Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

os seus cidadãos aceitaram o neoliberalismo como o único caminho viável. Pode ser imperfeito, mas
é o único sistema econômico possível.
No início do século 20, alguns críticos diziam que o fascismo era “o capitalismo sem luvas”,
querendo dizer que esse sistema era o capitalismo puro, sem organizações nem direitos
democráticos. Mas sabemos que o fascismo é algo infinitamente mais complexo. O neoliberalismo,
sim, é de fato o “capitalismo sem luvas”, Ele representa uma época em que as forças empresariais
são maiores, mais agressivas e se defrontam com uma oposição menos organizada do que nunca.
Nesse ambiente político elas tratam de normatizar o seu poder político em todas as frentes
possíveis, razão pela qual fica cada vez mais difícil contestá-las, tornando complicada – no limite da
impossibilidade – a simples existência de forças extra-mercado, não-comerciais e democráticas.
É justamente na opressão das forças extra-mercado que se vê como opera o neoliberalismo,
como sistema não apenas econômico, mas também político e cultural. Fica clara então a sua
notável diferença em relação ao fascismo, que se caracteriza não só pelo desprezo pela democracia
formal, como também por uma forte mobilização social de cunho racista e nacionalista. O
neoliberalismo funciona melhor num ambiente de democracia eleitoral formal, mas no qual a
população é afastada da informação, do acesso e dos fóruns públicos indispensáveis a uma
participação significativa na tomada das decisões. Como diz Milton Friedman, guru do
neoliberalismo, em seu livro Capitalismo e Liberdade, dado que a busca do lucro é a essência da
democracia, todo governo que seguir uma política antimercado estará sendo antidemocrático,
independentemente de quanto apoio popular informado seja capaz de granjear. Portanto, o melhor a
fazer é dar aos governos a tarefa de proteger a propriedade privada e executar contratos, além de
limitar a discussão política a questões menores. Os problemas reais da produção e distribuição de
recursos e da organização social devem ser resolvidos pelas forças do mercado.
Equipados com essa perversa concepção de democracia, neoliberais como Milton Priedman
não sentiram nenhum mal estar com o golpe militar que derrubou, em 1973, o presidente chileno,
democraticamente eleito, Salvador Allende, porque o governo estava tentando impor controles sobre
os negócios da sociedade. Depois de quinze anos de uma ditadura brutal e selvagem – sempre em
nome do livre mercado democrático – a democracia formal foi restaurada em 1989, com uma
Constituição que tornava muito mais difícil, senão impossível, aos cidadãos contestar o domínio
empresarial-militar sobre a sociedade chilena. É a democracia liberal numa casca de noz: debates
triviais sobre questões menores entre partidos que seguem basicamente as mesmas políticas pró-
grande empresa, independentemente de diferenças formais e de discussões de campanha. A
democracia é admissível desde que o controle dos negócios esteja fora do alcance das decisões
populares e das mudanças, isto é, desde que não seja democracia.
O sistema neoliberal tem, por conseguinte, um subproduto importante e necessário – uma
cidadania despolitizada, marcada pela apatia e pelo cinismo. Se a democracia eleitoral pouco afeta a
vida social, é irracional dedicar-lhe demasiada atenção; nos Estados Unidos, o criatório da
democracia neoliberal, a abstenção bateu todos os recordes nas eleições para o Congresso em 1998:
apenas um terço dos cidadãos com direito a voto compareceu as umas. Embora cause uma certa
preocupação entre os partidos que costumam atrair o voto dos despossuídos, como é o caso do
Partido Democrata dos EUA, o baixo comparecimento eleitoral tende a ser aceito e incentivado pelos
poderes fáticos como uma coisa ótima, já que entre os não-eleitores há, como era de esperar, uma
maioria de pobres e de trabalhadores. As políticas que poderiam aumentar rapidamente o interesse

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