Exame - Portugal - Edição 436 (2020-07)

(Antfer) #1
AGOSTO 2020. EXAME. 107

soais. No âmbito do pacote de recupera-
ção económica, a UE sugeriu um imposto –
uma espécie de derrama – sobre as grandes
empresas que atuam no mercado europeu.
A ideia de ir atrás das grandes empresas foi
posta pela primeira vez em cima da mesa.
Isto é novo, à escala europeia, embora não
seja novidade em Portugal, onde já usamos
as derramas estaduais para tributar mais as
empresas de maior dimensão.


E porquê o foco nas grandes empresas?
As grandes fortunas individuais são ex-
traordinariamente móveis. Por vezes, basta
passar uma fronteira. Já as grandes empre-
sas, à custa de esquemas de planeamento
fiscal, conseguem deslocar os lucros para
fora da UE, mas não se podem dar ao luxo
de não estar no mercado europeu. O que a
comissão está a tentar fazer é transformar
isso numa vantagem.


A Europa mostra vontade de avançar já
com o imposto sobre serviços digitais...
O cenário atual é, e não é, encorajador. Por
um lado, há um esforço da OCDE para ado-
tar uma proposta única, à escala interna-


cional, até ao final do ano. Esse trabalho
aparentemente bateu contra uma parede,
com o afastamento dos EUA. Daí resultou a
decisão europeia de avançar ao nível da UE,
apresentando uma proposta comum. Mas,
por força da inércia da OCDE, e da própria
UE, vários países europeus foram introdu-
zindo os seus próprios impostos sobre ser-
viços digitais. Por isso, chegámos ao ponto
de ser melhor ter uma proposta comum,
ainda que ligeira, do que uma miríade de
impostos em vigor nos diferentes Estados-
-membros. A capacidade da UE em impor
a sua vontade é muito maior do que a de
cada Estado isoladamente.

A pandemia reforça a urgência do Green
Deal europeu e pode acelerar a revisão
da diretiva sobre tributação energética?
Diferentemente do que acontece com a tri-
butação dos serviços digitais ou das tran-
sações financeiras, que têm um alcance
muito limitado em Portugal, o dossier da
energia tem grande impacto nos bolsos das
nossas famílias e empresas: no setor elétri-
co, nos impostos sobre os combustíveis, no
setor da aviação e no seu impacto sobre o
turismo, etc. A discussão da diretiva ainda
está no início, mas a ideia da comissão é a
de fazer da fiscalidade verde um instru-
mento de primeira linha. Mais vale isso do
que agravar o IRS.

Em Portugal, a despesa pública está a au-
mentar, mas o orçamento suplementar
não traz aumento de impostos...
Não temos aumento de impostos, mas te-
mos endividamento. E o endividamen-
to são impostos a prazo. Neste momento,
agravar os impostos poderia ter um efeito
devastador sobre a economia. Foi a melhor
solução. Se, mais adiante, será inevitável
agravar impostos, o futuro o dirá. Depen-
de da duração da crise e do efeito sobre a
economia. Ninguém sabe que política fis-
cal poderá praticar em 2021. No outono,
teremos mais informação para preparar o
orçamento, mas não vejo grande capacida-
de para desagravar o IVA em 3 ou 4 pontos
percentuais, por exemplo.

Mas estamos a discutir a redução do IVA
na eletricidade...
Sim, mas é uma coisa muito pontual. No
caso da eletricidade, sabemos porque a

taxa aumentou. Uma coisa é desagravar
determinados escalões de consumo, ou-
tra coisa é repor a taxa reduzida, tal como
existia há alguns anos.

Face à crise, o Governo anunciou uma
nova contribuição sobre a banca...
Muitos Estados europeus introduziram im-
postos ou contribuições especiais sobre o
setor bancário, mas entretanto foi criado
um fundo de resolução [bancária] à escala
europeia, com contribuições próprias. Em
Portugal, o setor suporta, além do IRC, três


  • e de futuro quatro – contribuições. Não
    tem lógica. Onde cabe uma contribuição
    não cabem necessariamente quatro. Há
    setores que têm o seu IRC próprio, e que
    depois pagam umas contribuições sobre
    os ativos, no caso da energia, ou sobre os
    passivos, no caso do setor financeiro, e por
    aí adiante. Este labirinto de contribuições
    não é útil para ninguém, até porque os cus-
    tos são repassados para os consumidores.


Como antigo governante, admite que isso
dá jeito?
Com certeza que dá! E, muitas vezes, há
razões circunstanciais que o justificam.
Quando foi criada a contribuição sobre o
setor bancário em 2010, não tenho dúvi-
das de que fazia todo o sentido, cá como
no resto da Europa. Mas onde cabe uma
não cabem quatro! E há setores onde as
razões para a introdução de contribuições
deste tipo, além da simples arrecadação de
receitas, são nenhumas.

É só porque há dinheiro?
É porque há dinheiro, porque é fácil tribu-
tar e porque, muitas vezes, estamos peran-
te empresas que estão cativas da decisão
pública. Não têm hipótese senão pagar.

Quando houver aumento de impostos,
os governos vão optar pelos impostos di-
retos ou indiretos? Sobre as famílias ou
sobre as empresas?
Não sei se vale a pena especular. A eco-
nomia pode recuperar de forma a que a
elasticidade de impostos como o IVA seja
suficiente para pôr as contas em ordem. No
que toca à escolha dos impostos a agravar,
já percebemos que não há grandes demar-
cações ideológicas entre esquerda e direita.
É o que estiver mais a jeito...

B.I.



NOME
Sérgio Vasques




VIDA
Doutorado em Direito Fiscal pela
Universidade de Lisboa




CARREIRA
É professor associado da Faculdade
de Direito da Universidade Católica
É consultor do Banco Mundial para
a área da reforma fiscal
Foi secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais durante o
segundo governo de José Sócrates,
entre 2009 e 2011


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