POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO (do pensamento único à consciência universal) Milton Santos

(mariadeathaydes) #1

situações e a correspondente sistematicidade das manifestações de inconformidade constituem, via
de regra, um processo lento. Mas isso não impede que, no âmago da sociedade, já se estejam, aqui e
ali, levantando vulcões, mesmo que ainda pareçam silenciosos e dormentes.
Na realidade, uma coisa são as organizações e os movimentos estruturados e outra
coisa é o próprio cotidiano como um tecido flexível de relações, adaptável às novas circunstâncias,
sempre em movimento. A organização é importante, como o instrumento de agregação e
multiplicação de forças afins, mas separadas. Ela também pode constituir o meio de negociação
necessário a vencer etapas e encontrar um ovo patamar de resistência e de luta. Mas a obtenção de
resultados, por mais compensadores que pareçam, não deve estimular a cristalização do movimento,
nem encorajar a repetição de estratégias e táticas. Os movimentos organizados devem imitar o
cotidiano das pessoas, cuja flexibilidade e adaptabilidade lhe asseguram um autêntico pragmatismo
existencial e constituem a sua riqueza e fonte principal de veracidade.


25.A metamorfose das classes médias


Cada época cria novos atores e atribui papéis novos aos já existentes. Este é também o
caso das classes médias brasileiras, desafiadas agora para o desempenho de uma importante tarefa
histórica, na reconstituição do quadro político nacional.


A idade de ouro

O chamado milagre econômico brasileiro permite a difusão, à escala do país, do fato da
classe média. Na realidade, entre as muitas “explosões” características do período, está esse
crescimento contínuo das classes médias, primeiro nas grandes cidades e depois nas cidades
menores e no campo modernizado. Essa explosão das classes médias acompanha, neste meio
século, a explosão demográfica, a explosão urbana e a explosão do consumo e do crédito. Tal
conjunto de fenômenos tem relação estrutural com o aumento da produção industrial e agrícola, como
também do comércio, dos transportes, das trocas de todos os tipos, das obras públicas, da
administração e da necessidade de informação. Há, paralelamente, uma expansão e diversificação do
emprego, com a difusão dos novos terciários e a consolidação, em muitas áreas do país, de uma
pequena burguesia operária. Como a modernização capitalista tende ao esvaziamento do campo e é
sempre seletiva, uma parcela importante dos que se dirigiram às cidades não pôde participar do
circuito superior da economia, deixando de incluir-se entre os assalariados formais e só encontrando
trabalho no circuito inferior da economia, impropriamente chamado de setor “informal”.
Vale realçar que no Brasil do milagre, e até durante boa parte da década de 1980, a
classe média se expande e se desenvolve sem que houvesse verdadeira competição dentro dela
quanto ao uso dos recursos que o mercado ou o Estado lhe ofereciam para a melhoria do seu poder
aquisitivo e do seu bem-estar material. Todos iam subindo juntos, embora para andares diferentes.
Mas todos das classes médias estavam cônscios de sua ascensão social e esperançosos de
conseguir ainda mais. Daí sua relativa coesão e o sentimento de se haver tornado um poderoso
estamento. A competição foi, na realidade, com os pobres, cujo o acesso aos bens e serviços se torna
cada vez mais difícil, à medida que estes se multiplicam. Vale a pena lembrar as facilidades para a
aquisição da casa própria, mediante programas governamentais com que foram privilegiados,

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