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O Globo/Nacional - Opinião
segunda-feira, 3 de agosto de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

maldizer e escárnio. Ou, mais que isso,
entramos num campo que só o estudo da
injúria pode abarcar.


Jorge Luis Borges escreveu a bela "História
universal da infâmia". Nas suas obras
completas é possível encontrar também
algumas notas sobre a injúria, uma categoria
específica de agressão.


E um texto curto, intitulado "Arte da injúria".
Segundo Borges, o agressor deverá saber,
conforme advertem os policiais da Scotland
Yard, que qualquer palavra que diga pode ser
voltada contra ele.


O sonho dele, portanto, é ser invulnerável. Isso
foi escrito na década dos 30, muito antes da
internet, que trouxe o conforto do anonimato.


O roteiro da injúria em Borges passa pelas ruas
de Buenos Aires. O agressor sempre adivinha
a profissão da mãe dos outros e quer que
mudem para um certo lugar que pode ter
diferentes nomes. Em português, é possível
conciliar os dois tipos de injúria enviando a
pessoa para um lugar que, em linguagem
amenizada, é a ponte que partiu.


Ao longo de sua análise, Borges descobre que,
nas "Mil e uma noites", célebre texto árabe, há


um xingamento que se tornou popular: cão.

E chega aos que parecem mais sofisticados e
certeiros como este: "Sua esposa, cavalheiro,
sob o pretexto de trabalhar num prostíbulo,
vende artigos de contrabando".

Borges destaca também a injúria mais
esplêndida feita por alguém que não tinha
contato com a literatura. Ele descreve um
homem chamado Santos Chocano, dessa
maneira: "Os deuses não consentiram que
Santos Chocano desonrasse o patíbulo, nele
morrendo. Aí está vivo, depois de ter fatigado a
infâmia". O personagem me lembra um pouco
velhos políticos que ganham uma espécie de
pele de elefante depois de tantas pancadas
pela vida afora. Cansam até o xingamento.

Mas os insultos contra as pessoas que têm
outra atividade costumam ser devastadores
para suas relações familiares, de amizade e a
própria autoestima. Sou solidário com elas e
desejaria ver algo na lei que acabasse com a
invulnerabilidade do agressor.

Pessoalmente, não guardo ressentimentos,
sobretudo agora nessa idade. Não me
ameaçam de morte, simplesmente afirmam que
já morri e não me dei conta. Decretaram minha
morte em algum momento do passado e
reclamam por não ter levado a sentença a
sério.
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