Clipping Banco Central (2020-08-01)

(Antfer) #1

Banco Central do Brasil


Revista Época/Nacional - Colunistas
sexta-feira, 31 de julho de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

ombros dos quatro gigantes do agronegócio
internacional e dos comerciantes de madeira e
ouro.


No passado, sempre foi fácil negar
conhecimento das ilegalidades. Quando, há 20
anos, eu fazia reportagens na Amazônia sobre
a vinculação entre o desmatamento e a
produção ilegal e ligava para importadores de
soja, madeira ou carnes nos Estados Unidos ou
na Europa, a resposta deles era sempre a
mesma: estamos atuando de boa-fé,
cumprimos todas as leis brasileiras,
desconhecemos qualquer abuso, e seria
ingerência na soberania dos brasileiros exigir
que eles consertem eventuais fraquezas no
sistema.


Só que esses executivos, sentados em
escritórios cômodos em Nova York ou Miami,
Milão ou Amsterdã, longe do calor e da
violência do campo brasileiro, entendiam, como
eu, que tudo era encenação. Os certificados
“verdes” do Ibama ou do Incra que eles
aceitavam como legítimos, por exemplo, eram
muitas vezes toscamente falsificados. Todo
mundo sabia disso: em qualquer município
amazônico de médio porte operavam
abertamente falsificadores, que forjavam não
apenas os certificados mas também escrituras.


Essa situação prevaleceu até mais ou menos



  1. Mas, na última década, avanços na
    tecnologia têm enterrado de uma vez por todas
    esse fingimento de “não sei de nada”. Os
    dados dos satélites do Inpe são fundamentais
    nesse processo, mas para mim uma das
    ferramentas mais poderosas de accountability
    corporativo foi desenvolvida pela ONG inglesa
    Trase (“rastrear”), que se autodenomina como
    “uma nova plataforma de acesso aberto que
    proporciona maior transparência para cadeias
    de produção” de commodities.


Numa colaboração com duas ONGs brasileiras
— o Instituto Centro de Vida, em Cuiabá, e a
Imaflora, em Piracicaba — a Trase acaba de
publicar um rico banco de dados que, por
referência cruzada, permite identificar as
infrações em nível de município. Os dados não
citam fazendeiros ou exportadores específicos,
mas por meio do cruzamento de dados é fácil
deduzir quem é quem.

Em junho o consórcio publicou dois relatórios
reveladores sobre o agronegócio brasileiro,
disponíveis em português e inglês no site da
Trase. O primeiro trata da soja em Mato Grosso
e mostra que “95% do desmatamento em
fazendas de soja entre 2012 e 2017 ocorreu
sem autorização dos órgãos ambientais, sendo,
portanto, ilegal”. Mais interessante ainda, “80%
do desmatamento ilegal em fazendas de soja
ocorreu em 400 imóveis, que representam
apenas 2% do número total de fazendas de
soja no estado”.

Ou seja, quase 98% das fazendas não violam a
lei, mas acabam metidas no mesmo saco com
os infratores. O segundo relatório, sobre
exportações de carne bovina, chega a uma
conclusão quase idêntica: os abusos “estão
altamente concentrados em um pequeno
número de empresas e regiões”, com apenas
25 municípios representando “metade dos
riscos associados a emissões de CO2
causadas pelo desmatamento”.

Nós temos uma expressão em inglês que
descreve perfeitamente a política histórica do
agronegócio e seus aliados: “tentar passar
batom num porco”. Ou seja, empenhar-se em
enfeitar algo tão feio que simplesmente não dá
para embelezar. Num momento em que um
acordo de livre comércio entre a União
Europeia e o Mercosul talvez esteja em perigo
por causa da devastação ambiental na
Amazônia, no Cerrado e no Pantanal, a Trase
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