Exame - Portugal - Edição 436 (2020-07)

(Antfer) #1
AGOSTO 2020. EXAME. 45

CRISE VAI ACENTUAR DEPENDÊNCIA
EXTERNA DE PORTUGAL

Missão Crescimento pede vigilância sobre a presença do Estado
na economia e nas empresas

Com a ameaça da destrui-
ção massiva de empresas
e de emprego que os efei-
tos do novo coronavírus
fazem pairar nas principais
economias mundiais, o
País vai ter de encontrar
formas de se capitalizar e
substituir ativos, sobretudo
através de endividamen-
to externo, e conciliar a
necessária intervenção do
Estado com a sustentabili-
dade futura das contas das
empresas, principalmente
num tecido dominado
por micro e pequenas e
médias empresas.
O caminho defendido pelo
presidente da Associação
Missão Crescimento para
superar o contexto mais
difícil, em várias décadas,
poderá implicar uma
menor rigidez salarial e
manter facilitadas as vias
de financiamento interna-
cional, sobretudo ao nível
dos custos. Além disso,
requer do Estado uma
intervenção “inteligente”,
que permita capitalizar as
empresas e não deixá-las
presas na armadilha da
dívida.
Durante a reflexão
apresentada no evento da
EXAME/Ageas Seguros,
Jorge Marrão traçou um
cenário potencialmente
negro para Portugal na
atual pandemia: tendo
em conta os efeitos da
última crise económica e
financeira, esta pode fazer
desaparecer 200 a 400
mil empresas e 800 mil a
1,4 milhões de empregos.
No cenário mais conserva-
dor, essa destruição tirará

€6 000 milhões ao PIB,
além de apagar uma mé-
dia de €400 mil de ativos
por empresa. “Vamos ter
de ter um grande volume
de capital para chegar
às empresas, o que terá
impacto ao nível salarial.
(...) E a questão central que
os governantes vão ter de
encontrar será criar um
mecanismo para substituir
os ativos que a recessão
vai destruir”, afirmou Jorge
Marrão.
Desde logo, no período em
que as empresas precisa-
rão de capital, argumentou
que será necessário um
novo contrato social em
cada empresa para equili-
brar a relação entre a parte
da receita destinada a
remunerar os colaborado-
res e o excedente bruto de
exploração que fica para
pagar dívida e o capital
aos acionistas. “A ideia de
rigidez salarial pode ser
altamente perversa. Na
prática, destrói emprego,
obriga a subir subsídios de
emprego, e isso leva a vol-
tar a tributar a sociedade.
O ciclo pode ser vicioso”,
alertou.
Por outro lado, como a fra-
ca poupança interna não
deixa alternativa a captar
capital no exterior, será
importante existir acesso
aos fundos europeus e
continuar com juros e pré-
mios de risco baixos, que
permitam às empresas
endividar-se, sobretudo as
mais expostas como as da
área do comércio, constru-
ção, indústrias transfor-
madoras, eletricidade, gás

e água, e imobiliário. “Sem
crescimento económico
e sem políticas públicas
orientadas para criação e
capitalização de empre-
sas, não vamos ter possi-
bilidade de melhorar níveis
de endividamento com o
exterior”, resumiu.
A grande questão, em re-
lação à qual a associação
promete ficar vigilante, é
como entra o Estado nesta
equação. Com que orgâ-
nica e instituições vai in-
tervir? Fá-lo-á pela via da
dívida ou do capital? E por
quanto tempo permane-
cerá sentado na sala dos
privados? “Se o Estado
não intervier para capitali-
zar empresas, mantemos
o problema anterior: dívida
elevada e todo o cresci-
mento económico e valor
é para pagar essa dívida”,
acrescentou.
Do ponto de vista da as-
sociação, o papel do setor
público deveria passar por
ajudar a eliminar dese-
quilíbrios sociais, macro e
microeconómicos, recons-
tituir capital e melhorar
condições de concor-
rência, ao passo que a
escolha dos investimentos
e ajudas governamentais
à economia devia partir
de uma avaliação do seu
custo/benefício. “Não é
possível reconfigurar o
setor privado sem capital
externo e sem intervenção
inteligente do Estado. Que
não cometa os erros das
duas últimas décadas, em
que, apesar de grandes
investimentos, não cres-
cemos nada.”

cundada por Jorge Marrão. Para o presi-
dente da Associação Missão Crescimen-
to, é necessário, desde logo, operar essa
transformação fazendo um upgrade para
competências mais avançadas, que ga-
rantam que, em Portugal, há pessoas ca-
pazes de operar a tecnologia trazida pela
transformação digital em curso.
Aliás, a este propósito, o presidente
do ISQ considerou que a presidência do
Conselho da União Europeia, que Por-
tugal vai assumir no primeiro semes-
tre do ano que vem, deve ser aproveita-
da pelo País como um momento único
para dar um impulso à sua agenda para
uma economia digital. Pedro Matias
também sublinhou a ideia do País aber-
to aos nómadas digitais e não só. “Por-
tugal tem vantagens, pode-se estar aqui
numa quinta do Douro, no Algarve, na
Costa Vicentina ou na Figueira da Foz, e
trabalhar para todo o mundo,” exempli-
ficou, no evento moderado por Camilo
Lourenço, autor de A Cor do Dinheiro.

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