le Théâtre d’agriculture et mesnage des
champs’, em 1600. Em 1852, Jean-Louis Stolz ca-
racterizou mais de 100 variedades e cultivares de
uvas plantadas nos vinhedos da Alsácia e descreveu
os plantios específicos dos maiores terroirs (Spo-
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