Clipping Banco Central (2020-08-06)

(Antfer) #1

Banco Central do Brasil


Valor Econômico/Nacional - Opinião
quinta-feira, 6 de agosto de 2020
Banco Central - Perfil 1 - Banco Central

Em segundo lugar, o Legislativo não está
conduzindo análise de impacto. A ausência de
uma avaliação quanto aos efeitos práticos do
tabelamento retira a possibilidade de sopesar
custos e benefícios da medida, ou examinar
alternativas jurídicas possíveis. Em terceiro
lugar, não há qualquer contribuição do PL para
a construção de um Código de sustentabilidade
para o consumidor no mercado financeiro.
Cartões de crédito e cheque especial são
produtos que poderiam ser regulados em
quadro legislativo mais abrangente.


A existência de impactos negativos do
tabelamento de juros é apontada por diferentes
pesquisas empíricas. Em 2018, pesquisa1
identificou que restrições a juros são definidas
por normativos de, pelo menos, 76 países. No
entanto, embora o tabelamento possa impedir
práticas abusivas, tal ferramenta tende a
provocar resultados perversos, não
intencionais, que são essencialmente
contraditórios com o objetivo legal.


O principal dos efeitos é o de limitar fortemente
a concessão de crédito aos grupos com maior
risco de inadimplência e sem garantias,
representados, majoritariamente, por famílias e
indivíduos mais vulneráveis, além de micro e
pequenas empresas. Em países com algum de
tipo de tabelamento, observou-se também o
aumento de tarifas e comissões na concessão
de empréstimos e a consequente redução da
transparência na composição de preços no
mercado. Essa é uma avaliação empírica
construída pelo referido estudo sobre as
práticas normativas na Índia, no Reino Unido,
no Camboja, no Quênia, Zâmbia e na União
Econômica e Monetária do Oeste Africano.


As restrições aos juros afetaram não somente a
quantidade do crédito ofertado, mas
principalmente sua distribuição. No Reino


Unido, por exemplo, empréstimos foram
proporcionalmente mais recusados a jovens de
baixa renda e com maior propensão ao
desemprego. No Quênia, entre 2016 a 2017,
constatou-se um crescimento de 14% no
crédito ao setor público e redução de
empréstimos a famílias e pequenas empresas.

Se a limitação normativa para juros produz
efeitos não intencionais e contraditórios, como
pode, então, o Poder Legislativo contribuir para
a construção de um mercado financeiro
socialmente responsável? É preciso que se
edite um Código de sustentabilidade para
mutuantes (prestamistas) e mutuários
(consumidores), com a definição de objetivos
para o desenvolvimento do mercado e
obrigações incisivas para credores. É preciso
estabelecer, em legislação, a obrigação de
credores construírem uma engenharia creditícia
socialmente adequada para consumidores, sob
supervisão do Banco Central. Ainda que
passível de regulamentação pelo BC, o
Congresso deve prever princípios norteadores
e os contornos jurídicos precisos de
obrigações.

O Código de Defesa do Consumidor poderia
ser aplicado em caráter subsidiário. Um Código
de empréstimo sustentável deve indicar
princípios de responsabilidade para credores e
fornecer orientações sobre como prestamistas
podem cumpri-los na prática. A avaliação da
onerosidade excessiva é feita pelo Poder
Judiciário, a partir da análise da adequação de
contratos às obrigações e aos princípios
definidos por um novo e audacioso Código.
Idealmente, o PL nº 3.515/2015, em tramitação
na Câmara dos Deputados, que trata do
superendividamento, deveria ser integrado a
esse debate legislativo.

Boa-fé, espírito cooperativo, solidariedade
contratual, ética e diligência são princípios
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