mesmo dos outros processos definidores de nossa época.
A pobreza atual resulta da convergência de causas que se dão em diversos níveis,
existindo como vasos comunicantes e como algo racional, um resultado necessário do presente
processo, um fenômeno inevitável, considerado até mesmo um fato natural.
Alcançamos, assim, uma espécie de naturalização da pobreza, que seria politicamente
produzida pelos atores globais com a colaboração consciente dos governos nacionais e,
contrariamente às situações precedentes, com a convivência de intelectuais contratados – ou apenas
contratados – para legitimar essa naturalização.
Nessa última fase, os pobres não são incluídos nem marginais, eles são excluídos. A
divisão do trabalho era, até recentemente, algo mais ou menos espontâneo. Agora não. Hoje, ela
obedece a cânones científicos – por isso a consideramos uma divisão do trabalho administrada – e é
movida por um mecanismos que traz consigo a produção das dívidas sociais e a disseminação da
pobreza numa escala global. Saímos de uma pobreza para entrar em outra. Deixa-se de ser pobre em
um lugar para ser pobre em outro. Nas condições atuais, é uma pobreza quase sem remédio, trazida
não apenas pela expansão do desemprego, como, também, pela redução do valor do trabalho. É o
caso, por exemplo, dos Estados Unidos, apresentado como o país que tem resolvido um pouco
menos mal a questão do desemprego, mas onde o valor médio do salário caiu. E essa queda do
desemprego não atinge igualmente toda a população, porque os negros continuam sem emprego, em
proporção talvez pior do que antes, e as populações de origem latina se encontram na base da escala
salarial.
Essa produção maciça da pobreza aparece como um fenômeno banal. Uma das grande
diferenças do ponto de vista ético é que a pobreza de agora surge, impõe-se e explica-se como algo
natural e inevitável. Mas é uma pobreza produzida politicamente pelas empresas e instituições
globais. Estas, de um lado, pagam para criar soluções localizadas, parcializadas, segmentadas, como
é o caso do Banco Mundial, que, em diferentes partes do mundo, financia programas de atenção aos
pobres, querendo passar a impressão de se interessar pelos desvalidos, quando, estruturalmente, é o
grande produtor da pobreza. Acatam-se, funcionalmente, manifestações da pobreza, enquanto
estruturalmente se cria a pobreza ao nível do mundo. E isso se dá com a colaboração passiva ou ativa
dos governos nacionais.
Vejam, então, a diferença entre o uso da palavra pobreza e da expressão dívida social
nesses cinqüenta anos. Os pobres, isto é, aqueles que são o objeto da dívida social, foram já
incluídos e, depois, marginalizados, e acabam por ser o que hoje são, isto é, excluídos. Esta exclusão
atual, com a produção de dívidas sociais, obedece a um processo racional, uma racionalidade sem
razão, mas que comanda as ações hegemônicas e arrasta as demais ações. Os excluídos são o fruto
dessa racionalidade. Por aí se vê que a questão capital é o entendimento do nosso tempo, sem o qual
será impossível construir o discurso da liberação. Este, desde que seja simples e veraz, poderá ser a
base intelectual da política. E isso é central no mundo de hoje, um mundo no qual nada de importante
se faz sem discurso.
O papel dos intelectuais
O terrível é que, nesse mundo de hoje, aumenta o número de letrados e diminui o de
intelectuais. Não é este um dos dramas atuais da sociedade brasileira? Tais letrados,