POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO (do pensamento único à consciência universal) Milton Santos

(mariadeathaydes) #1

cultura, e a política também estava com ele intimamente relacionada.
Havia, por conseguinte, uma territorialidade absoluta, no sentido que, em todas as
manifestações essenciais de sua existência, os moradores pertenciam àquilo que lhes pertencia, isto
é, o território. Isso criava um sentido de identidade entre as pessoas e o seu espaço geográfico, que
lhes atribuía, em função da produção necessária à sobrevivência do grupo, uma noção particular de
limites, acarretando, paralelamente, uma compartimentação do espaço, o que também produzia uma
idéia de domínio. Para manter a identidade e os limites, era preciso ter clara essa idéia de domínio, de
poder. A política do território tinha as mesmas bases que a política da economia, da cultura, da
linguagem, formando um conjunto indissociável. Criava-se, paralelamente, a idéia de comunidade, um
contexto limitado no espaço.


Sistemas técnicos, sistemas filosóficos

Toda relação do homem com a natureza é portadora e produtora de técnicas que se
foram enriquecendo, diversificando e avolumando ao longo do tempo. Nos últimos séculos,
conhecemos um avanço dos sistemas técnicos, até que, no século XVIII, surgem as técnicas das
máquinas, que mais tarde vão se incorporar ao solo como próteses, proporcionando ao homem um
menor esforço na produção, no transporte e nas comunicações, mudando a face da Terra, alterando
as relações entre países e entre sociedades e indivíduos. As técnicas oferecem respostas à vontade
de evolução dos homens e, definidas pelas possibilidades que criam, são a marca de cada período da
história.
A vida assim realizada por meio dessas técnicas é, pois, cada vez menos subordinada ao
aleatório e cada vez mais exige dos homens comportamentos previsíveis. Essa previsibilidade de
comportamento assegura, de alguma maneira, uma visão mais racional do mundo e também dos
lugares que conduz a uma organização sociotécnica do trabalho, do território e do fenômeno do
poder. Daí o desencantamento progressivo do mundo.
No século XVIII, aconteceram dois fenômenos extremamente importantes. Um é a
produção das técnicas das máquinas, que revalorizam o trabalho e o capital, requalificam os
territórios, permitem a conquista de novos espaços e abrem horizontes para a humanidade. Esse
século marca o reforço do capitalismo e também a entrada em cena do homem como um valor a ser
considerado. O nascimento da técnica das máquinas, o reforço da condição técnica na vida social e
individual e as novas concepções sobre o homem se corporificam com as idéias filosóficas que se
iriam tornar forças da política. Este é um outro dado importante.
O século XVIII produziu os enciclopedistas e a revolução americana e a Revolução
Francesa, respostas políticas às idéias filosóficas. Num momento em que o capitalismo também se
reforçava, se as técnicas houvessem sido entregues inteiramente às mãos capitalistas sem que, pelo
outro lado, surgissem as idéias filosóficas (que também eram idéias morais), o mundo teria se
organizado de forma diferente.
Se ao lado desses progressos da técnica a serviço da produção e do capitalismo não
houvesse a progressão das idéias, teríamos tido uma eclosão muito maior do utilitarismo, com uma
prática mais avassaladora do lucro e da concorrência. Ao contrário, foi estabelecida a possibilidade de
enriquecer moralmente o indivíduo. A mesma ética glorificava o indivíduo responsável e a coletividade
responsável. Ambos eram responsáveis. Indivíduo e coletividade eram chamados a criar juntos um

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