POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO (do pensamento único à consciência universal) Milton Santos

(mariadeathaydes) #1

acarreta para a sociedade como um todo um pesado processo de desequilíbrio.
Todavia, mediante o discurso oficial, tais empresas são apresentadas como salvadoras
dos lugares e são apontadas como credoras de reconhecimento pelos seus aportes de emprego e
modernidade. Daí a crença de sua indispensabilidade, fator da presente guerra entre lugares e, em
muitos casos, de sua atitude de chantagem frente ao poder público, ameaçando ir embora quando
não atendidas em seus reclamos. Assim, o poder público passa a ser subordinado, compelido,
arrastado. À medida que se impõe esse nexo das grandes empresas, instala-se a semente da
ingovernabilidade, já fortemente implantada no Brasil, ainda que sua dimensão não tenha sido
adequadamente avaliada. À medida que os institutos encarregados de cuidar do interesse geral são
enfraquecidos, com o abandono da noção e da prática da solidariedade, estamos, pelo menos a
médio prazo, produzindo as precondições da fragmentação da desordem, claramente visíveis no país,
por meio do comportamento dos territórios, isto é, da crise praticamente geral dos estados e dos
municípios.


11.Em meio século, três definições da pobreza


Os países subdesenvolvidos conheceram pelo menos três formas de pobreza e,
paralelamente, três formas de dívida social, no último meio século. A primeira seria o que
ousadamente chamaremos de pobreza incluída, uma pobreza acidental, às vezes residual ou sazonal,
produzida em certos momentos do ano, uma pobreza intersticial e, sobretudo, sem vasos
comunicantes
Depois chega uma outra, reconhecida e estudada como uma doença da civilização.
Então chamada de marginalidade, tal pobreza era produzida pelo processo econômico da divisão do
trabalho, internacional ou interna. Admitia-se que poderia ser corrigida, o que era buscado pelas mãos
dos governos.
E agora chegamos ao terceiro tipo, a pobreza estrutural, que de um ponto de vista moral
e político eqüivale a uma dívida social. Ela é estrutural e não mais local, nem mesmo nacional; torna-
se globalizada, presente em toda a parte do mundo. Há uma disseminação planetária e uma produção
globalizada da pobreza, ainda que esteja mais presente nos países já pobres. Mas é também uma
produção científica, portanto voluntária da dívida social, para a qual, na maior parte do planeta, não se
buscam remédios.


A pobreza “incluída”

Antes, as situações de pobreza podiam ser definidas como reveladoras de uma pobreza
acidental, residual, estacional, intersticial, vista como desadaptação local aos processos mais gerais
de mudança, ou como inadaptação entre condições naturais e condições sociais. Era uma pobreza
que se produzia num lugar e não se comunicava a outro lugar.
Então, nem a cidade, nem o território, nem a própria sociedade eram exclusiva ou
majoritariamente movidos por driving forces compreendidas pelo processo de racionalização. A
presença das técnicas, coladas ao território ou inerentes à vida social, era relativamente pouco
expressiva, reduzindo, assim, a eficácia dos processos racionalizadores porventura vigentes na vida
econômica, cultural, social, e política. Desse modo, a racionalidade da existência não constituía um

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