Clipping Banco Central (2020-07-31)

(Antfer) #1

Banco Central do Brasil


Valor Econômico/Nacional - Opinião
sexta-feira, 31 de julho de 2020
Banco Central - Perfil 1 - Banco Central

déficit externo, mas não o suficiente. As
importações caíram quase pela metade desde
2018, devido à crise monetária. Isso,
juntamente com a falta de acesso ao crédito e
o ataque da covid-19, provocou o fechamento
de muitas empresas. Entretanto, o PIB caiu
dois dígitos, o desemprego subiu acima dos
30% e a taxa de pobreza disparou para os
50%, dizimando a classe média. Começou um
êxodo de capital humano.


Neste contexto, a incapacidade do governo
para agir pode parecer chocante. No entanto, o
torpor está no DNA político do Líbano. O país
tem um sistema de partilha de poder sectário
bizantino, muitas vezes paralisado por disputas
e corrupção. As elites políticas do Líbano
sabem que a probabilidade de uma inundação
de refugiados é uma poderosa moeda de troca
nas negociações internacionais; por isso, estão
satisfeitas por subsistirem das reservas de
moeda estrangeira enquanto aguardam colher
benesses geopolíticas.


Pior ainda, as elites políticas e econômicas do
Líbano — há uma considerável sobreposição
entre elas — podem estar deliberadamente
tentando transferir as perdas resultantes da sua
má administração econômica para a
população. Em maio, a Associação de Bancos
do Líbano propôs o seu próprio plano de
reforma econômica, que recomenda o uso de
ativos estatais para evitar danos aos bancos.
Em outras palavras, a população pagaria pelo
ajuste.


Além disso, o banco central acionou a
imprensa, inflacionando os seus bens
denominados em libras, num esforço para
reforçar as suas reservas em moeda
estrangeira. A libra perdeu 80% do seu valor
em apenas nove meses, com a inflação
atingindo 90% em junho. Ao mesmo tempo, os
levantamentos de contas bancárias em dólares


serão tributados a 50% ou mais, ao convertê-
los na taxa de câmbio oficial e não na taxa
paralela muito mais vantajosa.

Esta estratégia — essencialmente uma
adaptação do “Corralito” da Argentina — o
congelamento de depósitos que foi promulgado
em 2001 para travar uma corrida bancária —
impulsiona as perdas para a classe média, cuja
única opção é viver com o que resta nas
respectivas contas bancárias. Também é
extremamente caro a nível econômico. A
absorção das perdas levará anos, durante os
quais o Líbano terá de lidar com a falta de
entradas de capital, de uma âncora monetária
ou da confiança no sistema monetário e
bancário.

Nessa altura, as elites do Líbano parecem
esperar que o país tenha criado espaço fiscal
suficiente para garantir um acordo favorável
com os credores internacionais e repetir a sua
pilhagem do Estado. Isto prepararia o terreno
para um futuro sombrio, no qual as elites
reivindicam uma fatia ainda maior de um bolo
cada vez menor.

No entanto, há motivos para esperar que eles
não realizem os seus desejos. Em outubro
passado, surgiu um movimento nacional de
protestos, alimentado por anos de raiva
reprimida. Nos últimos meses, esse movimento
começou a amadurecer, com os manifestantes
organizando-se em grupos que visam reformar
o sistema político do país.

É claro que o sistema político sectário do
Líbano não será facilmente destruído, até
porque o sectarismo alimenta-se do medo e da
insegurança. Mas a escala da atual crise afetou
a legitimidade do regime. Até o Hezbollah,
aliado do Irã, que até agora tem defendido um
acordo político que protege suas armas, está
perdendo a popularidade entre o seu
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