Exame - Portugal - Edição 436 (2020-07)

(Antfer) #1
AGOSTO 2020. EXAME. 51

a Europa, com a aprovação do fundo de re-
cuperação de 750 mil milhões de euros e
do quadro financeiro plurianual de 1 bilião
de euros. Mas para que todos esses milhões
não se percam como as primeiras gotas de
água em chão seco, poderá ser necessário
fazer mudanças nas estruturas de gestão
nacionais.
“O ponto em que estamos é inédito em
Portugal: uma crise distinta da anterior e
que trouxe um choque simultâneo raro do
lado da oferta e da procura, que criou risco
de espiral recessiva da economia”, atestou
Rui Leão Martinho, fazendo ainda referên-
cia ao quadro cinzento da economia nacio-
nal: um problema da dívida pública que não
foi resolvido na altura da troika, poupança
abaixo da média europeia, PME muito endi-
vidadas e com capacidade de financiamento
negativa, elevado rácio de crédito malpara-
do, e turismo e exportações fortemente afe-
tados este ano. Para superar este quadro, o
bastonário da Ordem dos Economistas (que
coorganiza esta iniciativa com a Ageas Se-
guros) defendeu que o País vai ter de se
centrar nos fundos europeus, sobretudo
nas subvenções. “Há muito pouco dinhei-
ro para ajudar a economia”, acrescentou.
Mas além de decidir onde aplicar os 45,1
mil milhões de euros que vão caber a Por-
tugal no quadro dos fundos e apoios euro-
peus, Rui Vinhas da Silva defendeu que é
preciso alterar o formato com que os apoios
comunitários têm vindo a ser concedidos
nas últimas décadas e as instituições que os
atribuem, sob pena de continuarmos abai-
xo da média europeia em PIB per capita e
crescimento. “Se não mudarmos a arqui-
tetura dos fundos comunitários, é mais do
mesmo”, lamentou. Para este o professor
do ISCTE, sair da situação em que estamos
é “impossível” sem a competitividade das
exportações de bens transacionáveis e sem
a atração de investimento estrangeiro, so-
bretudo em investigação – que passa por
criar barreiras naturais à saída de empresas,
como um ecossistema de investimento com
universidades e parceiros nacionais. Rui
Leão Martinho, por outro lado, defendeu
como pontos fulcrais para a recuperação o
restabelecimento da confiança, o aumen-
to da liquidez da economia, o desenho de
respostas para setores mais afetados como o
turismo, a concretização de reformas estru-
turais e o investimento na Saúde.

PROBLEMAS
LOCAIS, SOLUÇÕES
GLOBAIS

As dores e o potencial
das PME de Viana do Castelo

Às circunstâncias naturais de cada setor
que já tornam difícil responder a uma crise
de proporções globais, juntam-se ainda
as limitações locais. No caso de Viana do
Castelo, onde decorreu o Fórum PME
Global organizado pela Ageas Seguros em
parceria com a Ordem dos Economistas,
uma das maiores está ligada aos transpor-
tes e às cadeias de abastecimento.
“Se se resolvesse a questão da logística, a
região teria condições muito interessantes
de desenvolvimento”, considerou o presi-
dente da Associação Empresarial de Viana
do Castelo. Manuel Cunha Júnior lembrou
o papel de charneira da cidade, por onde
passam 52% das exportações para a
Galiza, e os obstáculos colocados com as
portagens e o fraco acesso à ferrovia de
carga, apesar da revitalização do porto de
Viana e do investimento da West Sea nos
estaleiros.
Um dos problemas estruturais eviden-
ciados pela Mecwide e Irmãos Gigante,
empresas presentes na mesa-redonda
moderada por Camilo Lourenço, autor
do canal A Cor do Dinheiro, prende-se
com a falta de mão de obra qualificada.
“É bem paga, mas não é sexy para os
jovens. Procuramos mostrar-lhes que a
indústria não é tão má assim”, disse Carlos
Palhares, CEO da empresa de engenharia
Mecwide. Também a construção sente
a questão da idade. “Há mais de 15 anos
que não aparece um homem com menos
de 35-40 anos”, lamentou José Gigante.
O negócio até não corre mal – “não podia
estar melhor para trabalharmos” –, mas
sem pessoal não é possível acudir a todas
as encomendas. “Também por isso come-
çámos a ter mais cuidado com os homens
que tínhamos”, afirmou o sócio-gerente
da Irmãos Gigante. Começa logo pela
perceção: “Não é bonito dizer que se é pe-
dreiro. Não é uma arte reconhecida. Prefe-
re-se dizer que se é técnico manobrador
de máquinas”, exemplificou, para depois
admitir: “Esta área nunca foi valorizada ou
bem-vista e, se calhar, temos todos culpa.
Nunca fomos bater à porta de uma univer-
sidade para tentar dar a volta a isto.”

O diretor executivo para parceiros e PME
da Microsoft Portugal, um dos oradores da
mesa redonda que contou com a presen-
ça de várias pequenas e médias empresas
da região, reconheceu, no entanto, que es-
tes tempos de incerteza trouxeram alguns
impactos positivos que vão colher-se no
longo prazo. Se os últimos três meses não
permitiram realizar, dentro das empresas,
tudo o que não foi feito durante os últimos
anos em termos de transformação tecnoló-
gica, pelo menos, aumentaram a sua ape-
tência para estudar novos cenários dessa
evolução. Hoje, os empresários procuram
saber “como aumentar a presença em ca-
nais digitais, como controlar instalações à
distância, linhas de produção, cadeias lo-
gísticas”. “E como faço isto tudo em segu-
rança”, exemplificou o responsável.


À ESPERA DA EUROPA


Depois dos esforços de adaptação e supera-
ção da emergência postos em prática pelas
empresas, a tentativa do Estado de travar
a maré de desemprego e perda de rendi-
mentos (com apoios sociais e mecanismos
como o layoff simplificado) e a resposta
do setor financeiro com a operacionaliza-
ção de linhas de crédito e moratórias a em-
préstimos, os olhos viram-se, agora, para


Engenharia e construção
Duas PME de Viana do Castelo, a Mecwide
e a Irmãos Gigante, lamentaram a falta de mão
de obra qualificada, em particular a mais jovem
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