Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

do eleitor e os índices de participação são obstruídas antes mesmo de ingressar na arena pública.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os dois principais partidos ligados ao mundo dos negócios se
recusaram, com o apoio da comunidade empresarial, a reformar a legislação que toma praticamente
impossível a criação e a efetivação de novos partidos políticos (que poderiam atrair interesses não-
empresariais). Apesar da marcante insatisfação do público, tantas vezes observada, com
republicanos e democratas, a política eleitoral é uma área onde as noções de concorrência e livre
escolha têm escasso significado. Sob certos aspectos, a qualidade do debate e das opções nas
eleições neoliberais é mais parecida com a que se vê num Estado comunista de partido único do
que com a de uma democracia de verdade.
Mas este ainda é um pobre indicativo das perniciosas implicações do neoliberalismo para
uma cultura política centrada no civismo. Por um lado, a desigualdade social gerada pelas políticas
neoliberais solapa todo e qualquer esforço de realização da igualdade de direitos necessária para
que a democracia tenha credibilidade. As grandes empresas têm meios de influenciar a mídia e
controlar o processo político, e assim o fazem. Na política eleitoral dos Estados Unidos, por
exemplo, 0,25 por cento dos americanos mais ricos são responsáveis por 80 por cento do total de
contribuições políticas individuais, e a contribuição das grandes empresas supera a dos
trabalhadores em uma proporção de 10 para 1. Sob o neoliberalismo tudo isso faz sentido, uma vez
que as eleições refletem princípios de mercado. Já as contribuições são tratadas como investimento.
Desse modo, reafirma-se a irrelevância da política eleitoral para a maioria das pessoas e confirma-
se o domínio incontrastável das grandes empresas.
Por outro lado, para que a democracia seja efetiva é necessário que as pessoas se sintam
ligadas aos seus concidadãos e que essa ligação se manifeste por meio de um conjunto de
organizações e instituições extra-mercado. Uma cultura política vibrante precisa de grupos
comunitários, bibliotecas, escolas públicas, associações de moradores, cooperativas, locais para
reuniões públicas, associações voluntárias e sindicatos que propiciem formas de comunicação,
encontro e interação entre os concidadãos. A democracia neoliberal, com sua idéia de mercado über
alles, nunca tem em mira esse setor. Em vez de cidadãos, ela produz consumidores. Em vez de
comunidades, produz shopping centers. O que sobra é uma sociedade atomizada, de pessoas sem
compromisso, desmoralizadas e socialmente impotentes.
Em suma, o neoliberalismo é o inimigo primeiro e imediato da verdadeira democracia
participativa, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o planeta, e assim continuará no futuro
previsível.
É justo que Noam Chomsky seja hoje a mais importante figura intelectual da luta pela
democracia e contra o neoliberalismo em todo o mundo. Na década de 1960, nos Estados Unidos,
Chomsky foi um notável crítico da guerra do Vietnã, vindo a se tornar, quem sabe, o mais incisivo
analista dos métodos utilizados pela política externa norte-americana para solapar a democracia,
sufocar os direitos humanos e promover os interesses da minoria rica. Na década de 1970, Noam
Chomsky e Edward S. Herman iniciaram uma pesquisa sobre as atividades da mídia norte-
americana a serviço dos interesses das elites e em detrimento da capacidade de efetivo exercício do
auto-governo democrático por parte dos concidadãos. Manufacturing Consent, publicado em 1988,
continuará sendo o ponto de partida para qualquer investigação séria sobre o papel da imprensa.
Ao longo desses anos, Chomsky, que pode ser caracterizado como um anarquista ou mais
precisamente talvez como um socialista libertário, foi um opositor e crítico democrático principista,

Free download pdf