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O Estado de S. Paulo/Nacional - Espaço Aberto
domingo, 2 de agosto de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

Dois centenários


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Autor: Fernando Henrique Cardoso

O ser humano é dotado de memória. Mas
também se esquece. Há, contudo, pessoas que
se transformam em ícones: essas não há como
esquecer. Este ano, 2020, se vivos estivessem,
e não só em nossa memória, fariam 100 anos
Celso Furtado e Florestan Fernandes. Um
deixou marcas na economia, o outro na
sociologia. Ambos, em nossa história intelectual.

Conheci bem os dois. Fui formado na Faculdade
de Filosofia da USP por muitos "mestres". No
meu caso, nenhum foi mais importante do que

Florestan, desde que me deu um curso
introdutório, em 1949. Celso conheci quando eu
fazia, em 1962, uma pesquisa sobre o papel dos
empresários no desenvolvimento econômico e
fui ao Recife, com Leôncio Martins Rodrigues,
para entrevistar alguns deles. Celso, então, já
era diretor-superintendente da Sudene. Posso
tê-lo visto antes em alguma conferência em São
Paulo - também minha memória, aos poucos,
está repleta de esquecimentos ...

Não me esqueço, porém, de dois episódios.
Fomos procurá-lo em seu apartamento,
modesto, na Praia de Boa Viagem. Emprestou-
nos um jipe da Sudene, com um motorista.
Aproveitamos a visita que um casal de
jornalistas iugoslavos faria ao Engenho da
Galileia, famoso pelas ocupações de Francisco
Julião, líder das Ligas Camponesas, para
conhecermos a Zona da Mata. Anos mais tarde,
eu detido na Oban, fui minuciosamente inquirido
sobre os dois "comunistas" que haviam ido
comigo àquelas plagas. Não os conhecia, foram
apenas companheiros de viagem. O motorista
era também informante da polícia ...

Quando Celso e eu já éramos amigos, estava
em Barcelona, no inverno de 1986, visitando
minha filha Beatriz, que estudava lá. Uma bela
manhã tocou o telefone. Era Celso, queria saber
se eu também seria nomeado ministro, pois ele
fora convidado por José Sarney para ocupar a
pasta da Cultura. Teria de deixar a Embaixada
do Brasil junto à Comunidade Europeia, em
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