Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

Muitas mudanças aconteceram nos últimos duzentos anos, mas as advertências de Madison
apenas se tomaram ainda mais justas, ganhando um novo significado com a implantação, no início
do século 20, de grandes tiranias privadas a que foram concedidos extraordinários poderes,
notadamente pelos tribunais. As teorias elaboradas para justificar essas “entidades de direito
coletivo”, como são às vezes chamadas pelos historiadores do Direito, baseiam-se numa idéia que
também subjaz ao fascismo e ao bolchevismo: a de que as entidades orgânicas possuem direitos
acima e além dos direitos das pessoas. Elas são beneficiárias de “liberalidades” concedidas por
Estados sobre os quais têm amplo controle, tomando-se seus “instrumentos e tiranos”, conforme a
frase de Madison. E conquistaram substancial controle sobre a economia nacional e internacional,
bem como sobre os sistemas de informação e doutrinamento, o que nos remete a outra preocupação
de Madison: a de que “um governo popular, sem informação popular ou sem meios de adquiri-la,
não é senão o Prólogo de uma Farsa ou de uma Tragédia; talvez de ambas”.
Vejamos agora as doutrinas construídas para impor as modernas formas de democracia
política. Elas foram expressas, de maneira bastante precisa, num importante manual da indústria
das relações públicas, por Edward Bernays, uma de suas figuras mais importantes. Ele começa
observando que “a manipulação consciente e inteligente dos hábitos e opiniões organizadas das
massas é um importante componente da sociedade democrática”. Para executarem essa tarefa
essencial, “as minorias informadas devem fazer uso contínuo e sistemático da propaganda” porque
somente elas entendem os processos mentais e os padrões sociais das massas” e podem “manejar
os cordões que controlam a opinião pública”. Por conseguinte, a nossa “sociedade consentiu em
aceitar que a livre concorrência fosse organizada pela liderança e pela propaganda”, outro caso de
“consentimento sem consentimento”. A propaganda proporciona à liderança um mecanismo para
“moldar a opinião das massas”, de modo que estas ‘joguem as forças recém-adquiridas na direção
desejada”. A liderança pode “arregimentar a opinião pública exatamente da mesma forma como um
exército arregimenta seus soldados”. Esse processo de “construção do consentimento” é a “essência
mesma do processo democrático”, escreveu Bernays, pouco antes de ser homenageado por suas
contribuições, em 1949, pela Associação Americana de Psicologia.
A importância do “controle da opinião pública” era reconhecida com clareza cada vez maior à
medida que as lutas populares conseguiam ampliar as modalidades de democracia, fazendo surgir
desse modo àquilo que as elites liberais chamam de “a crise da democracia” – o que acontece
quando populações normalmente passivas e apáticas se organizam e tentam entrar na arena
política em busca de seus interesses e demandas, ameaçando a estabilidade e a ordem. Como
explicou Bernays, “com o sufrágio universal e a educação pública... até a burguesia passou a temer
as pessoas comuns. Pois as massas prometeram se tomar rei”, tendência que afortunadamente foi
revertida – assim se esperava quando novos métodos “para moldar a opinião das massas” foram
concebidos e implementados.
Bom liberal do New Deal, Bernays havia desenvolvido seus talentos no Comitê para a
Informação Pública de Woodrow Wilson, a primeira agência estatal de propaganda dos Estados
Unidos. “Foi o espantoso sucesso da propaganda durante a guerra que abriu os olhos da minoria
informada, em todos os setores da vida, para as possibilidades da arregimentação da opinião
pública”, explicou Bernays em seu manual de relações públicas intitulado Propaganda. A minoria
informada talvez não soubesse que o seu “espantoso sucesso” repousava, em não pouca medida,
sobre as fabricações propagandísticas a respeito das atrocidades dos hunos que lhes foram

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