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Folha de S. Paulo/Nacional - Opinião
sexta-feira, 7 de agosto de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
Uma metáfora do Brasil
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Autor: Paulo Betti
O tempo faz tudo parecer engraçado, até a
tragédia
Outro dia me lembrei da estreia de "Júlio
César", de Shakespeare, no Teatro Municipal de
São Paulo. O ano era 1965 (ou 1966), logo
depois do golpe militar. A empresária teatral
Ruth Escobar resolveu encenar a tradução de
Carlos Lacerda, na época governador do estado
da Guanabara.
Era odiado por muitos, principalmente pelos
artistas da chamada "classe teatral", que se
opunham ao regime recém-instalado. O "Corvo"
- como chamavam Lacerda - , um dos principais
conspiradores do regime militar, precisava de
uma imagem mais intelectual, humana e de uma
ponte com a cultura, que lhe desenhasse um
perfil favorável.
Ruth conseguiu muito dinheiro oficial para
encenar a peça. Contratou um elenco
excepcional, regiamente pago. O cenógrafo era
Vladimir Carvalho, que construiu uma escadaria.
Os figurinos eram de Maria Bonomi, expressiva
artista plástica, mas com pouca experiência
teatral. Antunes Filho, talvez numa espécie de
autopunição por estar fazendo aquela produção
politicamente incorreta, empregou uma
estratégia suicida.
Ensaiou os atores separadamente. O elenco
completo só se encontrou na véspera da estreia,
no ensaio geral. Alguns atores argumentaram
que não era possível estrear, mas foram
demovidos pela produção de que a divulgação
já estava feita.
Argumentando com a tradição de que o mau
ensaio geral prevê uma grande estreia, baseado
na teoria de "o risco da catástrofe iminente", o
diretor conseguiu convencer o elenco.