Clipping Banco Central (2020-08-02)

(Antfer) #1

Banco Central do Brasil


Correio Braziliense/Nacional - Opinião
domingo, 2 de agosto de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

esses talvez estejam, agora mesmo, checando
os arquivos, rasgando e queimando
documentos e fotos, destruindo pendrives,
atirando antigos celulares no mar e apagando
memórias dos computadores. Afinal, mesmo
mortos, não querem correr o risco de ter
situações e relações impróprias devassadas.


Sim, mas e o day after? Temo desapontar o
leitor: não acontecerá nada. Nadinha. Necas.
Na melhor das hipóteses, talvez no dia
seguinte àquele em que toda a humanidade
seja vacinada, em que a poção milagrosa
produzida pelos cientistas seja injetada no
braço de sete e tanto bilhões de habitantes
deste planeta, talvez, nesse dia e em dias
seguintes, a humanidade seja diferente do que
é hoje. Talvez, nesses dias (vá lá, uma
semana), nós nos sintamos irmanados aos
coreanos (até aos do norte), aos esquimós, aos
bosquímanos, a todos os negros e aos
brancos, aos homens e às mulheres, aos ricos
e aos pobres do mundo todo.


Talvez nesses dias a gente se sinta como se
tivesse escapado, junto com todos os demais
habitantes do planeta, de um perigo imenso, de
um risco sem tamanho, perigo de destruição
total. Talvez esse sentimento nos irmane, nos
faça perceber que estamos juntos, queiramos
ou não, que temos de cuidar deste ponto
perdido do universo que, afinal de contas, é
nossa casa, limpá-lo, preservá-lo, mantê-lo
saudável, pelo menos no que depender de nós.
Pode ser (apenas pode ser, não sei ao certo)
que, durante uma semana, a gente perceba
que é ridículo, idiota, e primário viver cutucando
um ao outro, ameaçando o vizinho, destruindo
sua casa, invadindo sua horta, matando seu
cão, sua mulher, seus filhos, jogando sal na
terra em volta da casa dele para que lá nunca


mais cresça planta alguma.

Talvez a gente, durante essa semana, perceba
no coração um estranho e inusitado sentimento
de fraternidade, uma emoção rara (e até
gostosa), mas muito ameaçadora, pois nos
coloca distantes de nossas armas e de nossos
escudos. Essa emoção nos fragiliza, pois não
pede por armas e violência, mas por
solidariedade e conforto. Essa emoção nos
ameaça porque não sabemos abraçar de
verdade, nem acreditar no próximo, nem dividir
o que temos mesmo que esteja sobrando.

Mas, se tudo correr bem, esse sentimento
durará, no máximo, uma semana. Depois
voltaremos a ser como sempre, a ser nós
mesmos. E nos esqueceremos de tudo o que
passamos. E a normalidade pairará novamente
sobre a Terra.

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas
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