Exame - Portugal - Edição 436 (2020-07)

(Antfer) #1
AGOSTO 2020. EXAME. 63

com a mediocridade, e eu quero que seja
agora. Esta é uma oportunidade única”,
insta Leonardo, dirigindo-se particular-
mente aos líderes das organizações. Para
o responsável, é claro que é preciso acabar
com a cultura da microgestão e ter cons-
ciência de que agora se querem “empresas
onde todos se sintam líderes. É suposto as
pessoas acumularem responsabilidades,
ter autonomia, liberdade, serem verdadei-
ramente donas da capacidade decisional
para levar a cabo as suas tarefas. A maioria
das pessoas aprecia isso e responde com
mais eficiência. A liderança já não é uma
coisa de uma pessoa só, nem de alguém
que sabe todas as respostas. Mais do que
nunca, precisamos de líderes que saibam
fazer as perguntas certas”, avisa.
“Em Portugal, temos genericamente a
flexibilidade e o desprendimento que nos
vem da humildade que temos enquanto
povo. Aquilo a que às vezes chamamos
de desenrascanso”, atira com um sorri-
so. “Mas não podemos andar sempre a
desenrascar! Agora, se juntarmos a hu-
mildade e a capacidade de adaptação à
ambição de sermos melhores, acho que
vamos conseguir.”

INCERTEZA PESA
Numa altura em que 51% dos empregados
temem perder o emprego se o seu empre-
gador for afetado pela crise da Covid-19,
em Portugal, a renovação de competên-
cias é um caminho inevitável. “Já faláva-
mos de reskilling e upskilling, mas agora
acho que as pessoas tomaram consciên-
cia de que são elas a ter de investir nelas
próprias”, nota ainda o responsável. De-
pois de cerca de três meses em que as em-
presas de serviços, sobretudo, passaram a
funcionar com a maioria – se não a tota-
lidade – dos empregados a trabalharem
à distância, a verdade é que vários mitos
caíram finalmente por terra, enquanto se
acelerou a necessidade de reforçar algu-
mas competências. Percebeu-se, final-
mente, que a grande maioria das pessoas
consegue continuar a desempenhar per-
feitamente as suas tarefas sem precisar de
estar no escritório, que a flexibilidade de
horário não tem de ser uma tragédia e que
as equipas são mais autónomas do que al-
guns chefes gostam de pensar.
Por outro lado, os funcionários com

menos competências tecnológicas preci-
sam rapidamente de se atualizar, sob pena
de começarem a perder terreno. Apesar
de várias empresas, sobretudo dos setores
mais tradicionais, já terem voltado a pe-
dir aos trabalhadores que regressem aos
escritórios, José Miguel Leonardo acredita
que o teletrabalho veio para ficar. “Primei-
ro é preciso ter em atenção que agora não
estávamos em teletrabalho. Estávamos a
trabalhar em casa, com a família e em
condições muito específicas.”

MULHERES MAIS PENALIZADAS
Aliás, não é por acaso que entre as mulhe-
res com menor nível de educação formal,
são 57% as que consideram que a Covid-19
teve um impacto negativo nas suas vidas:
as que puderam ficar em casa a trabalhar
foram mais sobrecarregadas com as tare-
fas domésticas e as aulas online, e as ou-
tras ocupam genericamente lugares em
setores muito precários e que foram forte-
mente penalizados pelo Grande Confina-
mento, como foi o caso do Turismo. Mas,
ainda assim, os mesmo dados da Rands-
tad revelam que 82% dos trabalhadores
sentiram que se conseguiram adaptar ao
novo ritmo de trabalho. Aliás, 76% consi-
deram mesmo que conseguiram arranjar
tempo para cuidar do seu bem-estar du-
rante a pandemia. Um número que ganha
uma importância significativa numa al-
tura em que as questões de saúde mental
voltaram a estar em cima da mesa, com
os especialistas a apontarem para a ne-
cessidade de haver um acompanhamento
mais recorrente por parte das empresas
aos seus trabalhadores, que lidaram de
formas muito variadas com a ausência de
colegas e de rotinas de escritório. “As em-
presas têm mesmo de endereçar a questão
de forma muita séria. As lideranças têm
de ser transparentes. Na Randstad, por
exemplo, criámos um Diário da Pande-
mia para conforto das pessoas”, explicou
Leonardo. O diário era na verdade uma
plataforma que permitia a partilha onli-
ne (anónima ou identificada) dos estados
de alma de cada trabalhador. Segundo o
CEO, a ferramenta ainda hoje é utilizada
e a maioria das pessoas não teve qualquer
problema em identificar-se, admitindo
que sentia a importância de partilhar com
os seus pares as principais dificuldades

Esta é uma


oportunidade


para incluir


a meritocracia


nas nossas


empresas”

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