Clipping Banco Central (2020-08-02)

(Antfer) #1

Banco Central do Brasil


O Globo/Nacional - País
domingo, 2 de agosto de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

deixar a embaixada do Brasil junto à
Comunidade Européia, em Bruxelas, para onde
fora nomeado. Veio ao telefone também sua
mulher, Rosa Freire de Aguiar. Celso, servidor
público por excelência, além de grande
intelectual, era falado para outros ministérios,
como Fazenda ou Planejamento. Coube-lhe o
da Cultura, que organizou e ao qual emprestou
o prestígio de seu nome.


Disse-lhe que eu não poderia sequer ser
cogitado para uma função ministerial porque
era senador exercendo a suplência e quem
ocuparia minha função no Senado seria o
segundo suplente, que era prefeito de
Campinas. Teria que renunciar à prefeitura
para assumir o Senado e sabe Deus por
quanto tempo. Aconselhei-o a aceitar o
ministério, sem que me houvesse perguntado.


Quiseram os fatos que fossemos amigos. Em
Paris, mais de uma vez, fiquei no apartamento
do casal. Anteriormente Celso fora casado com
uma físico-química argentina (mãe de André,
que trabalhou no Cebrap). Ela nos olhava com
certa superioridade: ah... estas Ciências
Sociais. Da mesma maneira, inúmeras vezes
Celso ficou em meu apartamento em Brasília
quando eu era senador. Também frequentes
foram nossos encontros quando morávamos na
França. Ao longo de 1961 , Celso, Luciano
Martins, a quem ele era muito chegado, eu e,
eventualmente, Waldir Pires (que ensinava em
uma faculdade de Direito, mas não em Paris)
almoçávamos juntos.


A amizade, que se manteve, nunca me fez
esquecer que foi com seus livros,
especialmente "A Formação Econômica do
Brasil", que comecei a entender as mudanças
que ocorreram no país. Quando, em 1964,
estivemos (Celso por alguns meses antes de ir
para Yale) vivendo em Santiago, moramos
juntos. E conosco Francisco Weffort e Wilson
Cantoni. Celso havia trabalhado antes na Cepal
e, além de ser amigo dos economistas
chilenos, era admirado por Prebisch, nosso
inspirador e chefe do Ilpes e do BID.

Não sei de outro economista (mais do que isso:
cientista social) que tenha influenciado tanto a
minha geração como Celso. E muitas outras
mais. Não só pelo que renovou na visão sobre
a economia (somando Keynes a Prebisch e
Kaldor), mas como homem público exemplar.
Inteligente, culto e modesto. Dele as gerações
futuras não apenas se recordarão como lhe
serão agradecidas. Celso nos mostrou o
quanto a economia brasileira se integrava à
mundial e como, sem uma ação do Estado,
teria sido impossível (ou muito mais difícil)
avançar tanto quanto avançou. Além do mais,
sabia escrever: iniciara a vida na literatura.

O mesmo digo sobre Florestan Fernandes:
homem de cultura enciclopédica, conhecia
tanto sociologia como antropologia e os
escritos dos economistas clássicos não eram
misteriosos para ele. De Marx a François
Simiand, conhecia-os bem. Mais do que isso:
desvendou não só os males da escravidão e
dos preconceitos de cor como também mostrou
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