Exame - Portugal - Edição 436 (2020-07)

(Antfer) #1

  1. EXAME. AGOSTO 2020


Macro


Agravar os impostos
poderia ter um efeito
devastador sobre a
economia. Se mais
adiante será inevitável,
o futuro o dirá”

alargando, ainda se conseguiu arrumar a
casa e harmonizar alguns dos principais
impostos, como o IVA, mas, a partir daí,
ficou tudo tão complicado que a Comissão
Europeia decidiu propor um road map
para deixar cair progressivamente a re-
gra da unanimidade e adotar a da maioria
qualificada, começando pela tributação
energética e ambiental. Mas há também
uma corrente no sentido inverso. Nos úl-
timos dez anos, assistimos a fenómenos
à escala internacional que obrigam os Es-
tados-membros a uma ação comum. No
caso da tributação das indústrias digitais
[Digital Services Tax], a fuga de receita é
tão grande que todos nos sentimos pres-
sionados a fazer alguma coisa. Vamos ver
se há ou não um acordo, mas tudo aponta
nesse sentido.


Quando há acordo, as exceções, isenções
e reduções de taxas de imposto são imen-
sas. Não desvirtuam a intenção inicial?
Cada caso é um caso. Na tributação ener-
gética [Energy Taxation Directive], es-
tamos a falar de algo que tem impacto
na economia, tanto na grande indústria
como nos consumidores, em que só se
tem conseguido avançar com imensas
concessões. Na tributação dos serviços
financeiros [Financial Transaction Tax]
ou das indústrias digitais, há espaço para
um regime mais limpo, com menos ex-
ceções. Por vezes, acordar um texto com
isenções e exceções, com furos e bura-
cos, é um passo para os Estados-mem-
bros construírem uma relação com os
dossiers. Sucedeu com o IVA e espera-se
que aconteça com a tributação energéti-
ca. Ou encontramos um mínimo deno-
minador comum para aprovar leis novas,
ou somos ultrapassados pela realidade,
como no caso das indústrias digitais.


Taxar transações financeiras é uma ideia
antiga. É o momento certo para avançar,
quando os efeitos da pandemia podem
exigir novas medidas redistributivas?
O contexto mudou. A ideia de regular mer-
cados, recuperando a velha noção de um
imposto sobre as operações financeiras,
vem no seguimento de uma crise financei-
ra [a diretiva foi proposta em 2011], porque
todos percebemos que determinadas ope-
rações especulativas tinham custos efetivos


extraordinários. Mesmo antes de 2008, vá-
rios países aplicaram impostos para regu-
larem os mercados financeiros. Na Améri-
ca Latina era muito comum.

Era visto como uma espécie de castigo?
Sim, destinava-se a desmotivar comporta-
mentos de risco nos mercados financeiros.
Mas havia também uma preocupação re-
distributiva, de fazer com que o setor con-
tribuísse para o equilíbrio das contas pú-
blicas. Na altura, ensaiaram-se coisas como
as contribuições sobre a banca. Hoje, a cri-
se surge por razões diferentes. Não estamos
à beira de uma crise financeira. E, no que
toca à componente redistributiva, os da-
dos de diferentes países [que aplicaram as
suas próprias FTT] indicam que esse im-
posto teve uma receita diminuta. No caso
de Itália, estamos a falar de 500 milhões
de euros, o que é uma receita muito mo-
desta – e Itália tributa os derivados, o que
a Comissão Europeia não faz. Se for para
acorrer à atual crise, a ideia de aplicar esta
taxa é altamente simbólica. Este imposto é
essencialmente regulatório, e não tanto um
instrumento de redistribuição.

Neste contexto de pandemia, não faria
mais sentido discutir impostos cujas re-
ceitas revertessem para o Serviço Na-
cional de Saúde? Não é por acaso que se
voltou a falar em taxar as fortunas dos
ricos...
A despesa pública resultante desta crise
vai ser financiada pelos grandes impostos.
Uma medida como a FTT será sempre mar-
ginal, do mesmo modo que um eventual
imposto sobre as grandes fortunas pes-
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