POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO (do pensamento único à consciência universal) Milton Santos

(mariadeathaydes) #1

enquanto os brasileiros mais pobres apenas foram incompletamente atendidos nos últimos anos do
regime autoritário. A classe média é a grande beneficiária do crescimento econômico, do modelo
político e dos projetos urbanísticos adotados.
Tal classe média, ao mesmo tempo em que se diversifica profissionalmente, aumenta
seu poder aquisitivo e melhora qualitativamente por meio das oportunidades de educação que lhe são
abertas, tudo isso levantado à ampliação do seu bem-estar (o que hoje se chama de qualidade de
vida), conduzindo-a a acreditar que a preservação das suas vantagens e perspectivas estivesse
assegurada. Conforme mostraram Amélia Rosa S. Barreto e Ana Clara T. Ribeiro (“A dúvida da dívida
e a classe média”, Lastro, IPPUR, ano 3, nº 6, abril de 1999) “o acesso ao crédito transforma-se em
instrumento para alcançar a estabilidade social”. Tudo o que alimenta a classe média dá-lhe, também
um sentimento de inclusão no sistema político e econômico e um sentimento de segurança,
estimulado pela constantes medidas do poder público em seu favor. Tratava-se, na realidade, de uma
moeda de troca, já que a classe média constituía uma base de apoio às ações do governo.
Forma-se, dessa maneira, uma classe média sequiosa de bens materiais, a começar pela
propriedade, e mais apegada ao consumo que à se cidadania, sócia despreocupada do crescimento e
do poder com os quais se confundia. Daí a tolerância, senão a cumplicidade com o regime autoritário.
O modelo econômico importava mais que o modelo cívico. Eram essas, aliás, condições objetivas
necessárias a um crescimento econômico sem democracia. Quando o regime militar esgota o seu
ciclo, a democracia se instala incompletamente na década de 1980, guardando todos esses vícios de
origem e sustentando um regime representativo falsificado pela ausência de partidos políticos
conseqüentes. Seguindo essa lógica, as próprias esquerdas são levadas a dar mais espaço às
preocupações eleitoras e menos à pedagogia propriamente política. A gênese e as formas de
expansão das classes médias brasileiras têm relação direta com a maneira como hoje se
desempenham os partidos.


A escassez chega às classes médias

Tal situação tende a mudar, quando a classe média começa a conhecer a experiência da
escassez, o que poderá levá-la a uma reinterpretação de sua situação. Nos anos recentes, primeiro
de forma lenta ou esporádica e já agora de modo mais sistemático e continuado, a classe média
conhece dificuldades que lhe apontam para uma situação existencial bem diferente daquela que
conhecera há poucos anos. Tais dificuldades chegam em em um tropel: a educação dos filhos, o
cuidado com a saúde, a aquisição ou aluguel da moradia, a possibilidade de pagar pelo lazer, a falta
de garantia no emprego, a deteorização dos salários, a poupança negativa e o crescente
endividamento estão levando ao desconforto quanto ao presente e à insegurança quanto ao futuro,
tanto o futuro remoto quanto o imediato. Tais incertezas são agravadas pelas novas perspectiva da
previdência social e do regime de aposentadorias, da prometida reforma dos seguros privados e da
legislação do trabalho. A tudo isso se acrescentam, dentro do próprio lar, a apreensão dos filhos em
relação ao futuro profissional e as manifestações cotidianas desse desassossego.
Já que não mais encontram os remédios que lhe eram oferecidos pelo mercado ou pelo
Estado como solução aos seus problemas individuais emergentes, as classes médias ganham a
percepção de que já não mandam, ou de que já não participam da partilha do poder. Acostumadas a
atribuir aos políticos a solução dos seus problemas, proclamam, agora, seu descontentamento,

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