distanciando-se deles. Elas já não vêem espelhadas nos partidos e por isso se instalam num
desencanto mais abrangente quanto à política propriamente dita. Isso é justificado, em parte, pela
visão de consumidor desabusado que alimentou durante décadas, agravada com a fragmentação pela
mídia, sobretudo televisiva, da informação e da interpretação do processo social. A certeza de não
mais influir politicamente é fortalecida nas classes médias, levando-as, não raro, a reagir
negativamente, isto é, a desejar menos política e menos participação, quando a reação correta
poderia e deveria ser exatamente a oposta.
A atual experiência de escassez pode não conduzir imediatamente à desejável expansão
da consciência. E quando esta se impõe, não o faz igualmente, segundo as pessoas. Visto
esquematicamente, tal processo pode ter, como primeiro degrau, a preocupação de defender
situações individuais ameaçadas e que se deseja reconstituir, retomando o consumo e o conforto
material como o principal motor de uma luta, que, desse modo, pode se limitar a novas manifestações
de individualismo. É num segundo momento que tais reivindicações, fruto de reflexão mais profunda,
podem alcançar um nível qualitativo superior, a partir de um entendimento mais amplo do processo
social e de uma visão sistêmica de situações aparentemente isoladas. O passo seguinte pode levar à
decisão de participar de uma luta pela sua transformação, quando o consumidor assume o papel de
cidadão. Não importa que esse movimento de tomada de consciência não seja geral, nem igual para
todas as pessoas. O importante é que se instale.
Um dado novo na política
Seja como for, as classes médias brasileiras, já não mais aduladas, e feridas de morte
nos seus interesses materiais e espirituais, constituem, em sua condição atual, um dado novo da vida
social e política. Mas seu papel não estará completo enquanto não se identificar com os clamores dos
pobres, contribuindo, juntos, para o rearranjo e a regeneração dos partidos, inclusive os partidos do
progresso. Dentro destes, são muito os que ainda aceitam as tentações do triunfalismo oposicionista –
sempre que as ocasiões se apresentam – e se rendem ao oportunismo eleitoreiro, limitando-se às
respectivas mobilizações ocasionais, desgarrando-se, assim, do seu papel de formadores não apenas
da opinião mas da consciência cívica sem a qual não pode haver neste país política verdadeira.
As classes média brasileira, agora mais ilustradas e, também, mais despojadas
materialmente, têm, agora, a tarefa histórica de forçar os partidos a complementar, no Brasil, o
trabalho, apenas começado, de implantação de uma democracia que não seja apenas eleitoral, mas,
também, econômica, política e social. A experiência da escassez, um revelador cotidiano da
verdadeira situação de cada pessoa é, desse modo, um dado fundamental na aceleração da tomada
de consciência. Nas condições brasileiras atuais, as novas circunstâncias podem levar as classes
médias a forçar uma mudança substancial do ideário e das práticas políticas, que incluam uma maior
responsabilidade ideológica e a correspondente representatividade político-eleitoral dos partidos.