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SÃOOSALDEÃOSDORAJASTÃO.Olham-nos
quandopassamosporeles,soba luzquentedo
desertodeThar.Andamossujos,cobertosde
poeiragrossa,bronzeadospelosol:somosespan-
talhoscarbonizados,atravessandopenosamente
a Índiaa pé,acompanhadosporumburrode
carga.Osautóctonesconfundem-noscomartistas
itinerantes,viajantesloucos,nómadascircenses.
Achamquesomosfeiticeiros.Arespostaà per-
guntaquenosfizeram:sim,claro.Nóstemos
magiadentrodenós.Naverdade,todostemos.
Amagiaestánaágua.
Ossereshumanossãopoçosmóveisdeágua
moderadamentesalgada.Comoqualquercrian-
çasabe,o nossocorpocontémaproximadamen-
te amesmapercentagemdeágua quecobre a
superfícieda Terra.Não háqualquer mistério
nestas proporções harmónicas. Somos ani-
maisaquáticosnascidosnumplanetaaquático.
Aáguaestáportodaa partee empartenenhu-
ma.É umelementoirrequieto:nãosedetém,está
sempreemmovimentoe constantementea mu-
dardeestadofísico,degasosoparalíquido,de
líquidoparasólidoe assimsucessivamente.
Umátomodeoxigénio.Doisdehidrogénio.
Asmoléculasdeáguasãotriangularescomo
umapontadeseta.Istoajudaa darà águauma
certa polaridade, uma carga infinitesimal em
cadaextremidade.É assimqueelamodelacolec-
tivamentea nossarealidade.Éocompostoque
dissolvee ligaasnossascélulascerebrais,ascor-
dilheiras,o vaporquesobedasuacanecadechá
matinale asplacastectónicas.
Resham Singh, um carpintei-
ro de 59 anos, tem as mãos
retorcidas devido a artrite.
Os médicos dizem que esta
poderá ter sido causada por
exposição a águas contami-
nadas com adubos e pestici-
das. A utilização intensiva
de produtos químicos
matou a fome na Índia e
permitiu a “revolução verde”,
mas, na aldeia de Singh,
existem incidências
elevadas de cancro.
“Sabem fazer truques de magia?”
E contudo há tão pouca para beber! O oceano
salgado contém cerca de 97% de toda a água do
mundo. Os pólos e os glaciares, mesmo em fu-
são devido aos efeitos das alterações climáticas,
encerram cerca de 2%. Só uma gotícula absurda-
mente pequena do abastecimento global, menos
de 1%, está disponível para a sobrevivência huma-
na: água doce no estado líquido. E continuamos a
desperdiçar este tesouro como tolos num deserto.
Ando a percorrer o mundo a pé. Ao longo dos
últimos sete anos, tenho reconstituído as pe-
gadas do Homo sapiens, que partiu de África no
Paleolítico e explorou o mundo primordial. E em
nenhum outro lugar por onde passei ao longo da
minha viagem a pé – em nenhum outro país ou
continente – apanhei um susto ambiental tão
grande como a iminente crise hidráulica indiana.
É quase demasiado assustadora para contemplar.
O segundo país mais populoso do mundo, lar
de mais de 1.300 milhões de pessoas, é também
uma paisagem definida por rios como o Indo, o
Ganges, o Bramaputra e todos os seus poderosos
afluentes. Este país encontra-se agora à beira de
uma emergência hidráulica com consequências
impossíveis de prever. Cerca de cem milhões de
pessoas em 21 megacidades indianas, incluindo
Deli, Bengaluru (Bangalore) e Haiderabade, pode-
rão engolir a sua última gota de água subterrânea
até ao final deste ano. Agricultores do Punjab, no
Norte da Índia, um importante celeiro asiático,
queixam-se de que os seus lençóis freáticos exces-
siva e inclementemente consumidos estão a des-
cer 12, 18 ou até 30 metros numa única geração.