Elle - Portugal - Edição 382 (2020-08)

(Antfer) #1

TELEVISÃO


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género com transmissão no nosso país), vai para sempre
ter um lugar de destaque: afinal, quem não se lembra do
Zé Maria? Ao longo dos anos seguintes, muitos foram
os formatos similares que foram surgindo. O modelo da
novela da vida real é, na sua essência, muito apelativo, na
perspetiva em que são reproduzidos modelos sociais que
são familiares aos espetadores. «O formato do programa,
sendo uma simulação da realidade, faz com que haja uma
maior facilidade do público em se identificar com as pessoas
e com as situações que lá são representadas», explica Maria
João Cunha, professora universitária do Instituto Superior
de Ciências Sociais e Políticas e investigadora do Centro
Interdisciplinar de Estudos de Género.

O REGRESSO DESTE FORMATO aos ecrãs dos portugueses
veio carregado de simbologia. Vinte anos após a primeira
emissão na TVI (que contou com Teresa Guilherme como
apresentadora), o regresso da novela da vida real foi mui-
to falado nos meses que antecederam a sua mais recente
estreia, mas a pandemia global, que nos
obrigou a ficar fechados em casa, durante
meses, obrigou também a adiar a estreia
do formato. Durante este tempo de qua-
rentena, o consumo de televisão aumentou
consideravelmente. Segundo um estudo
da empresa Group M, citada pelo jornal
Expresso, os portugueses viram, em média,
sete horas de televisão por dia nas duas
primeiras semanas de confinamento, um
comportamento replicado um pouco por
todo o mundo. Por exemplo, no Brasil, o
Big Brother (que em 2020 celebrou a sua
20ª edição), conquistou um recorde do
Guiness, com a maior votação de sempre
alcançada por um programa televisivo, com 1,5 mil milhões
de votos na 10ª gala, (ao contrário do que acontece em Por-
tugal, os votos naquele país da América do Sul são grátis),
realizada no fim do mês de março. Com estes números não
é de admirar que as audiências tenham atingido picos que
há muito não se registavam no programa da Rede Globo, e
muitos atribuem a responsabilidade ao Covid-19. A maior
parte dos programas de televisão e eventos naquele país foram
afetados pela pandemia, sendo o Big Brother a única exceção.
Ao contrário do que aconteceu no Canadá, em que o reality
show foi interrompido a meio e o prémio final doado para
auxiliar no combate à doença, a versão brasileira continuou
no ar e até assumiu um papel educativo para os espetadores.
O apresentador, Tiago Leifert, no momento de partilha do
estado do país e do mundo com os residentes – uma quebra
clara da regra de base deste tipo de programas, que é precisa-
mente a não partilha de informação do exterior –, explicou,

em conjunto com um médico, o que era a doença e quais
os passos importantes para a prevenção e a propagação do
vírus. O Big Brother Brasil continuou no ar durante parte
da pandemia e não é caso isolado. A versão portuguesa,
apesar de ter sido inicialmente adiada, também avançou
depois de uma reestruturação do formato, para garantir
que os concorrentes passavam por uma fase de quarentena
rigorosa, antes de entrarem na casa e poderem conviver.
Entretanto, as plataformas de streaming aproveitaram a
boleia e lançaram os seus próprios formatos originais de
reality shows, como o Too Hot To Handle, da Netflix (de
notar que entre março e junho, esta plataforma registou
10,1 milhões de novos utilizadores).

É um facto que este formato televisivo não é novidade,
mas as audiências comprovam que as pessoas estão mais
envolvidas do que nunca. Em Portugal, em específico, o Big
Brother tem sido instrumental na recuperação dos números
de audiência da TVI, com a gala de domingo à noite a ser, com
frequência, líder da tabela e com o canal TVI
Reality, que acompanha continuamente o
dia a dia dos concorrentes, entre as dez horas
e as três da manhã, a ocupar o terceiro posto
como canal do cabo mais visto.
Sendo assim, porque é que as pessoas
parecem estar a interessar-se outra vez por
reality shows? «Nunca podemos olhar para
uma situação e não olhar para sua conjun-
tura», começa por dizer Maria João Cunha.
«Este é um ano muito atípico. É um ano em
que vivemos tempos de pandemia e [em]
que as pessoas estão naturalmente mais em
casa. O tempo livre que, em outras circuns-
tâncias e noutros anos, seria ocupado a sair
mais ou a estar com outras pessoas, neste momento, é um
tempo de alguma solidão. Talvez aqui exista esta dimensão
da companhia dos programas televisivos em geral, e deste
em particular, pelo fenómeno de identificação», explica a
professora. Ou seja, como não é possível sair e estar com
pessoas como fazíamos antes, a probabilidade de ocuparmos
o nosso tempo dentro de casa a ver televisão é mais elevada e,
com este tipo de formato, há uma ligação emocional entre o
espetador e o concorrente: ambos estão fechados numa casa,
sem (ou com pouco) contacto com o exterior.

ESSE SENTIMENTO DE IDENTIFICAÇÃO pode ser um dos
fatores que faz com que as situações que acontecem dentro da
casa saltem imediatamente para o exterior e, dessa forma, se
transformem em debates públicos. As redes sociais assumem
assim o papel de meio condutor e recetor do próprio debate.
«Há aqui um fenómeno multiplicador, no sentido em que

DURANTE A


QUARENTENA


OS PORTUGUESES


VIRAM, EM MÉDIA,


SETE HORAS


DE TELEVISÃO


POR DIA.

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