National Geographic - Portugal - Edição 233 (2020-08)

(Antfer) #1
Na sequência de uma vitória
contra os franceses, em 1743, cerca de 1.500 soldados britânicos,
sem ferimentos, mas mortalmente doentes, arrastaram-se até
ao hospital geral do exército numa aldeia dos arredores de Frank-
furt, na Alemanha. Dois ou mais homens jaziam sobre cada
cama, amontoando-se também sobre o chão. A maioria dos
doentes padecia de disenteria e a enfermaria encontrava-se ine-
vitavelmente coberta de excrementos, urina, sangue, suor e
vomitado. As pulgas e os piolhos abundavam. Pouco depois, a
disenteria deu lugar ao tifo. Centenas de homens morreram.
John Pringle, médico militar na sua primeira campanha,
observava horrorizado os moribundos. As ideias que desen-
volveu mais tarde para prevenir as doenças foram uma das
primeiras expressões da teoria da sujidade. Resumidamente,
ele defendia que um ambiente sujo favorece as doenças e que
o saneamento contribui para a sua prevenção.
Nascido em 1707, John era o fi lho mais novo de uma famí-
lia oriunda da pequena aristocracia escocesa. Conquistou o
respeito como professor na Universidade de Edimburgo, ensi-
nando moral e fi losofi a natural, disciplinas que signifi cavam
aprender coisas com o mundo vivo através da experimenta-
ção, da observação e do raciocínio indutivo. Quando a guerra
da sucessão austríaca começou, ele foi nomeado médico-geral
das forças britânicas que incluíam 16 mil homens.
Segundo a estimativa de John Pringle, o exército britânico
perdeu um quarto dos seus homens devido à doença duran-
te a campanha de 1743. O médico decidiu inverter a situação,
desenvolvendo esforços junto do comando militar para trans-
formar os seus conhecimentos em ordens de serviço. Ao ins-
talarem os acampamentos militares, os intendentes recebiam
instruções para evitarem zonas húmidas e mal ventiladas e
para escavarem latrinas adequadas com antecedência.
Os hospitais eram o outro inimigo dos soldados. John Prin-
gle reparou que os homens tratados no acampamento militar
normalmente evitavam a febre hospitalar, como então se cha-
mava ao tifo. Tornou-se então norma mantê-los no acampa-
mento, sempre que possível. Nos hospitais, o espaço reserva-
do aos doentes deveria ser limpo e bem ventilado, com uma
área mínima de três metros quadrados para cada homem.
A roupa de cama deveria ser mudada com frequência.
No hospital geral, a mortalidade diminuiu mais de metade: de
21,4% em 1743 para 9,8% nos dois anos de guerra seguintes.
Em 1752, Pringle publicou o livro "Observações sobre as
Doenças do Exército”, objecto de numerosas edições nas duas
décadas seguintes, levando o seu evangelho sanitário a todas
as forças armadas britânicas. Ao reconhecerem o sucesso da
teoria da sujidade na limpeza das forças armadas, os pioneiros
da saúde pública em breve iniciaram uma guerra à imundície
noutrocampo:nascidadesdarevoluçãoindustrial.

John Pringle

A TEORIA
DA UJIDADE

Horrorizado
com o que
observou num
hospital
militar, um
médico
britânico
reconheceu a
importância
das condições
de higiene e
promoveu
reformas que
salvaram
inúmeras
vidas dentro e
fora do campo
de batalha.

Setentaecinco
por cento das
mortes ocorridas
entre os soldados
de Napoleão
em 1812 foram
causadas
pelotifo.

PANDEMIAS DO PASSADO 23

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