Bowles, e a exigência quase histérica de um programa de ação”, estado de espírito que se refletiu
nas declarações públicas do presidente Kennedy de que a falta de ação acarretaria “o risco de
sermos varridos junto com os escombros da história”. As iniciativas de Clinton, públicas ou
indiretas, revelam os mesmos traços de fanatismo vingativo, como nas ameaças e perseguições que
asseguraram que “o número de empresas com licença oficial para vender [medicamentos] a Cuba
caiu para menos de quatro por cento” dos níveis anteriores ao Cuban Democracy Act (CAD), de
outubro de 1992, ao passo que “no mundo inteiro, só umas poucas empresas do setor tentaram
desafiar as normas” e sanções dos EUA, segundo um artigo de importante publicação médica
britânica.^25
Esse tipo de considerações nos transporta do plano abstrato das leis internacionais e acordos
solenes para a realidade da vida humana. Os advogados talvez possam discutir se o embargo de
alimentos e (na prática) remédios viola os acordos internacionais, afirmando que “alimentos não
devem ser usados como instrumento de pressão política e econômica” (Declaração de Roma, 1996) e
outros princípios e compromissos expressos. Mas as vítimas têm de conviver com o fato de que o
CDA “causou uma grave redução do comércio de suprimentos médicos e doações legítimas de
alimentos em prejuízo do povo cubano” (Cameron). Um estudo recém-divulgado da Associação
Americana para a Saúde Mundial (AAWH) conclui que o embargo causou graves déficits
nutricionais, deterioração da oferta de água potável e agudo declínio da disponibilidade de remédios
e informações médicas, levando à diminuição da taxa de natalidade, a surtos de doenças
neurológicas e afins, com dezenas de milhares de vítimas, além de outras graves Conseqüências à
saúde. “Os padrões de saúde e nutrição foram devastados pelo recente aperto do embargo
americano que já dura 37 anos e que inclui a importação de alimentos”, escreve Victoria Brittain na
imprensa britânica, reportando-se ao estudo de um ano de duração da AAWH, feito por
especialistas norte-americanos, que revelou “crianças hospitalizadas sofrendo por falta de
medicamentos essenciais que lhes são negados” e médicos obrigados “a trabalhar com
equipamentos médicos em nível de eficiência abaixo de 50 por cento por falta de peças de
reposição”. Às mesmas conclusões chegaram os autores de outros estudos publicados em revistas
médicas especializadas.^26 Esses são os verdadeiros crimes, muito mais do que a violação casual e
reflexa de instrumentos legais usados como armas contra inimigos oficiais, com o cinismo que só os
verdadeiramente poderosos podem exibir.
Para não faltarmos com a verdade, devemos acrescentar que o sofrimento causado pelo
embargo é às vezes informado aqui também. Uma reportagem da seção de negócios do New York
Times ganhou o título Explodem os Preços dos Charutos Cubanos: Agora o Embargo Dói de Verdade;
Os Bons Charutos Estão Escasseando. A reportagem fala das atribulações dos executivos de um
“felpudo salão de fumantes” de Manhattan que se queixam “da enorme dificuldade de se encontrar,
hoje em dia, um charuto cubano nos Estados Unidos” a não ser por “preços que seguram pela
garganta os mais inveterados apreciadores”.^27
Enquanto o governo Clinton, explorando os privilégios dos poderosos, atribui as cruéis
conseqüências de uma guerra econômica sem paralelo na história recente às políticas do regime do
qual ele promete “libertar” o sofrido povo cubano, uma conclusão mais plausível parece dizer o
contrário: o “estrangulamento econômico de Cuba pelos Estados Unidos” foi planejado, mantido e
intensificado após a guerra fria pelas razões implícitas no relato de Arthur Schlesinger ao recém-
empossado presidente Kennedy.
mariadeathaydes
(mariadeathaydes)
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