Exame - Portugal - Edição 436 (2020-07)

(Antfer) #1
AGOSTO 2020. EXAME. 65

Opinião


A


chegada da
pandemia
a Portugal
obrigou o
país a parar.
A saúde pública foi colocada
em primeiro lugar... até que... a
situação económica se come-
çou a complicar, muitas em-
presas entraram em falência,
outras em layoff (e algumas
não mais saíram), e com isso
o número de desempregados
aumentou em mais de 103 mil,
relativamente ao mesmo mês
do ano anterior (IEFP, 2020).
Perante esta situação económi-
ca insustentável, pese embora
o aumento regular do número
de casos, tornou-se imperiosa
a necessidade da retoma das
actividades, com as devidas
adaptações e precauções.
Na edição de Junho, escre-
vi sobre “empreendedorismo e
inovação em alturas de crise”,
em que abordei o tema da resi-
liência assente na forma como
alguns empreendedores e em-
presas conseguem ver na crise
uma oportunidade, não só para
sobreviver, como para crescer,
apresentando exemplos reais de
casos de sucesso em Portugal.
Hoje, volto a escrever sobre
a oportunidade em alturas de
crise. Contudo, num contexto
totalmente diferente. Numa al-
tura em que a pandemia está
longe de terminar por ausên-


oportunidade para a China!)
é a dependência das impor-
tações. Em Portugal, ouvimos
o primeiro-ministro António
Costa referir que “a maior lição
que devemos tirar” desta pan-
demia foi perceber que “hoje
não podemos ter cadeias eco-
nómicas tão extensas e tão de-
pendentes de um só país como
a China”, acrescentando que
“há capacidade nacional para
produzir” muito do material de
protecção individual que está a
ser importado. Sublinhou ain-
da que “a Europa – e Portugal


  • vai ter de voltar a produzir
    interiormente muito daquilo
    que se habituou simplesmen-
    te a importar da China”.
    Não posso deixar de con-
    cordar. Aliás, não só concordo
    como ainda subscrevo. Esta é a
    oportunidade para vários paí-
    ses, incluindo Portugal, adop-
    tarem uma estratégia inteli-
    gente de modo a aumentar a
    produção de muito do mate-
    rial que hoje importam. Mas
    não basta dizer. É importan-
    te ter uma estratégia, incenti-
    var os jovens, as startups e as
    empresas. Temos de construir
    políticas que promovam uma
    indústria competitiva. De que
    nos vale dizer que temos de
    ser auto-sustentáveis, se nada
    fizermos para tal? Só dizer não
    chega... senão, seria um ho-
    mem rico.


Junta-se a fome


(da Europa) à vontade


de comer (da China)


A Europa está a tomar medidas para impedir
que a sua fragilidade entregue, de mão beijada,


empresas europeias à China. Mas vontade não
chega, é preciso ter uma estratégia


cia de imunidade, tratamento
ou vacina, e a economia está
a alcançar níveis de preocu-
pação iguais ou superiores
aos da saúde (devido às con-
sequências que isso acarreta),
há quem esteja a aproveitar-
-se dessa situação. Aproveitar
da situação? Ou aproveitar a
oportunidade?
Após a crise financeira que,
em 2008, assolapou a Europa,
disparou o número de aquisi-
ções por empresas chinesas.
Hoje, à medida que a Europa
entra numa recessão induzi-
da pela pandemia do corona-
vírus, aumenta a preocupação
por parte dos governantes eu-
ropeus: a História está a repe-
tir-se?
O actual receio desta “aqui-
sição oportunista”, incentivada
pela queda de valor de merca-
do, é crescente e tem levado os
líderes europeus a procurar
criar e colocar obstáculos le-
gais que travem estas aquisi-
ções. No dia 17 de Junho, a Co-
missão Europeia divulgou um
conjunto de propostas que pre-
tende impedir que investido-
res estrangeiros utilizem sub-
sídios do governo para superar
os concorrentes por activos eu-
ropeus. E apesar de, natural-
mente, o documento não citar
a China, sem dúvida que foi
essa a grande inspiração da sua
redação. Mas não é só na Eu-

Será que,
perante
a fraqueza
económica
mundial e as
preocupações
pandémicas,
sobram forças
para evitar
que a China se
apodere
da Europa?

> Professor catedrático,
Universidade de Évora

POR


SOUMODIP SARKAR


ropa que a China procura ala-
vancas políticas: em maio deste
ano, o Governo chinês concor-
dou receber 13% da Norwegian
Airline, em vez do dinheiro que
lhe era devido por essa compa-
nhia aérea norueguesa.
Está a juntar-se a fome (das
empresas europeias) à vontade
de comer (das empresas chine-
sas). E será que, perante a fra-
queza económica mundial e
as preocupações pandémicas,
sobram forças para evitar que
a China se apodere da Europa?
Será essa vontade de resistên-
cia superior ao desespero por
liquidez...?
Outro dos grandes proble-
mas dos países europeus (e
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