Adega - Edição 177 (2020-07)

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ren, Schoenenbourg, Sonnenglanz, Zotzenberg,
Kastelberg, Kaefferkopf). Naquela época, havia
poucos vinhedos puros, os produtores realizaram
gradualmente uma adaptação de variedades de
uva ao solo pela técnica de estratificação (arte de
substituir uma videira morta por sua vizinha mais
resistente, porque é melhor adaptada)”, aponta.
Então, segundo Deiss, “a implementação (em
1975) da legislação Grand Cru, que exigia a men-
ção da variedade de uva, pode ser considerada um
erro histórico, porque resultou em um empobre-
cimento dramático da diversidade biológica das
vinhas, no estabelecimento de clones produtivos
e na mudança de toda a variedade. Felizmente, a
perseverança e a obstinação de alguns viticultores
tornaram possível, em 2005, reformar essa legisla-
ção injusta (a menção à variedade de uva é agora
totalmente opcional na AOC Alsace e na AOC
Alsace Grands Crus)”.

Uma biodinâmica particular
Outro ponto crucial da filosofia de Deiss é a
biodinâmica, que ele resume o conceito em “uma
concepção total do mundo, onde cada pedra, cada
videira, cada ser vivo tem seu próprio pano de fundo,
onde estamos todos conectados a um cosmos inter-
no e externo, onde o visível é apenas a espuma das
coisas...”
“Desde meu tempo como estudante, questionei
meus mestres (muitas vezes desesperando-os) com
meu ceticismo sobre o real acadêmico, o real ana-

lítico e o real psicológico: essas referências não pare-
ciam representar apenas um pequeno fragmento da
totalidade do visível. Logo despertei um apetite ain-
da não satisfeito pelo invisível”, filosofa Jean-Michel
Deiss.
Segundo ele, contudo, sua biodinâmica não é
particularmente “executiva”. “Não estamos no ri-
tual frenético de preparações, adoradores de Maria
Thun e dos especialistas nas fases da lua em nossas
vidas humildes. Certamente, esses planos existem e
nós não contestamos. Os preparos 500 e 501 estão
no centro de nossa abordagem como viticultores; há
muitos dias ‘sem’, mas ainda mais profundamente,
porque não queremos substituir as certezas algébri-
cas de uma ciência que enlouqueceu pelos teoremas
religiosos de uma biodinâmica que se tornou sectá-
ria”, afirma.
E segue filosofando: “Para nós, não é tanto a ques-
tão do que fazer e por que fazê-lo todas as manhãs,
como a questão de ‘sentir’ todos esses outros mundos
além da vista. A agricultura é frequentemente apenas
uma sucessão de receitas culinárias, sujeitas a modas,
gurus e interesses. Preferimos o ponto de vista do
céu, o humor da terra e a infinita ladainha de plantas
divididas entre o determinismo absoluto da genética
e o desejo de livre arbítrio, esse apetite por ‘terroir’.
Tornar-se tão humano quanto uma planta que bus-
ca, no fundo de suas raízes, a verdade do mundo, sua
lógica incompreensível, o sagrado”.
E tenta resumir seu pensamento: “sempre prefi-
ra a pergunta à resposta, a busca à certeza, o senti-
mento e o desejo aos preceitos dos gurus. Sim, nossa
biodinâmica é exigente, às vezes, cansativa; sim, é
difícil viver procurando o humano em cada videira,
enquanto mil enganos triunfam em todos os lugares.
Alguns dizem que a biodinâmica em si não é imune
a essa crise e que, em essência, é um processo pes-
soal, é impossível institucionalizar. Sem dúvida, isso
é verdade... e essa é, sem dúvida, a razão de nossa
tentativa de viticultura de terroir, terna, romântica e
quase desesperada, onde o homem escolheu a parte
mais humilde, olhando ternamente para o mundo,
cuja planta é o centro, que une terra e céu”.

Os Crus
A propriedade opera 27 hectares de videiras espa-
lhadas por nove municípios. O domaine divide es-
sas terras em 220 lotes. Apesar da defesa do blend,

“Tornar-se tão


humano quanto


uma planta


que busca, no


fundo de suas


raízes, a verdade


do mundo,


sua lógica


incompreensível,


o sagrado”

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