Clipping Banco Central (2020-07-31)

(Antfer) #1

Banco Central do Brasil


Valor Econômico/Nacional - Eu & Fim de Semana
sexta-feira, 31 de julho de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

desigualdade.


Claro que já foi um grande avanço a
concordância do governo de repassar mais
recursos aos mais pobres. Em 2011, Bolsonaro
chegou a propor o fim do Bolsa Família e seu
primeiro ano de mandato aumentou a fila das
famílias não contempladas. O ministro Guedes
também nunca foi um entusiasta desse tipo de
medida. Ele acreditava basicamente que o
crescimento econômico alavancado pelo
mercado desregulado melhoraria a vida dos
mais pobres.


O presidente e seu ministro da Economia
mudaram de opinião por três razões. A primeira
é que a pandemia exigiu a criação do auxílio-
emergencial para aqueles que ficaram sem
atividade e renda. Segundo o IBGE, essa
transferência chegou a quase metade da
população brasileira, um número
impressionante. Já se sabe que houve várias
fraudes e é provável que uma parcela
favorecida, como pequenos comerciantes, só
precisariam desse recurso em situações
extraordinárias. Mesmo assim, o governo e a
sociedade brasileira assustaram-se com o
tamanho da pobreza e da desigualdade
revelado pela crise sanitária.


Essa nova percepção da desigualdade fez com
que diversos grupos sociais e políticos, com
visões de mundo diferentes, defendessem mais
firmemente a ampliação ou criação de formas
de transferência de renda mais amplas. Criou-
se um consenso tão forte que, mesmo que o
governo não apresente nenhuma proposta,
será aprovada até 2022 alguma proposta no
Congresso Nacional que mudará o perfil
vigente dessas políticas, seja com um perfil
mais focalizado no combate à pobreza, seja
com uma distribuição mais universal,
transformando-se numa renda básica de
cidadania. De todo modo, essa é a segunda


razão que levou à mudança de opinião no
núcleo governamental: se não fizerem nada,
algo será aprovado, independentemente do
Executivo.

Na verdade, o que mais convenceu o governo
a alterar sua posição inicial foi o efeito do
auxílio emergencial na popularidade de
Bolsonaro. Se não fossem esses recursos, e na
quantidade que foram distribuídos, a
incompetência no combate à pandemia teria
levado o apoio ao governo à casa dos 20%,
patamar que poderia ter levado até ao
processo de impeachment. O presidente
percebeu que para ter os pobres ao seu lado,
especialmente os das regiões mais
empobrecidas do país, não vai bastar a
combinação de moralismo religioso com defesa
da liberdade dos mais fortes. E sem namorar
esse contingente populacional, não há como
pleitear a reeleição.

A mudança da posição do governo tem de ser
aplaudida, pois seria muito pior se a opção
fosse pelo darwinismo social puro, que era
marcante no discurso inicial do ministro da
Economia e da própria Presidência da
República. Se o benefício aprovado tivesse
sido de R$ 200, como queria o Executivo, o
país teria tido uma explosão social. E a decisão
de ampliar o Bolsa Família, com que nome
seja, também é louvável, porque distribui
recursos para quem mais precisa e diminui o
abismo social brasileiro, com efeitos
civilizatórios e de alavanca econômica, com o
aumento do consumo.

O perigo já não está mais na continuidade do
liberalismo selvagem. Bolsonaro o abandonou
porque sabe que essa trilha levaria seu
governo à bancarrota política. O temor agora
está na possibilidade de o novo programa ser
apenas um instrumento eleitoral pouco
preocupado com a luta mais ampla contra a
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