Clipping Banco Central (2020-08-07)

(Antfer) #1

Banco Central do Brasil


Valor Econômico/Nacional - Eu & Fim de Semana
sexta-feira, 7 de agosto de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

Amazônia, com as ciências sociais
enxergariam uma Amazônia também indígena,
cuja cultura é estigmatizada pelos leigos e
improvisadores que menosprezam os seres
humanos e suas alternativas para as
estreitezas mentais do primado do lucro e da
lucratividade. Os que menosprezam porque
pensam o mundo e a vida na perspectiva estéril
da mentalidade das classes ociosas, como as
definiu Thorstein Veblen (1857-1929).


A proposta apresentada é para acalmar os que,
nos países desenvolvidos, inquietam-se com os
desdobramentos políticos na opinião pública
interna de restrições significativas, de natureza
social e moral, à importação de produtos
originários de uma economia suspeita porque
delinquente e socialmente incorreta.


Faltou na proposta o remédio para as
ilegalidades na realidade amazônica, da
grilagem ao trabalho análogo ao do escravo.
Os poderes das economias dominantes têm
medo das consequências políticas da
consciência social crítica comprometida com a
primazia da condição humana.


O que os proponentes, aparentemente, não
perceberam é que as objeções e restrições aos
produtos da Amazônia não têm a ver somente
com queimadas e com o modo de produzir de
uma economia retrógrada, ainda que
aparentemente moderna.


Fala-se na necessidade de uma boa
propaganda que diga ao mundo que o Brasil
cuida do ambiente e cuida dos indígenas. A
fumaça da floresta queimada e o grito dos que
padecem os efeitos da predação e da
iniquidade lucrativas dizem que não. O
interesse pela Amazônia tem sido,
historicamente, limitado aos imediatismos do
capitalismo rentista. Não se trata de usar a
terra e a natureza, mas de consumi-las, o que é


a negação do próprio capitalismo.

O problema da Amazônia já havia chegado à
consciência das pessoas esclarecidas de
diferentes países há meio século. A questão
indígena, a da violência fundiária e a ambiental
brasileiras já estavam em debate na Europa e
mesmo nos anos 1970, quando a voracidade
da economia neoliberal tentou impor-se com
base na falsa premissa de que a Amazônia
estava disponível para ser ocupada
predatoriamente.

Há décadas, indígenas brasileiros têm
comparecido a debates, conferências e
manifestações na Europa para expor a situação
em que se encontram. O eminente e lúcido
cacique Raoni Metuktire, do grupo linguístico
kaiapó, tem sido ali recebido como herói da
humanidade, com seu imponente e belo
diadema plumário e seu solene batoque labial e
ritual, impondo respeito e acatamento. Coisa
que o governo atual não consegue.

Raoni é um dos melhores diplomatas populares
brasileiros, porque entre os que têm poder tem
o que falar e sabe falar a quem sabe ouvir O
interlocutor do verdadeiro Brasil.
Significativamente, foi depreciado pelo
presidente brasileiro na assembleia-geral da
ONU em 2019.

José de Souza Martins é sociólogo. Professor
Emérito da Faculdade de Filosofia da USP,
Simon Bolivar Professor (Cambridge, 1993-94).
Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da
Academia Paulista de Letras. Entre outros
livros, é autor de "Fronteira - A degradação do
Outro nos Confins do Humano" (Contexto).

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Free download pdf